O relator da regulamentação da reforma tributária, Reginaldo Lopes (PT-MG), decidiu, nos instantes finais da votação, incluir as carnes na lista de produtos da cesta básica nacional, que terão alíquota zero.
“Estamos acolhendo no relatório da reforma todas as proteínas: carnes, peixe, queijos e, lógico, o sal. Porque o sal é um ingrediente da culinária brasileira”, anunciou no plenário da Câmara dos Deputados.
A decisão ocorre após dias de impasse em torno do tema e evitou um risco de derrota para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que atuou diretamente para tentar barrar a medida.
Um destaque para incluir as carnes foi apresentado pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como o texto-base já havia sido votado pelos parlamentares, o destaque será apreciado para confirmar a decisão sobre a cesta básica.
O tratamento tributário das carnes foi um dos temas mais polêmicos durante a discussão do projeto na Câmara.
O presidente da Câmara se reuniu diversas vezes com representantes da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) para tratar do assunto. Em confraternização promovida pelo PSD na noite de terça (9), Lira teve uma discussão acalorada com o presidente da entidade, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), sobre a questão.
A bancada ruralista é uma das mais poderosas do Congresso e é favorável à inclusão da proteína animal. Lira voltou a se reunir com membros da FPA já com a votação do projeto em curso, na tarde desta quarta. Não houve acordo, e deputados da bancada disseram que haveria votos para aprovar o destaque.
O tema também se tornou novo foco de divergência entre Lira e o Planalto.
De um lado, Lula defendia a inclusão de carne na cesta básica, enquanto Lira era contrário. Em entrevista ao UOL no fim de junho, o petista entrou na discussão da reforma ao defender a isenção de impostos para o frango.
Há uma avaliação da ala política do governo de que essa medida teria forte apelo popular, porque o volume de proteína animal consumida no Brasil é relevante. Além disso, uma das promessas de campanha do petista era que os brasileiros voltariam a comer carne, como a picanha.
O próprio Ministério da Fazenda, porém, calculou que contemplar as carnes na cesta básica teria um impacto de 0,53 ponto percentual na alíquota padrão do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a ser paga por todos os contribuintes.
Na metodologia do Banco Mundial, esse efeito poderia ser até maior, de 0,57 ponto percentual.
O impacto é um dos motivos citados por Lira para justificar a posição contrária à inclusão. Na semana passada, o presidente da Câmara disse que isso acarretaria um “preço pesado para todos os brasileiros”.
Nas discussões mais recentes, ele argumentou a interlocutores que contemplar as carnes seria uma “insanidade” e que a fatura seria paga por todos os contribuintes.
O relator da proposta, Reginaldo Lopes (PT-MG), não incluiu carnes na cesta básica em nenhum de seus pareceres, e o texto-base foi aprovado sem o produto. O PL apresentou um destaque ao texto, para submeter o tema a uma votação específica no plenário.
Além do agronegócio, também houve pressão de outros setores, como o de supermercados, e de parlamentares —da direita à esquerda— que defendem uma cesta básica mais ampla e foram surpreendidos pela ausência da proteína animal na lista.
A reportagem testemunhou o momento em que o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) abordou o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), no salão verde da Casa, na quarta, questionando o que seria feito para contemplar as carnes. Cunha respondeu rapidamente que era um assunto “complicado”, antes de entrar no plenário de votações.
Em outro momento, o deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA) disse a Ricardo Salles (PL-SP), que votaria a favor do destaque do PL para incluir as carnes na cesta básica.
Adriana Fernandes/Idiana Tomazelli/Victoria Azevedo/Folhapress