Temor de vexame em SP faz Lula elevar pressão por candidatura de Haddad

Igor Gielow/ Folhapress

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou a pressão para que Fernando Haddad (PT) se candidate à disputa pela Prefeitura de São Paulo em outubro. Ocupante do cargo de 2013 a 2016, o ex-prefeito já disse não ao líder petista em conversa há poucas semanas, mas interlocutores de ambos acreditam que ele vai reconsiderar.

O motivo: o cenário sombrio que vem sendo pintado por especialistas em pesquisas do partido, a partir de dados de sondagens internas. Nelas, apenas Haddad aparece como um petista conhecido e viável para chegar ao segundo turno —provavelmente para perder de qualquer nome, em especial o do prefeito Bruno Covas (PSDB). Nas palavras de um auxiliar de Lula, contudo, a opção do PT é arriscar tornar-se linha auxiliar do PSOL na maior cidade do país, exatamente como ocorreu no Rio de Janeiro.

Hoje, o partido tem sete pré-candidatos que irão disputar uma prévia no dia 15 de março. Entre eles, o ex-deputado Jilmar Tatto é quem mais mobiliza a máquina interna do partido e é considerado favorito, mas não conta com o aval de boa parte da elite petista. Para o entorno de Lula, Tatto corre o risco de ficar empatado ou atrás de Guilherme Boulos (PSOL), e isso num patamar baixo de votação.

O mesmo ocorreria, por gravidade, com a bancada petista na Câmara Municipal, onde a sigla tem hoje o segundo maior contingente de vereadores: 9 de 55. O ex-prefeito insiste em não concorrer justamente por concordar com a segunda parte da formulação inicial, a alta chance de derrota. Teme inviabilizar-se politicamente para uma candidatura em 2022, seja para a Presidência novamente como preposto do inelegível Lula, seja para o governo do estado no improvável caso de o ex-presidente conseguir anular as condenações que sofreu.

Lula não quer pressionar publicamente Haddad, a quem considera soldado leal. Em 2018, o ex-prefeito aceitou se registrar como vice de uma candidatura que seria barrada e depois assumiu o papel de representante de Lula no pleito, obtendo 44,87% dos votos válidos do segundo turno contra Jair Bolsonaro. De todo modo, o chefe petista já deixou clara sua avaliação sobre a necessidade de um palanque paulistano forte. Contra essa lógica há o fato de que Haddad foi humilhado em 2016, quando era prefeito e só obteve 16,7% dos votos, perdendo em primeiro turno para João Doria (PSDB).

Nem por isso o PT teve uma posição federal fraca na eleição presidencial seguinte. Já na disputa estadual o partido historicamente nunca chegou perto de eleger o governador. Para os lulistas envolvidos nas articulações, o temor de Haddad é infundado. Eles creem que uma candidatura que seja competitiva manterá o ex-prefeito em evidência, enquanto um período renovado de discrição o manterá como o nome ideal de um certo bolsão intelectual paulistano —e só. A pressão é reforçada pelos pré-candidatos, que, à exceção de Tatto, já indicaram que abandonam a disputa se o ex-prefeito topar concorrer.

E apoiadores de alguns candidatos petistas a prefeituras da Grande São Paulo, como Elói Pietá (Guarulhos) e Emídio de Souza (Osasco), sugerem que o “recall” de Haddad pode espraiar a votação petista pelo entorno da capital. Há também a questão das alianças. A ex-prefeita Marta Suplicy gostaria de ser vice de Haddad ou de um nome alternativo do PT, como o advogado Marco Aurélio de Carvalho, mas rejeita acordo com os nomes das prévias. O grupo de Lula diz que a resistência a Marta no partido, devido ao apoio que ela deu ao impeachment da petista Dilma Rousseff em 2016, é superável. Agora resta saber se a Rede, legenda de Marina Silva, toparia a vice caso seja consumada a filiação da ex-prefeita ao partido.

Marina e Marta já se estranharam, mas estão em bons termos. A presidenciável de 2010, 2014 e 2018, contudo, não quer saber de aliança com o PT. A Rede quer Marta como candidata a prefeita. Já o Solidariedade do deputado Paulinho da Força é um porto mais seguro, enquanto a ida especulada ao PDT esbarra na provável resistência de Ciro Gomes, outro provável rival do PT em 2022. A defesa de um nome pouco convencional já foi feita pelo próprio Lula em entrevistas, o que fez surgir o nome de Carvalho.

O advogado, nome de destaque em seu ramo e fundador do grupo de defesa de direitos Prerrogativas, já coordenou a área jurídica do PT e é muito próximo do ex-presidente —hoje, defende seu filho Fábio Luís. Não tem experiência eleitoral, o que segundo pesquisas pode ser um ativo. Isso porque há a permanência de sentimentos antipolíticos de 2018 na população.

Além disso, ele transita com fluidez em setores da elite que convivem bem com Haddad, mas dificilmente teriam interlocução com Tatto. Toda a discussão petista é limitada pelas dificuldades naturais que o partido admite que terá em São Paulo. O partido apenas conta com algum refluxo natural na onda conservadora de lá para cá, ainda mais com o estado agora na mão de Doria e a prefeitura, com seu antigo vice, Covas. Poder desgasta, afinal. Do lado do bolsonarismo, ainda não há um candidato associado ao presidente. O apresentador José Luiz Datena poderia ser o nome.

Ele já descartou concorrer por motivos de saúde e depois voltou atrás. Um acerto estadual com Paulo Skaf (MDB, rumo ao futuro Aliança pelo Brasil, de Bolsonaro) será provável neste caso. O pleito segue sob o signo da incerteza devido à condição de saúde de Covas, em tratamento contra o câncer. Nenhum adversário ou aliado fala em público sobre isso, mas todos especulam cenários para o caso de o prefeito ter de se afastar da campanha.

Nesse caso, os olhos se voltam principalmente para a composição de sua chapa: apesar de Covas ter conversas avançadas com Celso Russomanno (Republicanos), a cúpula partidária tem falado cada vez mais em uma dupla puro-sangue, para garantir a primazia ao PSDB se o prefeito não puder concorrer. Aí, a especulação mais comum envolve a presença de Lu, a mulher de Alckmin, seja para a cabeça da chapa, seja para fazer uma dobradinha com o marido como vice.

As possibilidades agradam a Doria, seu desafeto, por tecnicamente desobstruírem o caminho para o governador cumprir seu acordo com o vice, Rodrigo Garcia (DEM), e liberá-lo para disputar o Bandeirantes em 2022 —isso se o tucano mantiver a intenção de ser presidenciável.

Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula