O Ministério Público estadual encaminhou, no último dia 4, recomendações ao Estado da Bahia e ao Município de Salvador para que os órgãos competentes adotem providências que compatibilizem, dentro do máximo possível, as liturgias e ritos de sepultamento dos povos indígenas e das religiões de matriz africana com as medidas e protocolos de segurança sanitária estabelecidos pelas autoridades para prevenir e conter a disseminação do novo coronavírus no país. As recomendações foram expedidas pela promotora de Justiça Márcia Teixeira, do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis).
Em respeito à liberdade de culto e liturgia dos povos indígenas e das religiões de matriz africana, a promotora recomendou que, quando possível o enterro do corpo na terra, a cremação e o sepultamento em gavetas sejam adotados como última opção; e que o sepultamento de religiosos de matriz africana possa ser acompanhado por familiares, pelo sacerdote e seu iniciado, de forma restrita, com respeito ao número máximo de pessoas estabelecido pela autoridade sanitária. Segundo protocolo do Ministério da Saúde, os enterros devem ocorrer com, no máximo, dez pessoas, respeitando-se uma distância de dois metros entre elas, com caixões sempre lacrados. Foi recomendado ainda que os órgãos municipais e estaduais competentes se articulem com os representantes dos povos e das religiões para viabilizar, pelo menos, o ritual de encomendação do corpo, nos casos de restrição de realização de velório.
Entre outras providências, Márcia Teixeira recomendou também que, nos casos de sepultamento de indígenas, os representantes e familiares sejam devidamente informados dos eventuais motivos que impediram o translado para a comunidade dos corpos vitimados pela Covid-19. A promotora orientou que seja realizada a “plena” identificação e localização dos corpos de indígenas vítimas do coronavírus, para eventual retorno dos restos mortais, caso estudos científicos posteriores confirmem essa possibilidade.
Nas recomendações, Márcia Teixeira destacou que, nas crenças de religiões de matriz africana, praticantes do candomblé não podem ser cremados ou sepultados em gavetas, pois precisam retornar para a terra, o “grande útero-mãe”, do mesmo modo que, para alguns povos indígenas, o corpo do morto deve retornar para a natureza, “tornando-se assim indispensável o seu sepultamento na sua terra de origem”. Por outro lado, a promotora observou que, segundo estudos científicos já divulgados, os fluídos corporais dos corpos de pessoas mortas pelo novo coronavírus são vetores de transmissão da doença. Para o equilíbrio entre o direito individual, da liberdade de culto, e o direito coletivo à saúde, a promotora afirmou que “diante do grave risco à saúde pública, a atingir inclusive o próprio direito à vida, o Poder Público pode impor restrições ao exercício da liberdade de culto, quando e na forma estritamente necessária para barrar o avanço do vírus, sem conduzir a uma completa e generalizada descaracterização dos rituais fúnebres”.
Foto: Divulgação