O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria, nesta quinta-feira (21), para definir que a medida provisória do presidente Jair Bolsonaro para proteger agentes públicos de responsabilização durante a pandemia do coronavírus não pode servir para blindar atos administrativos contrários a recomendações médicas e científicas.
Os ministros votaram para manter a previsão de que gestores públicos só devem responder nas esferas civil e administrativa da Justiça quando “agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”, como prevê a MP.
No entanto, definiram que, na aplicação da norma, devem ser incluídos no conceito de erro grosseiro medidas que não observem normas e critérios técnicos estabelecidos por autoridades sanitárias e organização de saúde do Brasil e do mundo.
Além disso, afirmaram que equívocos que violem os princípios constitucionais da precaução e da prevenção também devem ser considerados erros grosseiros aptos de responsabilização.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia se posicionaram para dar interpretação conforme à Constituição à MP e impor essas balizas à aplicação da medida.
O julgamento está em curso. Ainda faltam votar os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli.
No julgamento, apenas Barroso citou especificamente a cloroquina, liberada pelo Ministério da Saúde após pressão do presidente Jair Bolsonaro.
A maioria dos ministros, porém, fez questão de ressaltar a necessidade de as autoridades públicas observarem a opinião técnica e científica antes de adotarem medidas administrativas.
“O erro grosseiro é o negacionismo científico voluntarista. Temos diversos órgãos que afirmam o que é eficiente e aquilo que não é eficiente”, assinalou Fux.
Em outro momento, o ministro disse que o novo coronavírus é desafio para a medicina e alertou que “se pretende utilizar fármacos que ao invés de curar doentes venham a matar”.
Moraes seguiu a mesma linha: “Há ciência e pesquisa para balizar exatamente os gestores públicos”.
Em relação à solução para a MP, porém, ele divergiu. Moraes acompanhou a maioria para dar interpretação restritiva à medida provisória, mas foi além e também votou para que dois trechos da norma sejam modificados.
O ministro defendeu que deveria ser invalidado o artigo da medida que prevê blindagem a erros grosseiros cometidos no “combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia”.
O magistrado sustentou que as consequências da doença podem levar até dez anos e que a redação da norma ficou muito abrangente
“Isso pode justificar medidas relacionadas a planos econômicos, segurança pública, estaríamos aqui a permitir uma cláusula tão aberta, que se perpetuaria ao longo dos anos e que, a meu ver, inverteria a ordem, a lógica. A regra é a responsabilização, que nós transformaríamos em exceção”, disse.
E completou: “A partir dos próximos anos, todas as medidas terão alguma ligação, algum nexo com os efeitos gerados pela pandemia. O mundo hoje só toma medidas relacionadas à pandemia. Não há aqui aquela excepcionalidade que permite um novo tratamento de responsabilização”.
Os ministros analisam seis ações apresentadas contra a MP. A inclusão na pauta do STF ocorreu apenas um dia antes do julgamento, o que não é comum. A iniciativa fez parte de uma mudança de estratégia da corte na análise de matérias de autoria do Executivo.
Após críticas pelas recorrentes decisões monocráticas de membros da corte, Barroso e o presidente do STF, Dias Toffoli, preferiram levar a discussão ao plenário, a fim de dar mais peso ao entendimento firmado sobre o tema.
Assim, em vez de apreciar sozinho as impugnações à MP, Barroso se articulou com Toffoli para levar o caso ao plenário. O presidente do STF então mudou a previsão de julgamentos para atender ao pedido do colega.
Folhapress