Operação contra fake news reforça suspeitas das eleições de 2018

A operação realizada na última quarta-feira (27) no inquérito do Supremo Tribunal Federal contra fake news reforçou suspeitas levantadas desde a eleição de 2018 sobre a utilização de disparos em massa pelo WhatsApp e outras contas automatizadas para disseminar propaganda e desinformação.

Naquele momento, entre o primeiro e o segundo turnos do pleito presidencial, a Folha revelou que empresários haviam impulsionado sem declarar publicações contra o adversário do então candidato Jair Bolsonaro, o petista Fernando Haddad, o que fere a legislação eleitoral.

Agora, por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes, a Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão contra parlamentares, blogueiros, militantes e empresários apoiadores do presidente, suspeitos de integrar uma rede de disseminação de fake news e de difamação em redes sociais.

Os indícios se entrelaçam com outras frentes de investigação abertas desde que a Folha revelou as primeiras reportagens sobre disparos em massa.

Então presidente do PSL e responsável pela campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebianno afirmava na época que as suspeitas eram fake news.

“Nunca fizemos qualquer tipo de impulsionamento. Nosso crescimento é orgânico”, disse Bebianno, que depois virou ministro, foi demitido com menos de dois meses de governo, tornou-se desafeto de Bolsonaro e morreu em março após um infarto.

Diante da publicação de reportagem em 2018 revelando que empresários apoiadores bancavam disparos de mensagens por WhatsApp, Bolsonaro disse primeiro que não poderia ter controle sobre pessoas simpáticas à sua campanha. Depois, acusou a Folha de estar afundando na lama.

A operação da PF na última quarta faz parte do inquérito aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, em março de 2019, para apurar notícias falsas e ameaças contra ministros da corte e seus familiares.

O relator, ministro Alexandre de Moraes, faz referência na investigação ao chamado “gabinete do ódio”, grupo ligado ao Planalto que comandaria uma rede de fake news. Ele determinou também a quebra de sigilo de empresários como Luciano Hang, suspeitos de financiar essas campanhas pelas redes sociais e também de agir nos disparos em massa nas eleições de 2018.

Em uma série de reportagens desde outubro de 2018, a Folha revelou a contratação, durante a corrida eleitoral, de empresas de marketing que faziam envios maciços de mensagens políticas, usando de forma fraudulenta CPFs de idosos e até contratando agências estrangeiras.

Desde então, investigações apontam ramificações sobre uso de robôs, disparos em massa, campanhas de difamação e disseminação de fake news pelo entorno do presidente.

Há quatro ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a pedido de PT e PDT, para investigar disparos em massa de WhatsApp na eleição de 2018. No cenário mais grave, elas poderão resultar na cassação do presidente e de seu vice, Hamilton Mourão (PRTB).

Outra linha de investigação é a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das fake news. Ela foi instalada em julho de 2019 para apurar ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e uso de perfis falsos para influenciar as eleições de 2018.

Paralelamente, o WhatsApp admitiu, em outubro de 2019, que a campanha eleitoral do ano anterior teve envios maciços de mensagens, com o uso de sistemas automatizados.

Em abril deste ano, a Justiça de São Paulo proibiu que a empresa Yacows, uma das agências citadas nas reportagens da Folha, utilize o WhatsApp para esse tipo de operação. A Justiça atendeu pedido da própria plataforma.

O dono da empresa, Lindolfo Alves Neto, e um ex-funcionário, Hans River do Rio Nascimento, depuseram na CPMI em fevereiro. Lindolfo admitiu que a Yacows prestou serviços diretamente para ao menos 37 campanhas, entre elas a de Henrique Meirelles (MDB) à Presidência, que custou R$ 2 milhões, além de, indiretamente, por meio de agências, para Fernando Haddad, candidato do PT, e Bolsonaro.

Na época, a legislação eleitoral permitia que candidatos usassem disparos coletivos de mensagem, desde que cadastrados e declarados. Essas contratações foram informadas ao TSE e são legais.

Mas imagens enviadas por Hans River e exibidas na CPMI indicam que a empresa realizava envios ilegais. Elas mostram caixas com chips de celular e vários aparelhos conectados a um computador com o WhatsApp Web aberto, e fotos de monitores com registros de sistemas internos da companhia. Em uma delas, é possível ler a frase “Urgente: Marcelo Odebrecht delata”.

À época, houve disparo da seguinte mensagem contra Haddad relativa à delação do empresário: “Urgente – Marcelo Odebrecht delata Fernando Haddad recebeu propina grossa via Palocci (acabou a farsa)”.

Em delação, Marcelo Odebrecht afirmou que foi procurado por Guido Mantega para quitar contas da campanha municipal de Haddad em 2012. Afirmou que fazia repasses autorizados pelos ex-ministros Mantega e Antonio Palocci. Haddad, na época, disse que as afirmações não faziam sentido e que sua gestão contrariou interesses da Odebrecht.

Folhapress