Brasil vai na contramão da quarentena e vê explosão de mortes por Covid-19

O Brasil começou a experimentar um enfraquecimento do isolamento social mesmo antes de conseguir diminuir o número de mortes diárias pela Covid-19. Entre os dez países com mais óbitos no mundo, somente brasileiros e mexicanos estão nessa situação.

Nas outras oito nações na lista, as pessoas também estão retomando as atividades, mas apenas após a redução do ritmo de mortes pela doença.

Terceiro país com mais óbitos no mundo, o Brasil tem visto o número de vítimas bater recordes diários dessa contagem nesta semana. É o país com o maior número de mortes diárias no mundo (1.473 na quinta-feira, 4), perfazendo 28% de todas as mortes decorrentes da Covid-19 no planeta registradas naquelas 24 horas.

Mesmo assim, governadores e prefeitos estão decidindo abrandar a quarentena. É o caso de João Doria (PSDB-SP), à frente do estado com maior número de mortes do Brasil. Em âmbito federal, o presidente Jair Bolsonaro sempre criticou o isolamento social, por entender que os danos econômicos sejam piores que as mortes pelo vírus.

O ponto mais baixo de movimentação de pessoas no país ocorreu há 77 dias, em março, segundo monitoramento da Apple, com base em aparelhos móveis (dados do Google trazem panorama semelhante, mas possuem período mais curto de análise).

Outros países já estavam baixando o ritmo de mortes num período bem menor do que o do Brasil. Itália e Espanha começaram a reduzir o número de óbitos em menos de 20 dias depois de a quarentena atingir seu momento mais forte.

Os dois países europeus chegaram a decretar lockdown, que permitia as pessoas saírem de casa apenas para atividades essenciais, sob supervisão policial.

Na média, os oito países com mais mortes no mundo pela doença que conseguiram baixar o número de novos óbitos começarem a diminuir o ritmo da doença 26 dias após terem atingido o ponto mais baixo de mobilidade.

Além de começar a retomar as atividades antes de diminuir o número de novas mortes (contrariando recomendação da Organização Mundial da Saúde), os dados mostram outras características no Brasil que podem ajudar a explicar a aceleração do número de mortes.

A queda na movimentação no Brasil foi menos intensa do que em cinco países, entre os dez com mais mortes.

No patamar mais baixo de movimentação, os brasileiros ficaram em 35% do fluxo de um dia normal (hoje já subiu para 53,5%). Espanha e Itália atingiram 11% e 14%, respectivamente, segundo dados da Apple (que são atualizados até o último dia 3).

A Argentina, que tem menos mortes que o Brasil tanto em termos absolutos quanto proporcionais à população, chegou a ter durante a quarentena apenas 9% da movimentação de um dia normal.

O presidente argentino Alberto Fernández também impôs lockdown no país. O país, ao qual o vírus chegou poucos dias depois de ser registrado no Brasil e cuja a população equivale a 21% da brasileira, somava até o mesmo dia 4 de junho 615 mortes, ou 1,8% do total registrado no Brasil.

O monitoramento do Google mostra que a movimentação no comércio e lazer hoje no Brasil, que ainda não chegou ao pico da doença, está com queda de 47% em relação a janeiro e fevereiro, antes da pandemia. É o mesmo número da Espanha, cujo pico da doença foi há mais de 60 dias.

O Brasil teve seu primeiro caso da doença registrado em 25 de fevereiro, em São Paulo, e a primeira morte, em 16 de março. O país está neste sábado (6) em seu 102o.dia da pandemia e o 82o. desde o primeiro registro de óbito, e o número de mortes seguia em alta (para efeito de comparação, a Itália registrou seu primeiro caso em janeiro e a primeira morte, em 21 de fevereiro –em 28 de março, 36 dias após o início dos óbitos, as mortes no país iniciavam a trajetória descendente).

Estudos mostram que quarentena forte é suficiente para diminuir drasticamente a propagação do coronavírus, mesmo em curto período de tempo. Mas esses trabalhos, como dos físicos da Unicamp Vitor Marquioni e Marcus Aguiar, também apontam que a medida é de difícil implementação.

Dos cinco países que tiveram queda no fluxo de pessoas semelhante ao do Brasil, um é o México, que também não conseguiu diminuir o número de novas mortes (o presidente Andrés Manuel López Obrador se mostrou contrário à quarentena forte).

Os outros quatro países são EUA, Canadá, Alemanha e Bélgica. Segundo levantamento da Universidade de Oxford, no Reino Unido, os três primeiros têm política de testes mais agressiva que a do Brasil, que restringe a testagem a casos graves e a profissionais de saúde e segurança, além de testes com pedido médico em laboratórios particulares. Eles incluem, por exemplo, testes por drive-thru para o grande público, mesmo para assintomáticos.

Os testes em massa permitem às autoridades identificarem locais específicos com problemas, o que possibilita tomar medidas localizadas de contenção. Esse também é um dos fatores recomendados pela Organização Mundial da Saúde para a definição dos países que podem começar a relaxar o isolamento social.

Nessa categorização da universidade britânica, Brasil e Bélgica são enquadrados na categoria “testes para sintomáticos”.

O levantamento da Folha, que utiliza dados compilados da Universidade Johns Hopkins (EUA), analisou também amostra mais ampla de países (61).

Apenas 15 estão na situação do Brasil, de aceleração do número de mortes junto com retomada de mobilidade. A maioria é de nações em desenvolvimento, como Índia, Rússia e Indonésia. Nenhuma delas tem, por ora, o número de mortes do Brasil, que já superou, na quinta (4), a marca de uma morte por minuto por causa do novo coronavírus.

Está nesse grupo a Suécia, cuja política de enfrentamento à Covid-19 foi elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O país escandinavo não foi agressivo no isolamento social, por entender que a melhor estratégia era deixar a população ter um grau controlado de contaminação, até que o vírus não conseguisse mais se espalhar rapidamente.

Autoridades suecas, porém, já admitem que poderiam ter adotado melhor estratégia para a pandemia.

Folhapress

Foto: REUTERS via BBC