O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) adotou um discurso ambíguo para não romper de vez com o STF (Supremo Tribunal Federal) e, ao mesmo tempo, deixar evidente sua insatisfação com episódios em que considera que a corte extrapolou seus limites de atuação.
Com uma série de pendências nas mãos da Justiça, o governo, internamente, tenta contemporizar sua irritação com os magistrados.
Porém, ele também se vê na obrigação de acenar para sua base ideológica e quer pontuar que não é possível apagar o passado e ignorar episódios em que, na avaliação de Bolsonaro e assessores, o Judiciário passou dos limites.
De parte do Judiciário, os discursos de Bolsonaro e seus aliados, ora pela harmonia entre os Poderes, ora críticos ao STF, são lidos com desconfiança e irritam ministros do STF. Eles reclamam da postura dúbia adotada pelo presidente e seus auxiliares.
Na semana passada, o próprio presidente da corte, Dias Toffoli, em live organizada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), pediu uma trégua entre os Poderes. Ele disse, em afirmação destinada “diretamente e em especial” ao chefe do Executivo, que “não é mais possível atitudes dúbias”.
Nesta segunda-feira (15), após o STF ter sido alvo de ataques de manifestantes que lançaram fogos de artifício contra a sede da corte, no sábado (13), Bolsonaro pediu à sua equipe que evite criticar publicamente o tribunal para não intensificar o tensionamento.
Ministros do Supremo cobram de Bolsonaro a demissão de Abraham Weintraub (Educação), que já se referiu aos integrantes do STF como “vagabundos”. Para eles, demiti-lo seria o gesto mais enfático do presidente no sentido de harmonizar a relação entre Executivo e Judiciário.
Em entrevista à Bandnews nesta segunda, Bolsonaro disse que o fato de Weintraub ter comparecido à manifestação pró-governo no domingo (14) não foi “prudente” e que o caso “é um problema que estamos tentando solucionar com o senhor Abraham Weintraub”.
Sem que isso ocorra, a tendência, avaliam aliados do governo e ministros do STF, é que a relação entre Judiciário e Executivo siga entre altos e baixos.
A base mais fiel a Bolsonaro, principalmente a que é ligada ao escritor Olavo de Carvalho, critica decisões da corte e sempre cobra que o presidente se posicione em relação ao tribunal.
Governistas citam como exemplos decisões do tribunal como a suspensão da indicação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, as buscas realizadas nas casas de apoiadores do presidente no âmbito do inquérito das fake news e a divulgação da íntegra da reunião ministerial de 22 de abril.
O Palácio do Planalto escalou dois ministros de formação jurídica, Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e André Mendonça (Justiça), para comentar decisões do STF e se opor a elas quando necessário.
Com isso, o governo tenta mostrar que há uma unidade de pensamento e evitar que Bolsonaro fique marcado como inimigo do Supremo.
“Aquilo extrapolou, não tinha nexo algum com o objeto do inquérito”, disse o ministro Jorge Oliveira, em entrevista à CNN Brasil, sobre a divulgação da reunião de Bolsonaro com ministros. Apenas os trechos que citam outros países foram preservados.
Auxiliares de Bolsonaro dizem que o nível de tensão no governo está elevadíssimo, mas que, ao mesmo tempo em que registram essa indignação, ministros fazem um discurso de viés mais construtivo quando falam com os integrantes do STF.
O governo teme o avanço de ações que pedem a cassação da chapa de Bolsonaro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e também o inquérito que investiga disparos de fake news contra integrantes do Supremo, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Por isso, sempre que ocorre um episódio que pode tensionar a relação entre Judiciário e Executivo, os bombeiros entram em ação.
No domingo, Mendonça e outros integrantes do governo buscaram ministros do Supremo para minimizar a participação de Weintraub no protesto e evitar que a manifestação de apoiadores do presidente no dia anterior respingasse na relação entre os Poderes.
Nas conversas, ministros da corte fizeram chegar ao governo profunda insatisfação com o silêncio de Bolsonaro diante do ataque ao Supremo.
Logo após as conversas, Mendonça publicou uma nota em que critica ataques aos Poderes e, ao mesmo tempo, diz que é preciso “respeitar a vontade das urnas e o voto popular”.
“A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo”, disse Mendonça.
“A democracia pressupõe o respeito às suas instituições democráticas. Qualquer ação relacionada à Presidência da República, ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal ou qualquer instituição de Estado deve pautar-se por esse respeito”, afirmou.
A nota de Mendonça não foi bem recebida no STF. Ministros disseram que, além de ter ficado ambígua, a mensagem entoou a versão de bolsonaristas radicais.
O trecho sobre a necessidade de “as instituições” respeitarem o povo foi lido como recado a integrantes do tribunal que criticam protestos com cunho autoritário. Um ministro do STF reclama, por exemplo, que Mendonça generalizou e chamou de povo os manifestantes pró-Bolsonaro que atacam instituições.
Na avaliação dos magistrados, pressupor que esse comportamento traduz o pensamento da maioria da população é comprar demais o discurso de Bolsonaro. Até então, Mendonça era visto como um interlocutor moderado do governo.
Folhapress