O mercado de games se destaca como um dos poucos setores que tem conquistado bons resultados durante a pandemia. O total gasto em jogos digitais em abril atingiu o recorde de US$ 10,5 bilhões (mais de R$ 56 bilhões), segundo a Superdata, consultoria do grupo Nielsen.
Na comparação anual, o maior crescimento foi registrado entre os games para console (42%), seguido por celular (14%) e PC (12%).
“Tem mais gente começando a jogar, mais pessoas jogando juntas e por mais tempo”, diz Julio Vieitez, presidente da distribuidora de games Level Up no Brasil. Ele estima que houve na quarentena um aumento de 30% a 50% na receita, dependendo do título.
Para as desenvolvedoras de jogos brasileiras, o cenário favorável é potencializado pela desvalorização do real. Como boa parte dos ganhos do setor chega em dólar, quanto mais alto o valor da moeda, mais elas ganham na conversão.
Mark Venturelli, presidente do estúdio Rogue Snail, conta que fechou um contrato de distribuição de um dos seus jogos com uma empresa chinesa no final de 2018, quando o dólar estava abaixo de R$ 4.
“Agora está na casa dos R$ 5,20. Recebemos recentemente esses dólares, e isso foi muito bom pra gente”, diz.
O estúdio Sunland também está animado com o câmbio. No próximo mês, a empresa vai colocar no mercado o Addle Earth, jogo com conteúdo de ficção científica no qual trabalhou nos últimos três anos.
“Temos boa expectativa porque vamos lançá-lo neste período com as pessoas em casa”, diz Renato Viana, presidente do estúdio.
A estimativa é que sejam vendidas de 20 mil a 30 mil cópias do jogo num período de oito meses a um ano, sendo 70% nos Estados Unidos.
Para bancar a produção, com custo previsto de R$ 350 mil, Viana contou com financiamento externo e dinheiro próprio, conciliando o desenvolvimento do Addle Earth com a criação jogos por encomenda para outras empresas.
A atuação em diversas frentes é comum entre os negócios do ramo, diz Luiz Sakuda, sócio da consultoria Homo Ludens, organizadora do censo mais recente sobre a indústria de games brasileira, de 2018.
Segundo o estudo, metade das empresas declara que sua principal fonte de receita não é o desenvolvimento de jogos, mas atividades como criação de software, conteúdo digital e serviços educacionais.
Essas atividades também devem ser positivamente afetadas pela pandemia, sobretudo a criação de jogos educacionais e corporativos.
O cenário atual mostrou que a função dos jogos vai além de ser um entretenimento rápido e reduziu a resistência das pessoas a pagar pelo seu consumo, diz Luiza Guerreiro, presidente da Explot.
O principal projeto da empresa é o aplicativo Truth and Tales, que reúne contos interativos voltados para o desenvolvimento cognitivo infantil.
A meta é que a ferramenta, lançada há um mês nos EUA e que custa US$ 10,99 (R$ 59) o livro, chegue a 10 mil downloads mensais –também está disponível em português.
Apesar do crescimento durante a pandemia, o setor também sofreu efeitos negativos. Um dos principais é a suspensão dos eventos presenciais, como o BIG Festival, o maior da América Latina, que neste ano será realizado virtualmente entre 22 e 26 de junho.
Os encontros são importantes para conectar empresas iniciantes com potenciais investidores e distribuidores. Foi no BIG que Fábio Rosa teve seu game premiado e conheceu uma aceleradora que levou sua empresa, a Coffeenauts, para eventos internacionais.
Em maio, a companhia anunciou uma parceria com a publicadora americana Skystone Games para lançar o Spaceline Crew, jogo que se passa em uma nave espacial. A previsão é que o produto seja comercializado até o primeiro trimestre do ano que vem.
A dúvida agora é se o boom visto no mercado vai se sustentar com o fim da quarentena. “Não está claro se a depressão econômica vai afetar também o entretenimento. É difícil saber se o consumo de jogos será perene”, diz Sandro Manfredini, presidente da Abragames (associação brasileira do setor).
Para Guilherme Camargo, do Sioux Group, responsável pela Pesquisa Game Brasil 2020, o brasileiro está cada vez mais usando os games.
“A pandemia pode ter acelerado a evolução, provocando um pico. No final do ano, veremos como a área se comportará”, afirma.
Folhapress