Eleição na pandemia joga luz sobre campanha na internet, horário de TV e discurso certo

O ineditismo de uma campanha eleitoral sob uma pandemia exigirá adaptações de candidatos e eleitores, que vão protagonizar um pleito municipal marcado por muitas incertezas, além das já habituais. O cenário atípico pode ter impacto desde a fase de propagandas até os resultados.

A indefinição começava pela data do pleito, mas o Congresso acabou aprovando a mudança para os dias 15 e 29 de novembro (respectivamente, primeiro e segundo turno), em vez de 4 e 25 de outubro.

Mesmo antes da postergação, já se sabia que as medidas de distanciamento social necessárias para prevenir o contágio do novo coronavírus afetarão um processo que é essencialmente presencial —e pressupõe aglomeração, ato de rua, contato físico, aperto de mão.

Para especialistas ouvidos pela Folha, a consequência imediata será a migração da campanha para o ambiente digital, que terá uma relevância ainda maior do que se previa. Nesse contexto, a difusão de fake news e a disparidade de recursos entre candidatos adquirem nova proporção.

“As estratégias virtuais serão muito importantes para muitos comitês, mas é preciso lembrar que boas estratégias são construídas com um mínimo de tempo e um máximo de recurso”, diz o cientista político Humberto Dantas, ligado ao think tank CLP – Liderança Pública.

Embora a campanha via redes sociais seja vista como mais efetiva em grandes centros, sua importância não deve ser descartada em cidades menores, segundo Dantas. Ele acredita que o boca a boca pode levar um candidato a ser conhecido até por eleitores sem tanta relação com a internet.

Se não houvesse a pandemia, a fase atual seria a de pré-campanha, período que os futuros candidatos a vereador e prefeito aproveitam para promover encontros com futuros apoiadores e voluntários, participam de eventos para se tornarem mais conhecidos e estreitam a relação com suas bases.

Como várias dessas atividades têm sido impossibilitadas pelo vírus ou passaram a ser feitas pela internet, o período de campanha oficial será decisivo.

Para analistas, o horário eleitoral obrigatório de TV e rádio tende a ganhar protagonismo, já que será a oportunidade de muitos postulantes se apresentarem aos eleitores. Um dos assuntos em discussão na Câmara é a extensão do bloco de anúncios, ideia defendida por Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O presidente da Casa diz que seria uma forma de tentar equalizar as condições de disputa.

“Talvez a gente consiga ressignificar nos grandes centros o sentido que a TV parece não ter tido nas eleições de 2018, fortemente influenciadas pelas redes sociais”, diz Dantas. “Agora, é possível que o horário eleitoral gratuito volte a fazer parte da vida do eleitor.”

Outra hipótese que tem sido mencionada é a de que os candidatos à reeleição, que naturalmente largam na frente por fatores como conhecimento pelos cidadãos e facilidade para estruturar a campanha, criem uma sombra ainda maior sobre os inexperientes, que não têm os mesmos benefícios.

O lobby de prefeitos que tentam renovar o mandato foi um dos entraves nas discussões sobre o adiamento. Parte deles era contra a mudança na data por acreditar que a postergação diminuiria as chances deles nas urnas, já que os deixaria mais expostos a desgastes.

Organização privada que capacita novatos interessados em concorrer a cargos, o RenovaBR buscou alternativas para tentar manter o ânimo dos 1.400 alunos que participam de suas aulas, focadas na eleição municipal. A escola defende que, com a crise, o eleitor buscará os candidatos mais preparados.

“Isso [pandemia] fez com que nosso esforço de formação continuada ganhasse peso. Consigo entender que o eleitor demonstre frustração, mas é nosso papel num momento como este lembrar a importância da política”, diz o empresário Eduardo Mufarej, idealizador do projeto.

De acordo com ele, “o déficit de liderança e a falta de competência” vistos nos últimos meses serão levados em conta pelo eleitor na hora da decisão.

O adiamento é visto como positivo por outras organizações que apoiam a entrada de novos nomes na política e querem combater a desigualdade de condições no pleito.

Uma das fundadoras da Im.pulsa, recém-lançada plataforma de capacitação política para mulheres, a socióloga e cientista política Karin Vervuurt diz que a preparação para as eleições “não está cabendo” na rotina dura que a pandemia impôs a muitas aspirantes a cargos.

Karin alerta para injustiças que podem se agravar com as especificidades da próxima campanha. “Se o ambiente virtual for predominante, figuras conhecidas e com mais recursos para impulsionamento de conteúdo largam na frente”, exemplifica. “Como ficam tantas mulheres negras, periféricas?”

Na opinião do advogado especializado em direito eleitoral Amilton Augusto, outro desafio que o pleito vai delegar aos candidatos será a necessidade de convencer os eleitores a irem às urnas. “Além de buscar o voto, os políticos terão que conscientizar os cidadãos da importância do ato de votar”, afirma.

A chance de aumento nas taxas de abstenção também tem sido considerada nos debates em Brasília. Pessoas com mais de 70 anos, que já não eram obrigadas a votar, podem desistir de ir à seção eleitoral, já que quem passou dos 60 compõe o grupo mais vulnerável à Covid-19.

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, disse que o órgão estuda flexibilizar as punições para quem se ausentar do pleito e incluir o medo do vírus como uma das justificativas aceitáveis para não comparecer.

Para além das questões práticas, estará em jogo algo mais sofisticado: o tipo de discurso que fisgará o eleitor. Estrategistas dizem que a mensagem capaz de cativar o voto dependerá da percepção que recairá, quando a campanha começar para valer, sobre os atuais gestores e políticos em geral.

“As estratégias tiveram e terão que mudar. Prefeitos que estavam apagados se mostraram bons líderes, e outros que vinham fazendo gestões elogiadas se atrapalharam na condução da pandemia”, diz Dantas.

Em um momento que ainda é de projeções, o que se sabe com alguma certeza é que os candidatos terão que captar o sentimento da população e responder às demandas mais urgentes.

Plataformas de campanha que soarem extemporâneas, insensíveis ao momento ou despropositadas correm risco de fracasso. “Possivelmente, a pauta da saúde deve arrefecer até o período eleitoral e as questões econômicas vão se fortalecer, em virtude da piora da crise”, calcula o cientista político.

Para Mufarej, um entusiasta da oxigenação nos cargos eletivos, “o lado bom é que há uma rejeição a muitos dos atuais prefeitos, então se abre uma oportunidade para a renovação ou para a saída de famílias que estão há muito tempo no poder”.

“Não tem eleitor que vai estar feliz até lá [data das eleições]. Ele pode estar revoltado ou desalentado. E o candidato terá que mostrar preparo e capacidade de enfrentar os problemas”, afirma o porta-voz do RenovaBR.

DATAS DA VOTAÇÃO
Primeiro turno
Votação ocorre em 15 de novembro.

Segundo turno
Ocorre em 29 de novembro. Nas eleições municipais, como é o caso deste ano, o segundo turno é previsto apenas para a escolha de prefeitos e somente em municípios com mais de 200 mil eleitores e nos casos em que nenhum dos candidatos obteve mais da metade dos votos no primeiro turno.

Eleições em municípios mais afetados pela pandemia
Pleitos em localidades mais afetadas pela pandemia de Covid-19 podem ter outras datas de votação, conforme prevê a proposta aprovada. Nesses casos, será preciso ouvir autoridade sanitária nacional. Ainda assim, mesmo em casos mais graves, a data limite para realização da votação não passa do ano de 2020, devendo ocorrer até 27 de dezembro deste ano.

PRAZOS PARA PARTIDOS E CANDIDATOS
Desincompatibilização
Os prazos de desincompatibilização se referem às datas em que possíveis candidatos devem se afastar de determinado cargo ou função que ocupem. A depender do cargo, os prazos variam.

O advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Stella exemplifica: no caso de funcionário público comissionado, como assessores parlamentares, o afastamento do cargo deve ocorrer com três meses de antecedência da data da votação. Esse prazo, que portanto se encerraria em julho, fica prorrogado com o adiamento das eleições.

Por outro lado, prazos de desincompatibilização que já se encerraram antes da aprovação da proposta ficam mantidos. A única exceção prevista na PEC é para a transmissão de programas com pré-candidatos por emissoras de televisão e rádio. Originalmente vedada a partir de 30 de junho, a nova data estabelecida na proposta é 11 de agosto.

Convenções partidárias
A escolha dos candidatos pelas siglas ocorre de 31 de agosto a 16 de setembro.

Registro dos candidatos
26 de setembro é o prazo para os partidos e coligações solicitarem à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos.

Propaganda eleitoral
A propaganda eleitoral passa para o período de 27 de setembro a 12 de novembro. A de rádio e TV deve começar 35 dias antes da antevéspera da eleição.

Prestações de contas
Candidatos e o próprio comitê devem entregar as prestações de contas à Justiça até 15 de dezembro.

TÍTULO DE ELEITOR
Com o adiamento das eleições, haverá nova abertura de prazo para regularização de título de eleitor?
Isso não deve acontecer. O texto aprovado prevê que os prazos do calendário eleitoral que já foram ultrapassados e que têm como referência a data da eleição não devem sofrer alterações.

Este é o caso do prazo para regularização do título de eleitor, que se encerrou em 6 de maio e inclui a emissão, transferência e alteração do título.

Isso acontece porque a legislação eleitoral determina que não pode haver alterações na base de dados dos eleitores seis meses antes da data das eleições.

Os eleitores ainda terão a possibilidade de alterar o local de votação?
Não, pois o prazo para alterar o local de votação também se encerrou em 6 de maio.

OBRIGATORIEDADE DO VOTO
O eleitor pode deixar de votar caso não se sinta confortável a se deslocar por questões sanitárias?
Quanto a este ponto, o TSE afirmou ainda não ter um posicionamento formado. Em regra, aqueles que são obrigados a votar e não comparecem à urna devem justificar seu voto dentro do prazo definido em lei.

Qual será o prazo para quem não votou justificar o voto? A justificativa será presencial?
A justificativa do eleitor que não votou deve ser apresentada no prazo de até 60 dias após a eleição. Esse prazo deve ser contado a partir da data da realização de cada turno.

De acordo com a assessoria de comunicação do TSE, o tribunal estuda formas de permitir que o eleitor possa justificar o voto remotamente. Nas eleições de 2018, a opção de justificativa online já era possível. Segundo o TSE, “a ideia é aprimorar o sistema para permitir a justificativa em virtude da pandemia”.

O advogado Ricardo Stella afirma que, com a pandemia e a possibilidade de justificar o voto online, é possível que as eleições deste ano tenham um alto número de abstenção.

BIOMETRIA
A biometria será utilizada nas eleições de 2020?
Ainda não está definido. Segundo o TSE, recomendações médicas e técnicas estão sendo ouvidas para determinar o formato mais seguro para eleitores e mesários.

Caso não seja utilizada a biometria nas eleições de 2020, isso altera em algo a situação de eleitores que tenham tido seu título de eleitor cancelado por não terem cadastrado a biometria?
Mesmo que não seja utilizada a biometria nessas eleições, os cancelamentos de títulos de eleitor que ocorreram por desrespeito ao cadastro obrigatório da biometria continuam valendo.

A exceção são os estados que tiveram cadastro obrigatório em 2019 —nesses casos, o cancelamento dos títulos foi suspenso temporariamente.

Quem não compareceu ao cadastramento de biometria obrigatório em 2019 poderá votar?
Sim. Em abril deste ano o TSE suspendeu o cancelamento dos títulos de eleitor nos municípios em que o cadastramento biométrico foi obrigatório em 2019. Contudo, após as eleições de 2020, esses eleitores deverão procurar o cartório eleitoral para regularizar sua situação, pois o título estará cancelado novamente.

Folhapress