Só depois de fazer a convenção que definiu seus candidatos à eleição municipal deste ano, o PSOL de Itaperuna (RJ) percebeu que pretendia lançar um percentual maior de mulheres à Câmara Municipal do que o permitido pela legislação eleitoral.
Seriam quatro candidatos pela legenda e um só deles era homem. A proporção de gênero, de 75% contra 25%, vai em um caminho contrário à regra que obriga os partidos a indicarem no mínimo 30% de candidaturas masculinas ou femininas para cargos no Legislatfivo (com exceção do Senado).
Muitas vezes chamada de “cota feminina”, a reserva no percentual de candidaturas e de recursos do fundo eleitoral é, na verdade, de no mínimo de 30% e no máximo de 70% “para candidaturas de cada sexo”.
A confusão acontece porque um partido lançar mais mulheres do que homens ainda é raro na política brasileira, dominada por caciques e candidatos homens. Na eleição de 2020 há casos pontuais de predominância de indicações femininas, como no exemplo de Itaperuna. Tanto que o partido teve que localizar homens dispostos a se candidatarem.
“A gente submeteu a ata da convenção partidária e depois fomos procurados pela Justiça, que nos informou que a nossa porcentagem era de 75% de mulheres”, diz Saulo Azevedo, candidato a prefeito e presidente do PSOL na cidade fluminense.
“Acabamos acrescentando dois homens, e ficou 50% a 50%”, diz ele, ressaltando que ainda assim a participação feminina é maior, porque uma das candidaturas do partido à Câmara de Itaperuna é coletiva, formada por quatro mulheres.
“A gente até brincou que era o único diretório do país que precisou criar cota para homem”, diz Saulo.
Mas não foi. No município de São Luís de Montes Belos (GO), o PTB teve o mesmo problema. Na cidade de 34 mil habitantes, a ex-prefeita e atual candidata Mércia Tatico teve que buscar homens que saíssem candidatos pela sua chapa.
“Mércia é uma figura feminina bem forte. Quando ela começou a fazer as tratativas iniciais de procurar quem ia apoiá-la nas proporcionais, como candidato a vereador, só tinha mulheres”, diz a advogada Marina Morais, que representa a legenda no município.
“Depois disso, ela teve que sair fazendo reuniões e visitas e afins para conseguir arrumar homens.”
Ainda assim, até o dia da convenção a porcentagem de indicados ultrapassava os 70% de mulheres. O partido teve que procurar mais homens filiados que estivessem interessados em concorrer antes de encerrar a convenção e de enviar ata à Justiça Eleitoral.
A proporção acabou sendo de cinco candidaturas femininas e três masculinas —mesma quantia de outros partidos que também irão disputar as eleições ao Legislativo com mais mulheres do que homens em cidades de Goiás, como o PDT de Estrela do Norte e o PSD de Alto Horizonte.
No Rio Grande do Sul, a Rede Sustentabilidade de Canoas também terá um percentual de candidatas a vereadoras que fica no limite da cota de gêneros.
São 26 candidatos no total, sendo que oito desses são homens: o que corresponde a 30,7% dos concorrentes pela legenda no município gaúcho.
A ideia já era proposta pelo partido desde o primeiro semestre. Em maio, a vice-prefeita de Canoas, Gisele Uequed, dizia em nota no site da Rede que a medida foi tomada porque partidos tradicionalmente “não cumprem a cota mínima porque não têm interesse de dar igualdade de disputa às mulheres”.
Apesar dessas situações de exceção, a realidade do restante do país é bem diferente para candidatas mulheres.
Nas eleições de 2018, diversos partidos tiveram problemas na Justiça por terem destinado oficialmente recursos a candidaturas femininas que eram usados, na prática, em prol de candidatos homens.
Esse é o caso do laranjal do PSL, que resultou em denúncia do Ministério Público de Minas Gerais contra o ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo).
Em São Paulo, também houve ações contra partidos como o Podemos e o Solidariedade por terem lançado candidaturas femininas não competitivas, apenas para preencher a cota de gênero.
Segundo a advogada Gabriela Rollemberg, vice-coordenadora da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), “ainda há uma resistência dos partidos políticos em dar espaço real para as mulheres”.
“Há uma disputa de poder por espaço. A gente percebe isso dentro das relações intrapartidárias. Eu ouvi de vereadoras que são muito competitivas, que já têm mandato, que os partidos não queriam lançar elas dentro das suas legenda para não querer ‘perder’ uma vaga [que poderia ser de um homem]”, completa.
Além de cota financeira e de vagas no lançamento de candidaturas, o TSE definiu que a reserva de 30% incida sobre órgãos partidários, como comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais.
Gabriela é defensora da medida. “Quem define aonde vão os recursos são os dirigentes. Se a gente tiver mulheres no corpo dirigente dos partidos, com certeza muda muito a forma de distribuição dos recursos”, afirma.
Nas eleições municipais deste ano, os partidos devem registrar os candidatos até a sexta-feira (26). O primeiro turno acontecerá no dia 15 de novembro e o segundo no dia 29.
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