Com a expectativa de recuperação da economia interna e juros historicamente baixos, os analistas acreditam num reaquecimento da demanda por imóveis, especialmente os de média e alta rendas
A perspectiva de que a economia brasileira irá reencontrar o caminho do crescimento é o principal motor de propulsão para o otimismo do mercado financeiro com as ações de construtoras e incorporadoras.
Como parte das empresas que vão bem quando a economia doméstica prospera, essas empresas já vêm dando sinais de que estão se preparando para um aumento da demanda por imóveis na esteira do (esperado) aumento do PIB (Produto Interno Bruto).
Segundo dados da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), os lançamentos imobiliários somaram 16.298 unidades em junho de 2019, no segundo maior volume mensal lançado da série histórica.
No primeiro semestre, foram 45.085 unidades lançadas, volume 10,1% acima do registrado no mesmo período de 2018. A maior parte dos lançamentos residenciais (76%) e das vendas residenciais (70,3%) realizadas nos últimos 12 meses ainda corresponde a unidades do Programa Minha Casa Minha Vida.
Os empreendimentos residenciais de médio e alto padrão foram responsáveis por 24% das unidades lançadas e 29,7% dos imóveis vendidos em 12 meses até junho.
“Daqui para o fim do ano ainda vai continuar nesse ritmo forte de lançamento e vendas”, afirma Raul Grego, analista da Eleven Financial.
Captando
Para suprir essa demanda, algumas dessas empresas já estão em busca de mais dinheiro para seus empreendimentos.
A EZTec informou, em 12 de setembro, que fará uma oferta pública de 20 milhões de ações ordinárias, com possibilidade de oferta adicional de até 35% – ou mais 7 milhões de ações. Dia 26 começam as negociações das ações ofertadas na B3, com data de liquidação no dia seguinte.
A companhia pretende usar os recursos obtidos com a oferta para a aquisição de terrenos para novas incorporações e participação em novos projetos.
A Even também está contratando um sindicato e bancos para fazer uma oferta subsequente de ações (follow-on), conforme duas fontes ouvidas pelo Valor Econômico. A empresa quer aumentar a liquidez de seus papéis e também levantar capital para um potencial ciclo de crescimento. Procurada, a Even nega a informação.
A Trisul fez uma oferta pública de 40,5 milhões de novas ações ordinárias, com liquidação prevista para hoje (17), e a Helbor contratou o Bradesco BBI, o BTG Pactual e o Itaú BBA para atuarem como coordenadores de uma potencial oferta. No entanto, a empresa informou que a efetiva realização dependerá das condições do mercado nacional e internacional.
“Esse movimento das empresas voltando a fazer captações de recursos é uma indicação de que tem tido crescimento muito forte de demanda com as novas taxas de juros, que reduzem o financiamento”, diz Edigimar Maximiliano, diretor da Safra Corretora.
O PIB do segundo trimestre evidencia esse novo ciclo positivo para o setor. A construção civil cresceu 2% na comparação com o segundo trimestre de 2018, no primeiro resultado positivo do segmento após 20 trimestres seguidos no vermelho – na comparação anual.
As empresas devem reportar aceleração nos lançamentos de imóveis nos balanços do último trimestre deste ano, conforme já é de praxe no setor, e o ritmo tende a continuar forte nos próximos trimestres.
“Estamos entrando em um ciclo que vai permitir ir super bem nos próximos três a quatro anos“, diz Enrico Trotta, analista de Real State do Itaú Unibanco.
Ações já surfam novo ciclo
As ações do setor imobiliário já antecipam o ciclo de crescimento das companhias e o Imob (Índice Imobiliário) da bolsa brasileira acumula ganhos de 27,51% neste ano até ontem (16) contra uma alta de 17,97% do Índice Bovespa.
“O investidor que acompanha essa ações percebe que todas elas já valorizaram muito. Mas acredito que estamos no início de um novo ciclo econômico e imobiliário e esses papéis podem ter mais uma ‘pernada’ de valorização“, diz Raul Grego, da Eleven.
Favoritas
O ciclo econômico tende a beneficiar todo o setor de construção e incorporação, mas algumas empresas estão melhor posicionadas para captar os potenciais ganhos.
Trotta, do Itaú, tem preferência pelas ações da Cyrela no segmento de média renda. “Tecnisa é uma empresa que estava com muito problema e tínhamos visão conservadora, mas depois da capitalização ela tem tudo para ir bem“, diz.
Para Raul Grego, da Eleven, as ações que devem mostrar melhor desempenho no setor são da Even e da Cyrela, companhias focadas em imóveis de média e alta renda.
“Elas já esticaram [subiram] bastante. Como elas anunciaram novo aporte de capital, pode melhorar o cenário para elas e isso traz potencial de valorização”, explica Grego.
Já a Tecnisa, o analista da Eleven considera que a empresa está muito alavancada e com perspectivas menos otimistas para vendas de empreendimentos de padrão mais elevado. “A Helbor é uma empresa boa, mas que já subiu demais”, acrescenta.
A EzTec é a preferida de Edigimar Maximiliano, diretor da Safra Corretora, por se tratar de “uma empresa de excelência“, segundo ele. Even e Trisul também são boas opções para o investidor por estarem bem estruturadas e prontas para realizar lançamentos, explica Maximiliano.
Por que tanto otimismo?
Além da expectativa de crescimento econômico, as projeções de manutenção da taxa básica de juros em patamares historicamente baixos ajudam a dar consistência para o otimismo dos analistas ouvidos pelo Valor Investe.
Segundo os dados do Boletim Focus desta semana, que traz as expectativas de instituições financeiras, a projeção para a Selic ao fim de 2019 é de 5%, nível que deve ser mantido até o final de 2020. A Selic é a taxa básica de juros do país e os bancos tomam por base esse patamar para calcular os juros cobrados nos financiamentos.
Mas de que adianta juros de financiamentos mais baixos se não houver emprego e renda? Os analistas consultados pelo Valor Investe estimam que a taxa de desemprego deve cair, aos poucos, com a retomada da economia, o que ajudará na renda das famílias.
“Não será de uma hora para outra, será gradual e deve acontecer do meio de 2020 para frente”, avalia Raul Grego.
Quanto ao espaço na renda para incluir o financiamento de um imóvel no orçamento, a melhora da economia deve dar maior segurança aos consumidores para assumir um financiamento de longo prazo.
A confiança do consumidor já dá sinais de melhora e em agosto alcançou 89,2 pontos, no maior nível desde abril de 2019. Entre os itens que compõem o índice de confiança do consumidor medido pela FGV (Fundação Getulio Vargas), o indicador que mede o otimismo das famílias com a situação financeira nos próximos meses foi o que mais contribuiu para o aumento da confiança em agosto. Veja:
“O sinal de confiança do consumidor já recuperou bem. As famílias que não perderam o emprego voltam a ter apetite por imóveis“, diz Enrico Trotta, analista de Real State do Itaú Unibanco.
O índice de confiança da construção civil, também medido pela FGV, segue o movimento otimista e teve em agosto a terceira alta consecutiva e alcançou seu maior patamar desde dezembro de 2014. Confira:
O apetite dos bancos para emprestar também está em alta. Em julho, foram R$ 8,696 bilhões em financiamentos imobiliários para pessoas físicas dando continuidade ao movimento de alta iniciado em janeiro de 2019. Veja:
Os bancos emprestam e as pessoas estão pagando. Dados do Banco Central mostram que a inadimplência em financiamentos de imóveis está estruturalmente baixa. Confira:
“O cenário colocado é de que tenha uma guinada consistente nos lançamentos“, avalia Raul Grego, da Eleven, com base nos dados da economia brasileira.
Melhor para média e alta renda
A demanda por imóveis de média e alta renda voltou a aquecer no fim do ano passado e a tendência é de que o mercado fique ainda mais promissor nos próximos meses com a (esperada) recuperação da economia.
“A taxa de financiamento para esse segmento vem caindo e os bancos têm apetite para esse crédito porque tem uma relação de risco-retorno muito bom para as instituições”, afirma Enrico Trotta, analista do Itaú Unibanco.
Na camada da população com renda mais alta também é mais comum que a compra seja de um segundo imóvel, permitindo dar o primeiro como garantia de financiamento, o que reduz os riscos do bancos e, com isso, os juros cobrados.
“Na média e alta é necessária confiança do consumidor mais alta e taxa de desemprego mais baixa para poder arriscar mais, para ter comprador”, diz Raul Grego.
São Paulo é a estrela
O ciclo de retomada do segmento imobiliário é puxado pelo mercado paulistano, que tem mostrado velocidade de vendas similar ao período pré-crise, o que tem deixado investidores otimistas, conta Maximiliano, da Safra.
Trotta, do Itaú, explica que os lançamentos ainda se concentram nos bairros mais nobres, mas o reaquecimento do mercado deve chegar a cidades da região metropolitana, como Osasco e Guarulhos.
“São Paulo já entrou no ciclo positivo. Rio de Janeiro ainda está muito incerto como eles vão investir e o tipo de produto que vai ser lançado lá. O foco de todas as construtoras é São Paulo, que tem demanda”, afirma Raul Grego.
O Rio Grande do Sul também já dá sinais de retomada nos lançamentos, com empreendimentos da Even, mas as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste devem levar de dois a três anos para mostrar recuperação.
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Minha Casa Minha Vida resiste
Durante a recessão do país – de 2014 a 2016 – as construtoras e incorporadoras que atuam no mercado que atende empreendimentos relacionados ao Programa Minha Casa Minha Vida sofreram menos do que aquelas focadas na média e alta renda.
Isto porque o déficit habitacional é ainda maior nas camadas de renda mais baixas, ou seja, a demanda é constante e ainda há subsídio governamental.
“A demanda ficou estável mesmo durante a crise, sustentada pelo ‘funding’, que não sofreu alterações, que é o Minha Casa Minha Vida. A demanda da baixa renda sempre foi e vai continuar sendo estruturalmente muito forte”, explica Enrico Trotta.
A expectativa de manutenção de demanda forte neste setor vem também da projeção de que 90% das novas famílias formadas no país, e que buscam por um lar, tem renda elegível ao programa, segundo Trotta.
Atuam nesse segmento a MRV, a Tenda e a Direcional, com dependência de quase 90% do governo. “Elas continuam lançando no Brasil inteiro“, diz Raul Grego.
Apesar da forte dependência dos recursos do governo federal, Grego explica que essas empresas conseguiriam resistir a eventuais cortes no Minha Casa Minha Vida, uma vez que concorrem com companhias menores e com qualidade construtiva inferior.
“Elas são mais sérias que algumas empresas aventureiras que fazem projetos regionais. Atuam no Brasil inteiro e têm preocupação com governança, qualidade, pós-venda, controle de obras e de custos”, explica Grego.
Embora continuem forte no mercado, Maximiliano, da Safra, avalia que a velocidade nas vendas das companhias que atendem o Minha Casa Minha Vida deve ficar mais fraca com o menor subsídio do FGTS. Ou seja, MRV, Direcional e Tenda devem apresentar estabilidade em suas operações.
Distratos
As novas regras para os distratos – aprovadas em novembro de 2018 – tendem a afastar o especulador dos compradores de imóveis para uso, o que também é positivo para as companhias do setor.
“A regra do distrato foi excelente porque definiu uma regra mais clara, embora não seja tão punitiva para o comprador”, diz Trotta.
Vale lembrar que essas empresas – com destaque para as que focam em média e alta renda – tiveram seus balanços impactados negativamente por distratos durante a recessão pela qual o país passou.
Mas tudo indica que esse cenário ficou para trás. As vendas líquidas de imóveis novos, ou seja, já descontados os distratos, cresceram 10,4%, no primeiro semestre de 2019, e 9,5%, nos últimos 12 meses, segundo dados da Abrainc.
A Associação explica que o aumento nas vendas líquidas está diretamente ligado às quedas nos distratos de 33,2% no primeiro seis meses de 2019 e de 27,3% nos últimos 12 meses.
“As perspectivas agora são mais confortáveis para as empresas porque há maior clareza nas regras”, diz Maximiliano, da Safra.
Patinho feio
O ponto fora da curva no otimismo com as construtoras e incorporadoras é a Gafisa, que enfrentou problemas em sua cúpula, com destaque para a gestão da GWI Asset Management, que pertence ao polêmico sul-coreano Mu Hak You.
A GWI assumiu o controle da Gafisa em setembro de 2018 e saiu do negócio em 14 de fevereiro deste ano. Nesse período, a companhia demitiu metade dos funcionários, incluindo CEO, diretores financeiro e comercial.
A nova administração – composta por advogados sem experiência no ramo de incorporação – desagradou os investidores e ainda deixou de pagar fornecedores. A ação derreteu e a empresa fez uma recompra de R$ 18 milhões em ações em janeiro para evitar uma desvalorização ainda maior do papel.
Só que a companhia já estava muito alavancada – e gastar R$ 18 milhões só piorou o quadro – e a menor quantidade de ações no mercado levantou preocupações de investidores sobre a liquidez da companhia. Também não evitou a perda de valor da ação, que acumula perdas de 61% neste ano.
Segundo reportagem publicada pelo Valor Econômico em agosto, a Gafisa pretende retomar lançamentos no fim deste ano ou no início de 2020. A incorporadora não fez lançamentos em 2019, mas segundo o presidente da empresa, Roberto Portella, há dois projetos em preparação para serem apresentados ao mercado.
Resta esperar. Diante do quadro complicado apresentado pela empresa até aqui, melhor ficar de fora.
Fonte: Valor Investe Globo