CORRE Coletivo Cênico estreia 10 de abril espetáculo teatral episódico PARA-ISO

Em 08 episódios singulares, a narrativa propõe uma reflexão sobre o modo como o HIV e o Covid tem atingido os corpos gays

Após meses de pesquisas e 24 dias de imersão criativa durante fevereiro e março de 2021, o CORRE Coletivo Cênico estreia virtualmente a partir do dia 10 de abril PARA-ISO, espetáculo teatral dividido em oito episódios disponíveis pelo youtube do CORRE (https://youtube.com/channel/UChxaYE9UEZTTlqaLVK3_7Hg), um por dia. A peça episódica remonta a trajetória de um homem gay que vem a óbito, a partir da visão de cinco personagens que têm suas vidas atravessadas por Ele. 

PARA-ISO propõe uma reflexão sobre o modo como o HIV/Aids e o COVID-19 têm atingido os corpos gays, numa tentativa de tecer uma correlação entre as epidemias que distam em 40 anos. Até 31 de março de 2021, já morreram em um ano mais pessoas de COVID-19 (317.936)* do que de HIV/Aids (281.156)** nessas quatro décadas.

Vividas por Anderson Danttas, Igor Nascimento, Luiz Antônio Sena Jr, Marcus Lobo e Rafael Brito – integrante do CORRE – as personagens Leka, Tito, Miguel, Rogério e Paul, respectivamente, se encontram na Casa PARA-ISO, em que Ele morava, na noite de seu velório. Ao passo que enxergam/visitam esse espaço, agora vazio e cheio de mensagens subliminares, transbordam as memórias. 

Ao trazer esse enredo e ao mirar para os estigmas criados em torno desses vírus que Ele positivou duplamente, a obra convida o público a ir além dos mesmos, assim como de suas respectivas sorologias e doenças, para pensar o Brasil e sua colonialidade cis, hétero e branco que atracou em terras baianas no século XVI.

Ao correlacionar as epidemias, o CORRE mira para os modos como ambas foram e são abordadas. Por exemplo: a ideia de grupo de risco como alvo para contágio e proliferação do vírus, no caso do HIV/AIDS a ideia atravessa os corpos gays vistos como propensos a positivarem para o vírus, numa ação perversa de culpabilização – “peste gay”, “câncer gay”; a prerrogativa do isolamento – fechamento de fronteiras, solidão dos corpos que padecem diante de um “diagnóstico”.

A dramaturgia escrita por Luiz Antônio Sena Jr., que também assume a direção, traz ainda o ideal da comunidade imune que acaba por escolher quem deve morrer em virtude da “imunidade”, gerando os corpos demunes – que não estão no padrão ideal, ou seja, que não se alinham a cis-hetero-branco-normatividade. A necropolítica. Outro recorte é a validação do vírus como espectro social que espelha as hierarquias com seus abismos sociais.

Tudo isso acaba vindo à baila na cena, no discurso das personagens que estilhaçam reflexões, conhecimentos e provocações acerca das sorologias e suas respectivas doenças, de modo até didático, por vezes. PARA-ISO é uma carta aberta, um manifesto, uma mensagem disparada para atingir diversos. São temas que atingem a tod_s sem distinções. 

“Nos baseamos nesses marcadores para entender o vírus social que afeta e mata muito mais. É importante mudar o foco do olhar, perceber os preconceitos estabelecidos e como podemos quebrá-los, usando as estratégias desse tempo, mas sempre se inspirando nas narrativas deixadas por aqueles e aquelas que vieram antes de nós”, reforça Marcus Lobo, co-diretor do espetáculo.

Quilombo

A Casa PARA-ISO, um espaço de arte, um casarão aquilombado. Nesse local, as cinco personagens se presentificam: Rogério (interpretado por Marcus Lobo) que é enfermeiro, artista plástico e que esteve no momento da passagem d’Ele; Paul (interpretado por Rafael Brito) é professor de literatura, ex-namorado e estava junto a Ele quando o diagnóstico da soropositividade lhe chegou há anos atrás e juntos viveram uma relação sorodiferente.

Leka (Anderson Danttas) é drag queen, massagista, faz de um tudo pra viver, amigo/a mais antigo/a dele, mora na casa PARA-ISO, mas em virtude do corre da vida estava ausente e não sabia da morte; Miguel (Luiz Antônio Sena Jr) é estudante de cinema, recém Yawô, soube da notícia do falecimento ao sair do terreiro ficando com um abraço suspenso no tempo; e, Tito (gor Nascimento), sobrinho d’Ele embora não tivesse contato, uma vez que a família os afastou para que Ele não lhe influenciasse com “sua bixisse”, é apaixonado por dança.

Por fim, Ele era um homem de teatro, que veio do interior para tentar a vida na capital e especialmente para fugir das repressões acerca de sua homossexualidade geradas pela família e pela cidade. Episódico, cada capítulo revela esta narrativa que tem a morte como gatilho para validação da vida, como portal para rompimento de silêncios e quebra de estigmas, como estratégia de validação do amor.

Casa Imersiva

A Casa Charriot – utilizada como espaço para reunir integrantes do CORRE e profissionais convidados, respeitando todos os protocolos de segurança e cuidado à saúde com os pares -, um universo de inspirações, foi renomeada de Casa PARA-ISO para o espetáculo. Os integrantes do coletivo falam que, durante os dias imersivos nesse ambiente, o casarão se comunicou de maneira vertiginosas, chegando até a contaminar o discurso …

” … como foi o caso das árvores e plantas que nascem em meio ao concreto dos antigos casarões do comércio, as artes visuais espalhadas pelas paredes, sua arquitetura que preserva aspectos culturais de um outro tempo misturada com as intervenções contemporâneas. O lugar de onde esses personagens falam não poderia ser outro, eles habitam aquele ambiente, eles são figuras que possivelmente transitariam pelas estreitas ruas do comércio de Salvador e isso se torna um marcador latente no nosso discurso”, diversas vozes. 

Antes das gravações do espetáculo, no período de 22 de fevereiro a 17 de março, o CORRE realizou uma imersão virtual pública com residências e lives artistas e profissionais de saúde que se debruçam nas temáticas abordadas no espetáculo. Foi justamente durante e após esse processo que surgiu a ideia de capitular o espetáculo, uma vez que o volume de informações é imenso e por maior que fosse a tentativa de sintetização, sempre havia algo transbordando. Estilhaçar questões no mundo é a estratégia de atuação do CORRE.

Os debates traçados durante a “Imersão ao PARA-ISO”, as provocações das residências, as cartas, as mensagens visuais, permitiram desenhar algumas pílulas performáticas, que posteriormente se tornaram roteiro para as cenas que foram gravadas, nesse caso a performatividade dos corpos inspirou a criação da dramaturgia e por consequência a criação dos personagens. 

Até mesmo a escrita do roteiro ganha características performáticas, quando descreve situações muito mais que “Frases prontas”, isso permite que o atuante também contribua emprestando as suas referências para compor o discurso do seu personagem. “A cada conversa, extraímos uma situação, uma história, um conceito. O resultado disso são essa dramaturgia e encenação, que traz como inspiração documental e histórica o “Devassos no Paraíso”, do Trevisan”, descreve o dramaturgo. 

Virtualidade

O Teatro é uma ferramenta importantíssima para construção de imaginários, portanto, para desconstrução de estigmas e afirmação de narrativas que dissendem da norma. Todavia, o teatro é uma arte da presença, realizá-lo no ambiente virtual é a possibilidade ímpar de ampliação de seu alcance, uma vez que as fronteiras são diluídas pela internet. 

“Pensando nesse alargamento de alcance, o CORRE escolheu tratar dessa correlação de sorologias. O debate precisa acontecer por que HIV e SAS-CoV-2 são apenas vírus e, como tais, não escolhem as pessoas que contaminarão por sexo, gênero, raça, idade, origem ou quaisquer outras categorias sociais, eles contaminam!. Saber lidar com ambos, sem estigmatizar corpos, é a grande questão“, explica Luiz Antônio.

PARA-ISO tem na sua ficha técnica Roquildes Junior na trilha sonora que conta com música original de LUI, criada especialmente para a obra, figurino de Luiz Santana e captação de imagens de Dante Vicenzo. Produção executiva de Anderson Danttas e Igor Nascimento. A iluminação da Casa tem assinatura de Luiz Antônio Sena Jr e Marcus Lobo, com técnica de Alisson de Sá. 

O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultural do Ministério do Turismo, Governo Federal.