O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) será o primeiro a prestar depoimento na CPI da Covid, na próxima terça-feira (4), e o governo trabalha agora para tentar evitar que ele use a comissão parlamentar de inquérito no Senado como palanque eleitoral para 2022.
A força-tarefa montada no Palácio do Planalto para levantar dados a serem usados nas audiências mobiliza servidores da Casa Civil, da Secretaria de Governo, da Secretaria-Geral e da Secom (Secretaria de Comunicação).
Integrantes do grupo de trabalho do Planalto admitem que estão promovendo um pente-fino na gestão de Mandetta, hoje desafeto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A ideia é restringir as perguntas feitas a Mandetta ao período em que ele esteve à frente da Saúde, para evitar, segundo governistas, que o ex-auxiliar se transforme em uma espécie de comentarista político de ações tomadas por Bolsonaro após sua saída do cargo.
“O ex-ministro e o atual devem responder sobre seus períodos no ministério. Quando estava à frente, como fez? Qual o resultado?”, disse o senador Marcos Rogério (DEM-RO), um dos principais nomes da tropa de choque governista na comissão.
Também é uma forma de apresentar Mandetta como copartícipe da estratégia inicial de enfrentamento à Covid da administração Bolsonaro, o que diminuiria sua credibilidade como crítico de medidas tomadas pelo presidente.
Nesse sentido, o plano é ainda instruir a tropa de choque do governo a evitar ataques ao ex-ministro e só partir para a ofensiva caso ele adote um tom incisivo contra Bolsonaro.
Por um lado, Mandetta deve ser alvo de críticas por medidas como a orientação sobre quando procurar assistência médica, como Bolsonaro faz questão de lembrar frequentemente.
“O protocolo do Mandetta era ‘fique em casa até sentir falta de ar’. Eu perguntei para ele: ‘O cara sente falta de ar e vai para o hospital para quê? Para ser intubado?’ Por isso a pressa para comprar respiradores. Estão entendendo a jogada?”, disse Bolsonaro ao interagir com apoiadores em 16 de abril, como mostra um vídeo gravado por um canal de internet simpático ao presidente.
Porém, governistas também devem salientar acertos e argumentar que eles tiveram a participação do presidente.
Um assessor de Bolsonaro cita como exemplo a decisão do governo de decretar estado de emergência no Brasil ainda em 4 de fevereiro de 2020, antes de a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar a pandemia, em 11 de março.
Governistas lembram ainda que, em seu discurso de despedida do ministério, Mandetta agradeceu a Bolsonaro e elogiou a equipe ministerial.
Mandetta foi demitido em 16 de abril de 2020, ainda no estágio inicial da pandemia. Mas seu desembarque ocorreu após cerca de um mês de desentendimentos com Bolsonaro, causados principalmente pela insistência do presidente em ignorar recomendações de isolamento social.
O governo também avalia que o fato de Mandetta ser filiado ao DEM —e ser visto pelo partido como um ativo importante para 2022— é um obstáculo para questionamentos mais duros por parte de aliados.
Isso porque Marcos Rogério é integrante da mesma legenda e não tem interesse em fustigar um correligionário.
O discurso de Mandetta na posse de seu substituto, o oncologista Nelson Teich, tem sido analisado por funcionários no Planalto.
Além de o Mandetta daquele dia estar distante da postura crítica que viria a adotar meses depois, ele apontou na ocasião um tema que deve virar mantra para os governistas na CPI: as dificuldades que outros países vinham enfrentando para acessar equipamentos básicos como máscaras e respiradores.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirma que, no escopo atual, a CPI deveria converter-se numa “investigação internacional”.
“Todas as mazelas que a CPI busca explorar no Brasil fazem parte de uma realidade mundial, não é exclusividade do Bolsonaro”, afirma, citando os obstáculos enfrentados por diversos governos para a aquisição de vacinas e insumos.
Embora seja um adversário de Bolsonaro, Mandetta não é o depoimento mais problemático da semana, na avaliação de aliados.
Ainda na terça-feira, após Mandetta, será ouvido Teich. No dia seguinte, fala o ex-ministro Eduardo Pazuello, general do Exército que comandou a Saúde no período mais latente do negacionismo de Bolsonaro.
Interlocutores opinam que a participação de Pazuello tem potencial de gerar forte desgaste para o governo.
Diferentemente de Mandetta e Teich, o general não criou qualquer obstáculo para o incentivo do uso da hidroxicloroquina e da azitromicina como medicamentos para o tratamento da Covid, mesmo sem eficácia comprovada.
Ainda em 2019, Pazuello também acatou a ordem de Bolsonaro de cancelar a aquisição de doses da Coronavac, imunizante desenvolvido por uma farmacêutica chinesa em parceria com o Instituto Butantan.
A vacina é trunfo político do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e hoje é a mais usada no Plano Nacional de Imunização.
Congressistas e até mesmo auxiliares de Bolsonaro já não descartam que Pazuello possa acabar abandonado pelo governo para proteger o presidente.
A Folha procurou Mandetta para comentar os assuntos abordados nesta reportagem, mas o ex-ministro afirmou que não se manifestaria sobre a CPI em respeito aos senadores.
A estratégia de atuação dos senadores governistas deve ser discutida nesta segunda-feira (3).
Até o fim da semana passada, congressistas da tropa de choque de Bolsonaro reclamavam que estavam desabastecidos de informações para usar como arma contra a maioria do colegiado —dos 11 integrantes da comissão, apenas 4 defendem o Planalto.
Também há relatos de ruídos provocados pela disputa entre os ministros Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), desafetos ao menos desde o início do ano passado.
Pessoas próximas a Onyx atribuem ao general Ramos, então titular da Secretaria de Governo, a saída de Onyx da Casa Civil no início de 2020.
À época, a Casa Civil foi ocupada por um militar, o general Walter Braga Netto, agora no comando do Ministério da Defesa.
No fim de fevereiro deste ano, Onyx foi empossado ministro da Secretaria-Geral. Ao retornar a um gabinete no Planalto, ficou evidente para servidores que a mágoa com Ramos ainda não foi sanada, e os dois travam uma disputa de poder e influência.
Já a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, estreante no Executivo, não tem se envolvido na discussão e tem delegado a auxiliares a interlocução direta com os membros da comissão no Senado.
Daniel Carvalho e Ricardo Della Coletta / Folhapress