Em meio à denúncia de cobrança de propina por vacina, a oposição e movimentos sociais protocolaram nesta quarta-feira (30) o superpedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas sem apoio político para que o processo prospere na Câmara dos Deputados.
O ato simbólico de apresentação do superpedido teve discursos de líderes da oposição, como a presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), e de adversários do presidente Jair Bolsonaro, como os deputados Kim Kataguiri (DEM-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso.
O evento, realizado no Salão Negro da Câmara, não seguiu as regras de distanciamento social, em especial na área dedicada aos discursos políticos. Os participantes usavam máscara.
O líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), disse que a pressão agora deve se dar sobre o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para abertura do processo de impeachment. Durante a apresentação do superpedido, Lira presidia a sessão da Câmara dos Deputados que discutia o acordo de livre-comércio entre Brasil e Chile.
Cerca de 120 pedidos foram reunidos em um só, apontando mais de 20 tipos de acusações.
A denúncia do empresário Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que afirmou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde, foi incluída como um pedido de investigação, mas não ainda como um suposto crime do presidente.
Na terça-feira (29), Hoffmann indicou que o superpedido poderá futuramente ser ampliado para incluir a denúncia envolvendo a negociação de propina revelada pela Folha. “Podemos adendar a peça”, disse.
Com 271 páginas, o superpedido de impeachment é resultado de uma articulação de partidos de oposição a Bolsonaro e ex-aliados do presidente. Esse grupo reúne cerca de 140 deputados. Para eventual impeachment passar pela Câmara, são necessários 342 votos dos 513 deputados.
Assinam o superpedido centrais sindicais, movimentos sociais, deputados da oposição e de centro-direita, associação de juristas e personalidades, entre outros.
No texto, os autores da ação lembram que, até esta quarta, já foram protocolados 122 denúncias de prática de crimes de responsabilidade junto à Câmara dos Deputados —seis delas foram arquivadas.
Além disso, acusam o presidente de crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos Poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados, crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, contra a segurança interna e contra a probidade na administração, entre outros.
O episódio envolvendo a compra de vacina da Covaxin é citado na peça. “No que se refere à Covid-19, após se notabilizar por uma atitude avessa à aquisição de vacinas e ao estímulo à sua aplicação, o presidente da República passou a ser envolvido em denúncias de conivência com negociações lesivas ao interesse público para a compra da vacina indiana Covaxin”, escrevem.
“Tais suposições devem ser objeto de apuração instrutória uma vez admitida e processada a presente denúncia sob a forma de processo de impeachment perante o Congresso Nacional.”
Segundo o documento, ao longo de 2020, “época estratégica para que fossem celebrados pré-contratos e contratos voltados a garantir o suprimento de vacinas à população brasileira, o presidente Jair Bolsonaro reiteradamente esquivou-se de adotar medidas concretas e tempestivas em resposta às ofertas de fabricantes de vacinas contra a doença, sobretudo as sucessivas mensagens emitidas pela laboratório Pfizer, que quedaram prolongadamente não respondidas, inclusive pelo gabinete presidencial.”
“Enquanto isso, em postura delirante e absolutamente temerária, o presidente da República priorizou, sem qualquer respaldo científico, o investimento na utilização de hidroxicloroquina, mediante propaganda pessoal, aliada ao irresponsável estímulo à determinação de uso e a distribuição de kits inadequados do chamado tratamento precoce, divulgada em site oficial, com efeitos desastrosos para os pacientes.”
Apesar do ciclo de desgaste político do presidente e da baixa tração nas pesquisas eleitorais de 2022, o centrão permanece disposto a barrar a iniciativa de opositores ao governo. A fissura nessa aliança traz mais riscos para Bolsonaro no projeto de ser reeleito.
O centrão é um consórcio de partidos que se juntou a Bolsonaro quando o Palácio do Planalto passou a liberar cargos de indicação política e pagamento de verbas das emendas ao Orçamento.
Por ora, está mantida a blindagem para que o atual mandato seja concluído. Além disso, com o desgaste provocado pelas denúncias envolvendo a negociação da Covaxin, a avaliação é que esse grupo ganhou ainda mais poder de barganha junto ao Executivo.
O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los.
Se o pedido for aceito, a denúncia é encaminhada a uma comissão especial e depois ao plenário da Casa. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para o processo seguir para o Senado.
A próxima etapa seria uma votação para o Senado confirmar ou não a abertura da investigação. Se o processo for aberto na Casa, o presidente da República é afastado até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice.
Danielle Brant e Thiago Resende, Folhapress
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress