Tarcísio desperta empolgação e desconfiança entre bolsonaristas de SP

Bastou o ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) entrar em um auditório lotado na cidade de Mococa (SP), na última terça-feira (30), para o tema da vitória de Ayrton Senna tocar no alto-falante.

A plateia, formada por líderes empresariais da região, respondeu com um coro de “governador”, enquanto Tarcísio acenava sorridente.
Apresentado pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma entusiasta da candidatura do ministro ao Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio iniciou sua fala com uma referência religiosa.
“Vim aqui fazer o que eu gosto de fazer: pregar o Evangelho. E pregar o Evangelho significa trazer as boas novas”, disse, sob aplausos.
Em seguida, listou uma série de números sobre a economia e investimentos realizados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), mesclando o discurso técnico com retórica típica de palanques.
“Não dá para ser pessimista com o nosso Brasil. O Brasil caminhou muito nesses últimos três anos e dá para caminhar muito mais. Vamos fazer o Brasil dar certo. Não vamos permitir que o cansaço nos abata”, pediu, ovacionado pela audiência.
Ao fim, o carioca, que fez carreira em Brasília e na Amazônia, ganhou uma placa de “cidadão mocoquense”. “Não é segredo para ninguém que nosso sonho é trazê-lo para São Paulo. Nada mais justo do que torná-lo um cidadão paulista”, disse Zambelli ao anunciar o presente.
Inicialmente resistente a ser o candidato de Bolsonaro ao governo do maior estado do país, Tarcísio, capitão do Exército, vem dando sinais crescentes de que vai aceitar “pagar missão”, como se diz no jargão militar.
O trabalho de convencimento vem sendo feito pelo próprio presidente e por seus filhos, principalmente o senador Flávio Bolsonaro (RJ).
A incursão por Mococa, cidade de 70 mil habitantes no nordeste do estado, ocorreu no mesmo dia em que o ministro esteve no evento de filiação de Bolsonaro ao PL, em Brasília.
Ele ainda não confirma sua candidatura, contudo, e preferiu não se filiar ao partido junto com Bolsonaro e outros colegas de governo.
Segundo pessoas próximas, Tarcísio pretende cumprir as tarefas de ministro até mais perto do prazo de desincompatibilização, em abril do ano que vem.
Sua agenda para o início de 2022 está repleta de leilões de concessão importantes para São Paulo, como os dos portos de Santos e São Sebastião e do aeroporto de Congonhas.
Assim, estar ainda ocupando a cadeira de ministro pode ser importante para dar a ele visibilidade entre os paulistas.
De perfil técnico, com passagens pelos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), o ministro ainda é visto com desconfiança por parte expressiva da base conservadora que apoia Bolsonaro.
Nos últimos dias, ele cometeu um escorregão aos olhos dos bolsonaristas, ao defender que o Brasil exija comprovante de vacinação para estrangeiros que queiram vir ao país, após a descoberta da variante ômicron.
No Twitter, recebeu uma saraivada de críticas de apoiadores do presidente, que são contrários a qualquer tipo de passaporte vacinal. Um deles disse que Tarcísio precisava “passar por um curso de conservadorismo básico”.
Com a repercussão negativa, o ministro precisou se justificar, reiterando que é contra lockdown e obrigatoriedade de vacinação.
“Apenas defendi que melhor do que falar em fechamento de fronteiras para voos internacionais seria cobrar a vacinação dos estrangeiros que chegam ao Brasil. Seria uma forma de manter os voos”, disse.
A explicação não ajudou em nada a melhorar a imagem de Tarcísio junto a uma parcela dos bolsonaristas do estado, que prefere ver disputando o Governo de São Paulo uma figura mais identificada com seus valores, como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, atualmente ocupando um cargo no Banco Mundial em Washington (EUA).
“O Tarcísio, embora seja um bom ministro, é técnico e com pouca sagacidade ideológica. Creio que faria uma boa campanha, mas ele não é paulista e nunca veio a público confirmar o desejo de vir disputar o Governo de São Paulo”, diz o deputado estadual Douglas Garcia (PTB), que tem simpatia por Weintraub.
“Parece-me que obrigação ou sacrifício de palanque [por parte de Tarcísio] podem retirar um elemento essencial de campanha, a paixão no senso de missão”, afirma Garcia.
Para o empresário Otávio Fakhoury, presidente estadual do PTB, o ministro precisa ainda falar mais sobre temas caros ao conservadorismo.
“Ele é um homem que defende princípios importantes para nós, como boa gestão e economia eficiente. Também é uma pessoa que preza a família. Mas a gente precisaria saber um pouco mais sobre outras coisas. Não sei o que ele pensa sobre ideologia de gênero, ou existências de banheiros trans, por exemplo”, afirma Fakhoury.
Para aproximar Tarcísio da base conservadora, um encontro dele com militantes e representantes de movimentos de direita no estado já está sendo organizado e poderá acontecer ainda este ano.
Segundo um importante líder da direita no estado, é preciso que o candidato de Bolsonaro seja “um conservador, e não um asfaltador de rua”.
O ministro vem mostrando algum esforço para falar o idioma dos conservadores. Uma prática é rechear suas falas de referências religiosas, como mostrou a saudação feita no evento de Mococa.
Em setembro, ele fez uma palestra na conferência conservadora Cpac, em Brasília, e disse que, antes de cada leilão de licitações de estradas, ferrovias ou aeroportos, faz uma roda de orações com sua equipe.
“O Tarcísio é conservador e está demonstrando grande fidelidade ao presidente”, diz o empresário Filipe Sabará, ex-integrante do Partido Novo e hoje próximo dos bolsonaristas. “Ele explicou na sua fala sobre vacinas que estava propondo apenas defender o Brasil. As críticas são coisa de uma minoria barulhenta, que não entende que nem sempre todo mundo pensa exatamente igual na direita.”
Para Zambelli, os ataques de conservadores a Tarcísio não se justificam. “Ele nunca falou muito sobre valores porque é uma pessoa muito focada em trabalho. Tudo tem seu timing. Mas quem conhece sabe que é conservador”, afirma.
A deputada diz que a recepção a Tarcísio em Mococa foi espontânea. “Eu, como deputada, claro que o levei lá porque quero que ele já construa uma base no estado. Mas ele não foi lá para isso, foi para apresentar o trabalho dele.”
Zambelli diz que planeja organizar outros eventos com o ministro no estado nos próximos meses e aposta que ele ainda levará algum tempo para oficializar sua candidatura.
“Por ele ser uma pessoa muito focada em ser ministro, deve deixar para decidir na última hora mesmo. Acho que tem 95% de chance de ele sair candidato a alguma coisa, só não sei se a governador ou ao Senado por algum estado do Centro-Oeste”, afirma.

Fonte: Folhapress / Foto: Reprodução / Agência Brasil