Levantamento feito em parceria entre Imaflora e Esalq mostra que, geograficamente, culturas tradicionais estão sendo levadas à periferia
Soja, milho, arroz, cana-de-açúcar e feijão ocupam pelo menos 70% da área plantada no Brasil há mais de 30 anos. A constatação foi feita a partir de pesquisa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) em parceria com o Grupo de Políticas Públicas (GPP/Esalq) e apoio do Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade (iCS).
O período do estudo compreende os anos de 1985 a 2017, mas Vinicius Guidotti de Faria, pesquisador e coordenador de geoprocessamento do Imaflora. considera que esta prevalência às commodities com se mantenha até hoje, ou mesmo tenha se ampliado.
Durante este período, a produção da soja cresceu cerca de 536% em toneladas, enquanto a área cultivada aumentou em 221%. O milho expandiu sua produção em 295%, com 32% de aumento de área plantada. A cana-de-açúcar teve uma expansão de 194% de produção, com aumento da área em cerca de 145%.
Intitulada “Produção de Alimentos no Brasil: Geografia, Cronologia e Evolução”, a pesquisa mostra que não necessariamente o aumento de produtividade tem levado à otimização da área. A ideia sustentável de plantar mais na mesma área não se concretizou no período analisado.
Guidotti explica que o aumento de produtividade não evitou o processo de expansão das áreas, ocasionando um fenômeno chamado “efeito rebote”, quando o aumento de produção causado pela intensificação gera uma busca por novas áreas, ao invés da permanência na área original – conhecido como “efeito poupa-terra”.
Culturas tradicionais
O pesquisador ressalta, entre as constatações do estudo, a mudança de comportamento das culturas tradicionais, como mandioca, hortaliças e frutas. Apesar do crescimento expressivo das commodities no decorrer dos anos, Guidotti diz que as culturas tradicionais não deixaram de existir, “estão presentes em maior ou menor grau no país todo”, mas há uma predominância pelas culturas não tradicionais, que tem forçado estes cultivos a áreas mais periféricas.
“Essas culturas tradicionais vão sendo expulsas e deslocadas para áreas periféricas e pequenas produções. Isso vai deixando a produção mais suscetível a riscos, porque produtores menores têm pouca renda e dinheiro, e muitas vezes não têm capacidade de lidar com intempéries. Quem tem dinheiro consegue ser mais resiliente”, ele diz.
O afastamento de alimentos como frutas, verduras e legumes esbarra no gargalo da logística e armazenamento. Quanto mais longe a comida, mais tempo ela leva para chegar e maior o risco de estragar.
“Ao fazer essa marginalização das culturas e ter mais deslocamentos, você acaba dificultando que comidas mais tradicionais acessem locais mais distantes. No Nordeste é difícil para hortaliças e hortifruti chegarem, mas chega a bolacha recheada e o refrigerante, porque é mais fácil deslocar esses produtos que duram mais do que alimentos frescos, que exigem uma logística mais robusta”, explica Guidotti
Produção e consumo
A concentração produtiva e a expansão de áreas para a garantia da sustentabilidade financeira das propriedades altera também o perfil dos produtores. Entre 2006 e 2017, a agricultura familiar perdeu quase 500 mil estabelecimentos, passando de 84% para 77% do total, sendo este mais um indicativo da marginalização das culturas tradicionais.
Simultaneamente, o consumo de culturas tradicionais, como o arroz e o feijão, apresentou queda significativa, de acordo com dados de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Esta correlação entre queda de produção e consumo ainda é um universo inexplorado, segundo o coordenador do Imaflora. Ainda assim, ele consegue estabelecer uma linha de raciocínio sobre demanda e oferta. Guidotti comenta que o produtor se comporta conforme o mercado vai exigindo, ou seja, uma resposta à demanda do consumidor.
“O consumo de arroz e feijão vem diminuindo no Brasil. Será que é o consumidor que está puxando o produtor a plantar menos? Ou será que plantar menos culturas tradicionais faz com o que a população consuma menos? É como a história do ovo e da galinha. É o que estamos estudando no momento, como se dá a relação entre produção e consumo, como funcionam os sistemas alimentares”, adianta o pesquisador.