Produtores de cacau elevam renda com crédito via CRA Sustentável

Apoiados por financiamento obtido através do título, agricultores do sul da Bahia aumentaram a safra e investiram em produto premium

Produtores familiares de cacau no sul da Bahia tiveram um aumento médio de 38,9% em sua renda bruta, a partir do acesso a recurso provenientes da primeira rodada de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) Sustentável lançado há um ano. É o que aponta o relatório da ONG Tabôa, divulgado nesta semana.

A entidade, em parceria com o Grupo Gaia e os institutos Arapyaú e humanize, levantou com a operação R$ 1,37 milhão, valor distribuído a 184 produtores da região. Os recursos foram usados para compra de insumos e investimento em sistemas agroflorestais (SAF) com cacau e outras culturas, como açaí, cajá e banana, e também para a aquisição de estufas, casas de fermentação das amêndoas e armazéns.

Em média, cada agricultor pegou R$ 7 mil. Os créditos têm prazo de até 3 anos para pagamento e uma taxa de juros de 1% ao mês. Os pagamentos são semestrais. Segundo os parceiros, o resultado foi surpreendente. As metas sociambientais foram atingidas um ano antes do previsto e a inadimplência, de 0,48%, ficou abaixo do previsto.

Os responsáveis pelo projeto atribuem o desempenho ao aumento da produtividade do cacau – em média, de 36,2% – e da produção para o mercado de qualidade. Entre os que produziram cacau premium, que tem valor maior que o commodity, o aumento de renda foi ainda maior: 58,6%, em média. Nesse período, o número de produtores de cacau fino saltou de 16 para 44, um crescimento de 157%.

O CRA Sustentável usado para apoiar os produtores foi criado a partir do modelo de blended finance, que mescla recursos de investidores do mercado e de organizações filantrópicas. O objetivo é melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares por meio do aumento de renda e do incentivo à agricultura de baixo impacto ambiental, como práticas agroecológicas.

Para acessar os recursos, os produtores se comprometeram a não ter trabalho infantil e a preservar áreas de proteção permanente (APP), como beira de rios e córregos, encostas e nascentes. Todos produzem o cacau no sistema cabruca, em que o fruto é cultivado à sombra das árvores, mantendo a Mata Atlântica em pé. Além do estoque de carbono, esse sistema contribui para a manutenção da biodiversidade e da oferta de água.

O programa incentivou também a inclusão de mulheres, jovens e assentados. Do total de beneficiados, um terço era do sexo feminino e 75%, assentados rurais. A maioria dos participante tinha uma propriedade de 8 hectares e quase metade tinha jovens na produção.

Protocolos de sustentabilidade

Para ser considerado sustentável, o CRA precisa atender a critérios e protocolos e financiar ações que contribuam para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Essa iniciativa mostrou o potencial dos agricultores familiares e seu compromisso com a produção sustentável, com a região e com os parceiros. Diante do êxito, estamos construindo uma segunda operação para expandir o impacto social e ambiental”, diz João Paulo Pacífico, do Grupo Gaia, no comunicado divulgado pelos parceiros do projeto.

Roberto Vilela, diretor-executivo da Tabôa, afirma que boa parte dos agricultores que pegaram os recursos nunca havia tomado crédito antes. “O CRA não foi feito para substituir as políticas públicas de financiamento rural, mas, sim como uma demonstração de que é possível criar processos mais inclusivos e simplificados de acesso ao crédito e ao mesmo tempo garantir baixa inadimplência.”

Segundo Vilela, contribuíram para a baixa inadimplência a inclusão de assistência técnica, a possibilidade de pagamento semestral, de acordo com a safra do cacau, e as garantias solidárias, adotadas nos créditos coletivos, que representaram 73% das operações. Foram formados grupos de três a 12 produtores e, em caso de não pagamento do financiamento por um dos membros, os outros cobrem a parte do inadimplente.

Thais Ferraz, diretora-executiva do Arapyaú, instituto filantrópico que trabalha para o desenvolvimento sustentável do sul da Bahia, disse que o modelo blended finance vem ganhando espaço no mundo inteiro, pois mitiga riscos e consegue atrair investidores tradicionais para operações socioambientais, que costumam dar retornos de longo prazo e têm desafios sociais e ambientais complexos para lidar.

Para Ana Carolina Avzaradel Szklo, gerente de Sustentabilidade do Instituto humanize, que integra estratégias e articulações para o fortalecimento da filantropia nacional, o CRA foi apenas o primeiro passo de um projeto que mostra que o trabalho em parceria com filantropia, investimento privado e negócios de impacto, reúne os elementos necessários para fazer a diferença. “Esse cenário evidencia um modelo capaz de maximizar o impacto e o ganho de escala, podendo ser replicado em outros biomas e territórios.”