Pressionado no cenário doméstico com a proximidade das eleições e isolado no xadrez internacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) usou o espaço da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, para voltar a atacar a esquerda e seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda que sem citá-lo nominalmente, e defender as ações de seu governo durante a pandemia.
Após mencionar casos de corrupção na Petrobras durante os governos petistas, afirmou que sua gestão “extirpou a corrupção sistêmica que existia no país”, a despeito de investigações que envolvem sua família.
Disse, entre outras coisas, que o Brasil “não poupou esforços para salvar vidas e preservar empregos” durante a crise sanitária, e, realçando a agenda do auxílio emergencial, ignorou a realidade de demora de compra de vacinas, criticada a nível nacional e internacional.
Bolsonaro também elogiou o setor do agronegócio, que chamou de orgulho nacional. Falando sobre a Guerra da Ucrânia, o presidente criticou a adoção de sanções econômicas contra a Rússia.
Ainda que sua gestão seja marcada por discurso hostil a setores da imprensa e opositores, o presidente se colocou como um defensor da liberdade de expressão. Depois, ingressou na pauta religiosa, na qual se governo se tornou conhecido por ignorar preceitos do Estado laico.
“No meu governo, o Brasil tem trabalhado para trazer o direito à liberdade de religião para o centro da agenda internacional de direitos humanos”, afirmou.
Como tem feito em sua campanha, Bolsonaro também acenou ao eleitorado feminino, em um discurso marcadamente voltado para sua base. Disse trabalhar para que o Brasil tenha “mulheres fortes e independentes, para que possam chegar aonde quiserem” e fez menção a primeira-dama, Michelle, usada como peça-chave na corrida eleitoral.
Por tradição, o presidente brasileiro é sempre o primeiro chefe de Estado a falar no evento. Na sequência, deveria vir o americano Joe Biden, mas o democrata adiou o discurso para quarta-feira (21), após decidir viajar a Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª. Quem fala, então, é o presidente do Chile, o estreante Gabriel Boric, sobre quem Bolsonaro vem tecendo críticas em uma série de pronunciamentos durante a campanha.
Em meio a uma disputa eleitoral que está longe de estar resolvida, viajar para fora do país, principalmente para dois destinos internacionais em sequência —o presidente também foi a Londres acompanhar o funeral da rainha Elizabeth 2ª— não foi um cálculo simples.
A avaliação do governo, no entanto, foi de que a viagem era obrigatória e que o custo político de faltar seria maior que o de comparecer, além de reforçar a imagem de isolamento do Brasil no xadrez político mundial.
Entretanto, presidente brasileiro só tem reuniões bilaterais marcadas com dois presidentes, o equatoriano Guillermo Lasso e o polonês Andrzej Duda. Eles são inexpressivos para a economia brasileira, mas importantes na agenda ideológica do governo de unir líderes direitistas.
Com o presidente da Polônia, o brasileiro assinará dois acordos: sobre Troca e Proteção Mútua de Informações Classificadas e para a Eliminação da Dupla Tributação em Relação aos Tributos sobre a Renda e a Prevenção da Evasão e da Elisão Fiscais.
A justificativa para os poucos compromissos diplomáticos é a curta agenda, já que o presidente passará menos de 24 horas na cidade. Mesmo assim, Bolsonaro encaixou um almoço em uma churrascaria brasileira com apoiadores que vieram de caravanas de diferentes partes do país.
No pouco tempo que terá em Nova York, o presidente incluiu ainda na agenda oficial, divulgada no site da Presidência da República, uma videoconferência com empresários do setor de supermercados no Brasil.
Bolsonaro chegou à cidade americana no começo da noite de segunda, e foi recebido por dezenas de apoiadores que o aguardavam na porta do hotel. Um grupo menor, de partidários do ex-presidente Lula (PT), se manifestou contra Bolsonaro no mesmo local, e houve tumulto.
Este foi o quarto discurso do líder brasileiro na ONU. Em 2019, ele usou a tribuna para atacar críticos de sua política ambiental, a imprensa e países como Cuba e Venezuela, em um discurso agressivo e inusual para líderes brasileiros, com 32 minutos de duração.
Em 2020, gravou pronunciamento exibido de forma remota na Assembleia devido à pandemia e se defendeu das críticas pelo descontrole da Covid no país, além de afirmar que o Brasil era vítima de mentiras sobre as queimadas na Amazônia. Na ocasião, o discurso durou 14 minutos.
No ano passado, fez o discurso mais curto dentre os do brasileiro, com 12 minutos, com acenos à sua base radical. A viagem foi marcada pela recusa do presidente em se imunizar contra a Covid-19.
O presidente deve embarcar para o Brasil por volta das 17h do horário local (18h em Brasília).
Esta é a primeira edição totalmente presencial da Assembleia-Geral desde a eclosão da Covid-19, em 2020. Naquele ano, líderes mundiais discursaram de forma remota, sem que nenhum viajasse a Nova York. Em 2021, parte deles falou de forma presencial, como Bolsonaro, e parte enviou vídeos, caso do líder chinês, Xi Jinping —que recentemente fez sua primeira viagem internacional após a pandemia.
Thiago Amâncio/Folhapress / Foto: Reprodução/TV Brasil