“Pode começar com um grande tiro no pé”,diz cientista político sobre novo partido de Bolsonaro

Em Salvador, onde participou do evento “Formar para Renovar”, promovido pelo PSDB de Salvador, o cientista político, Humberto Dantas, conversou com exclusividade ao Bahia Sem Fronteiras. Dantas, que é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), é também coordenador da pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP e do Master em Liderança e Gestão Pública do CLP, falou sobre o atual quadro político nacional, suas perspectivas, além de fazer prognósticos para o cenário das eleições municipais do ano que vem.

Palestrando para pré-candidatos tucanos que vão disputar uma vaga ao legislativo ou ao executivo nos diversos municípios baianos, Humberto destacou a importância da iniciativa dos partidos em quererem formar os seus gestores. “Toda vez que a gente encontra um partido político disposto a levar a sério o papel da sua fundação e formar os seus, a gente se conecta mais claramente à ideia da democracia. Acho que os partidos políticos no país dependem e precisam disso. De pessoas sintonizadas à aspectos ideológicos e suas respectivas legendas, mas obviamente também sintonizadas ao que significa ser politico e representar, bem como ao que significa ser gestor público, sobretudo em cargos de indicação ocupados pelo partido”.

Dantas defende a ideia da singularidade e do caráter atípico das últimas eleições presidenciais. Segundo ele, o partido que seguiu uma cartilha mais típica, em termos de eleição, acabou penalizado pelo eleitor, o que dificilmente pode vir a se repetir no ano que vem. “Foi uma eleição em que o candidato, até certo ponto, ganhou de forma inesperada.  Carregado com o discurso de oposição e muito concentrado na ideia de combate a corrupção. É difícil que isso ocorra em 2020, por se tratar de uma eleição bastante pulverizada. Em alguns lugares pode acontecer, mas não acho que será uma tendência. É claro que em algumas cidades a gente pode ter isso… A gente teve um fenômeno eleitoral em 2016, na cidade de São Paulo, com João Doria falando contra a política e a favor de uma lógica de gestão. Independentemente de as pessoas gostarem ou não gostarem, isso foi um passo para longe da política e em direção a uma questão técnica de gestão pública. Não foi isso que vi em 2018, que foi contra a política e a favor de um discurso de ódio, ácido e conservador. Não tinha a haver com gestão. O presidente, na época candidato, Jair Bolsonaro, tripudiava de algumas perguntas mais técnicas”.

“A eleição municipal é muito sui generis, onde cada município tem a sua realidade. A despeito do partido, bons prefeitos tendem a se manter no poder. É uma situação onde o eleitor pede muita coisa em forma de favor, convertendo os seus direitos em benesses. Outra coisa é que com o fim das coligações em eleições proporcionais, a depender da estratégia geral adotada pelos partidos, a gente pode chegar a 1 milhão de candidatos. Isso vai dificultar a percepção dos eleitores em relação às pessoas”, continuou.

A polarização da política nacional, em torno das ideias defendidas pelo presidente Bolsonaro e os partidos de esquerda, representados na figura do ex-presidente Lula, também foi abordada pelo cientista. “Acho que temos alguns símbolos que ainda não existiam em 2016. Por um lado, temos o Lula.  O fato dele ter sido preso contribui para o adensamento de alguns discursos. Pode torna-lo mais poderoso em alguns segmentos da sociedade. A saída dele da cadeia, se durar até as eleições, pode trazer um agente político muito importante para a esquerda. Um Lula político ao extremo, como sempre foi, inelegível, mas se solto, capaz de fazer o seu discurso e angariar os votos em alguns lugares em que o PT precisa . Do outro temos o presidente Bolsonaro que, em tese, não desejaria apoiar ninguém, mas que ao fundar um novo partido político vai ter que entrar nesse jogo municipal. A questão é ver como ele vai se posicionar. Se esse novo partido não se espalhar, pode começar como um grande tiro no pé. E ele tem pouco tempo para fazer isso”, pontuou Dantas.

“Precisamos ver como o governo Jair Bolsonaro vai estar avaliado. Não é um governo de grandes conquistas. É um governo com um discurso pouco condizente com a realidade. Essa semana mesmo ele afirmou que tem conquistado grandes coisas no Congresso Nacional e é tudo que ele não tem conseguido. Mas existe uma agenda no Congresso, semelhante à agenda dele, e que para muitos tem sido tocada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia”, finalizou.