A nova onda de Covid que já avança na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos acende um alerta para o Brasil, segundo especialistas.
A retirada das medidas contra a Covid, como o uso de máscaras, e a maior interação das pessoas já se refletem em uma subida de casos, o que pode levar a um aumento nas hospitalizações e mortes, ainda que consideravelmente menor do que nos anos anteriores da pandemia.
No estado de São Paulo, as novas internações em UTI para Covid aumentaram 86,5%, do dia 17 de outubro até o último dia 31, enquanto as novas internações na região metropolitana de SP cresceram 46% no mesmo período. Atualmente, 324 pessoas estão internadas no estado de SP, um número que representa cerca de 20% do que foi observado na onda da ômicron em janeiro, mas 40% maior do que há duas semanas.
Segundo Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, já é nítido um aumento do número de casos. “Nós infectologistas já notamos, nas últimas duas semanas, crescimento de atendimentos de Covid, e isso já se reflete na maior procura nos prontos-socorros, que são nosso termômetro. Nas próximas duas semanas acredito que já vamos detectar um aumento expressivo nos novos casos”, diz.
A tendência de aumento, verificada por meio dos dados de média móvel de casos e óbitos no país, é algo que ocorreu também em outros picos da pandemia.
“De dezembro de 2021 até fevereiro deste ano tivemos um aumento bem acentuado por conta da introdução da ômicron. Depois, tivemos de novo em maio e junho um pico ascendente com a BA.2 [subvariante]. Agora, estamos vendo uma tendência de aumento, mas é importante salientar que em um patamar bem mais baixo”, explica o professor de matemática e computação da Unesp e coordenador do SP Covid-19 InfoTracker, Wallace Casaca.
De acordo com ele, a taxa de reprodução do coronavírus no país, o chamado Rt, já se aproxima de 1 —ele está em 0,91—, e vem subindo desde o dia 10 de outubro, quando estava em 0,68.
Apesar de estar em uma “situação de possível controle”, a expectativa é de alta nos próximos dias. Uma taxa de reprodução acima de 1 significa que a cada cem infectados transmitem para outros cem. O ideal é que o Rt esteja abaixo de 1, pois assim é possível fazer o controle do vírus.
A hipótese levantada por Casaca é de que a maior circulação de pessoas nas últimas semanas —devido ao período eleitoral e retorno ao trabalho presencial— pode ter provocado o aumento, uma vez que ainda não foi observada aqui a presença de outras linhagens da ômicron.
No caso do administrador e estudante de educação física Gustavo Tochiro Oda Ochiai, 29, que foi diagnosticado com a doença no último sábado (29), o mais provável é que a transmissão tenha ocorrido em casa. Seu pai havia acabado de voltar de uma viagem para o Amazonas com sintomas de gripe e logo ele e a mãe começaram a apresentar cansaço, tosse e dor no corpo.
Os sintomas foram muito mais leves do que na primeira vez em que ele teve Covid —na época, ainda não estava vacinado— , mas mesmo assim causaram transtornos. “Parecia que um trator havia passado sobre mim, até para andar sentia dor”, lembra.
“Não digo que pegar novamente foi uma surpresa porque as medidas de proteção, como uso de máscaras, caíram e eu mesmo não uso quando estou fazendo atividade física ou na sala de aula. O diferente foi dessa vez parecer muito mais uma gripe. Só fiz o teste porque os sintomas do meu pai não passavam, do contrário não ficaria sabendo”, diz.
Embora ainda seja cedo para saber se os novos casos vão refletir em um cenário como o do início deste ano, o pesquisador afirma que é melhor prevenir do que remediar.
“Apesar de ainda serem números abaixo de 200 [novas internações no estado de São Paulo], considerando que chegamos a ter 2.000 por dia, é uma situação para ficar em alerta, especialmente com o período de festas de final de ano que se aproxima”, explica.
Ele reforça que a pandemia ainda não acabou e é importante adotar novamente alguns cuidados. “Temos motivos para comemorar hoje, muito pelo advento das vacinas, mas não deixa de ser um momento para ficar alerta e pensar em formas de proteger especialmente os mais vulneráveis”, diz.
Vicente Estevam Junior, 56, conta que se protegeu ao máximo nos últimos anos. Bibliotecário na área de educação na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), seguiu as orientações como uso de máscara e higienização constante das mãos. “Desde o início da pandemia não vou ao cinema porque evito locais fechados”, relata. Nos últimos meses, porém, reduziu os cuidados e, na semana passada, contraiu Covid pela primeira vez.
“Comecei a sentir dores no corpo e fui ao setor de medicina do trabalho. Lá, fizeram o teste rápido e deu positivo. No meu caso, pareceu uma gripe forte”, afirma Junior, que aguarda em casa o fim do período de isolamento.
Outros indicadores também já começam a dar sinais dessa tendência de subida no país. Levantamentos obtidos pela reportagem de laboratórios de rede privada, como a rede Dasa, o Grupo Fleury e a Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica), que reúne dados da rede privada de laboratórios, a taxa de positividade dos testes de Covid vem crescendo nas últimas quatro semanas de outubro.
O Fleury apresentou uma positividade de 12% no dia 16 de outubro, enquanto os dados até o último dia 31 apontam para uma positividade de 30% —um aumento de 2,5 vezes. A quantidade de exames solicitados na rede também dobrou, passando de cerca de 300 por dia para uma média diária de 600.
A taxa de positividade na rede Dasa foi de 3%, nos primeiros dias do mês, para 30% na última semana. Já o levantamento feito pela Abramed aponta um salto semelhante, de 3,7%, na primeira semana de outubro, para 17,3% até o último dia 28, um aumento de 367%, embora o número de exames realizados na última semana seja menor do que o observado no início do mês (de 21.552 para 18.935).
Na Dasa, não houve a detecção de nenhuma nova variante que pudesse estar associada ao aumento dos casos positivos, como ocorreu nos EUA e Europa, mas isso não significa que o mesmo cenário não possa ocorrer aqui, explica o virologista e responsável pelo projeto de vigilância genômica do grupo, José Eduardo Levi.
“Não me parece ainda que algumas dessas sublinhagens estejam em circulação. Agora, isso pode mudar nos próximos meses, e precisamos nos prevenir já”, afirma.
Segundo o pesquisador, o atual momento da pandemia, sem medidas de controle, deve criar um ambiente favorável para essas cepas mais transmissíveis caso elas venham a chegar no país.
O infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, Celso Granato, afirma que diferente do que ocorre no Hemisfério Norte, com a chegada da estação fria, a alta de casos no Brasil pode ser em parte por causa das aglomerações e em parte por termos tido recentemente uma onda de gripe.
E, enquanto o fim da pandemia não chegar, os especialistas recomendam algumas precauções, em especial para as festas. “Pessoas mais idosas e imunossuprimidas devem estar com as vacinas atualizadas, especialmente com um reforço mais recente, para aumentar a proteção contra a ômicron, e também manter o uso de máscara, se possível, em alguns locais fechados”, reforça Granato.
Ana Botallo e Sthephanie Piovezan | Folhapress