Debate mostrou que o racismo e a transfobia agravam o preconceito
“Quando eu chego em algum lugar com o microfone da emissora nas mãos e só por ser uma mulher negra perguntam onde está a repórter, isso dói tanto quanto o murro que levei no rosto”. O desabafo da jornalista Tarsilla Alvarindo, na Roda de Conversa da 4ª Jornada de Mulheres do Sinjorba, na tarde de sexta-feira (10), no auditório da Associação Bahiana de Imprensa (ABI-BA), revelou que o racismo é um agravante a mais quando o tema é violência de gênero.
No dia que Tarsilla foi agredida durante uma reportagem sobre acidente de trânsito, ela integrava uma equipe da TV Record (atualmente a profissional trabalha na TV Bahia) com mais dois colegas homens. Apesar disso, justamente ela, que tentava amenizar a situação tensa gerada pela presença dos agressores, foi o alvo da fúria. E, o que é mais grave, diante do olhar omisso de policiais. “Se toda a confusão não tivesse sido mostrada, ao vivo, por outra emissora, teria sido minha palavra contra a do agressor”, reforçou a jornalista, que agradeceu o apoio imediato recebido do Sinjorba, Fenaj, ABI e toda uma rede de solidariedade.
A jornalista Alana Rocha apresentou denúncias mostrando o quanto a transfobia também agrava a violência de gênero. Ela já foi vítima de várias agressões pela sua condição de mulher trans, com repercussão na sua atuação profissional. Tanto na TV Aratu, onde trabalhou em Salvador, quanto na cobertura do noticiário na Câmara Municipal de Riachão do Jacuípe, sua cidade natal, Alana enfrenta ameaças e agressões transfóbicas. Ela também agradeceu ao Sinjorba pelo acolhimento e oportunidade de denunciar a perseguição, que já lhe rendeu alguns processos judiciais.
Minuto de silêncio
Em nome do Sinjorba, a vice-presidente Fernanda Gama deixou claro às colegas agredidas que elas não estão sozinhas e podem contar com a entidade para denunciar as agressões e adotar as providências necessárias. Na abertura do evento, a coordenadora da Comissão da Mulher, Isabel Santos, sugeriu um minuto de silêncio contra todo tipo de violência (física, psicológica, moral, sexual e patrimonial), lembrando que no Brasil é registrado um estupro a cada 10 minutos e 1.400 feminicídios a cada seis horas. “Portanto, nas últimas horas, a partir do que registra a pesquisa do Monitor da Violência do G1, centenas de irmãs em humanidade foram mortas em razão de serem do sexo feminino”, registrou emocionada.
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, enviou uma saudação pelo Mês da Mulher e se solidarizou com todas as vítimas de violência, em especial as jornalistas atingidas diretamente pelo exercício profissional. O tema foi debatido também pelo ponto de vista da estrutura de apoio às mulheres agredidas, incluindo a Ronda Maria da Penha, o Departamento de Polícia Metropolitana e a Defensoria Pública.
“Não é mimimi”
Entre os dados apontados pela delegada Christhiane Inocência Coelho, diretora do Depom, mais de 90% dos casos de feminicídio são cometidos pelos companheiros das vítimas, quase 80% deles no próprio lar. “Dessas vítimas, 84% são pretas ou pardas. E isso não é mimimi, é uma realidade estrutural. Reflexo da sensação de que a carne mais barata no mercado é a carne negra”, reagiu a delegada na conversa mediada pela jornalista Carmen Vasconcelos.
Coube à major Tereza Raquel, comandante da Ronda Maria da Penha, expor a atuação da estrutura de apoio às mulheres em medida protetiva, incluindo ações voltadas para a conscientização das novas gerações e do público masculino. Segundo ela, a imprensa tem um grande poder na difusão de informações necessárias a fazer com que as mulheres saibam reconhecer os sinais de que estão vivendo relacionamentos abusivos (em todos os sentidos). No depoimento mediado pela jornalista Jaciara Santos, a major admitiu: “A maioria só procura ajuda quando a violência deixa marcas físicas”.
Na opinião da defensora pública Izabel do Carmo Martins, titular da 5ª DP de Defesa da Mulher, o crescimento das estatísticas sobre violência de gênero é um reflexo da maior visibilidade que o tema vem alcançando nos últimos anos, com a existência de redes de apoio e proteção que ajudam a denunciar as ocorrências e providenciar ajuda. Tendo como mediadora a jornalista Cláudia Correia, a defensora incentivou as mulheres a tentarem perceber sinais de que outras companheiras estejam sendo vítimas de violência, a exemplo do afastamento do convívio social. “É bom deixar claro que a Defensoria não nega apoio a ninguém, independentemente de estar ou não em vulnerabilidade financeira”, esclareceu.
A Roda de Conversa contou ainda com sorteio de brindes oferecidos por parceiros do sindicato (Clínica Vertebralle, Stoli Intimates, avaliação capilar com a tricologista Lilian Pinheiro e Intimidade Moda Íntima e Sex Shop). E um momento lúdico, quando Denise Nunes, do Espaço de Cura e Consciência – Spavo, organizou uma dança circular, prática integrativa de autocura e autoequilíbrio.