Mesmo afastado da executiva nacional do PT e do Palácio do Planalto, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu expôs uma proposta continuísta de poder do partido. Dirceu reforçou o caráter hegemônico do PT e gerou reações na oposição e entre apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno da disputa presidencial de 2022 ao dizer, em entrevista à RedeTV, que o petista deve concorrer à reeleição e o partido somar 12 anos no poder para concluir um projeto de desenvolvimento.
O ex-homem forte do PT e do governo também questionou a Operação Lava Jato e sua condenação por corrupção. Lula já é alvo de críticas de antigos adversários – que se juntaram a ele numa frente contra Jair Bolsonaro – por sua ofensiva contra a atuação do Banco Central e o tom de revanchismo em seus discursos.
A fala de Dirceu ampliou o afastamento com lideranças do centro e deu munição aos adversários da oposição. “O PT olha para o passado ou para o futuro distante em vez de olhar para o aqui e agora. Tem muita coisa para ser feita no presente”, disse o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, que apoiou Lula no segundo turno.
Presidente nacional do Cidadania, o ex-senador Roberto Freire foi na mesma linha. “Dentro da democracia qualquer cidadão pode sonhar com o que quiser, mas o autor dessa frase nunca foi muito adepto do processo democrático. O PT não tem a democracia como um valor universal, tanto que apoia ditaduras pelo mundo”, afirmou Freire.
‘Lulaquistão’
Alinhado ao bolsonarismo, o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e ex-ministro da Casa Civil, reagiu nas redes sociais à entrevista de Dirceu. “Não permitiremos a implantação do Lulaquistão!”, escreveu o parlamentar no Twitter.
Um dos mais ativos deputados do bloco de oposição no Congresso, o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) também repercutiu a entrevista do ex-ministro. “Estão à vontade para falar sobre o projeto de poder infinito que têm”, afirmou o parlamentar ao Estadão. “Impunidade e conivência do Judiciário, somada à omissão do Legislativo, garantem ao PT a blindagem necessária para revelar em público o que sempre foi seu plano de dominação política.”
“Vamos aos fatos: Após 12 anos de poder, o PT deixou um País com 13 milhões de desempregados, inflação de dois dígitos, quase quebrou a Petrobras e o BNDES e teve sua presidente impedida por pedalada fiscal. A Lava Jato desvendou o maior esquema de corrupção da história e dezena de bilhões de reais foram devolvidos aos cofres públicos”, reforçou o cientista político Luiz Felipe D’Avila, ex-candidato à Presidência pelo Novo.
Para o cientista político José Álvaro Moisés, a declaração de Dirceu é “normal e previsível” porque é preciso planejar em médio e longo prazo para lidar com problemas que, segundo ele, não se resolvem no prazo de um mandato. “Acho que é absolutamente normal que qualquer força política que tenha um projeto de pretensões políticas e sociais mais consistentes pense necessariamente em uma perspectiva de mais tempo”, avaliou.
“Isso não pode ocorrer com uma força política desejando alcançar esse prolongamento da sua presença no governo através de métodos autoritários que eventualmente bloqueiem a oposição”, observou Moisés. “Qualquer força política de esquerda, de direita ou centro, que se propõe a ficar mais tempo no governo, essa pretensão tem que respeitar absolutamente todas as regras.”
“Óbvio que José Dirceu carrega o estigma das condenações que recebeu, mas é um comentário natural para um político. É regra buscar a continuidade do seu projeto”, disse o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), contemporizando a declaração de José Dirceu
Porta voz
Em conversas reservadas, petistas dizem que Dirceu não deve ser visto como um porta-voz do governo nem do partido, e reclamam que o ex-ministro criou uma agenda negativa às vésperas da viagem de Lula à China.
Apesar de não ter cargo no PT, Dirceu ainda é uma liderança influente na sigla e emplacou o filho, o deputado Zeca Dirceu, como líder do partido na Câmara. No aniversário de 43 anos do PT, em fevereiro, Lula o chamou ao palco e o agradeceu. No evento em Brasília também estavam outros ex-presidentes do PT.
A defesa que o ex-chefe da Casa Civil fez da reeleição de Lula em 2026 está em linha com a narrativa da presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Pedro Venceslau, Rubens Anater, Isabella Alonso Panho e Daniel Weterman/Agência Estado