Um dos pontos cruciais da reforma tributária segue em aberto e ficou ainda mais nebuloso após as negociações políticas na Câmara dos Deputados: qual será a alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA)?
Um dos princípios do IVA, que vai substituir os tributos atuais, é ter base ampla, ou seja, incidir sobre o maior número possível de produtos e serviços, evitando diferenciações na cobrança dos impostos sobre consumo. Mas as negociações no Congresso para aprovar a proposta levaram a uma proliferação de exceções e regimes especiais. Para os tributaristas, a conta simplesmente não fecha.
Pela proposta aprovada na Câmara na madrugada da última sexta-feira, 7, o IVA será dual e vai substituir cinco tributos: um IVA para substituir os impostos federais (IPI, PIS e Cofins) outro para unificar os impostos estadual (ICMS) e um municipal (ISS).
“Evidentemente que, para manter o mesmo nível de arrecadação, que é o objetivo da reforma, só aumentando a alíquota”, afirma a advogada Renata Emery, diretora da área tributária do escritório TozziniFreire. Segundo ela, é difícil prever qual será o porcentual diante desse novo cenário: “Muito provavelmente maior que 25%”.
Esse era o patamar usado como referência pelo Ministério da Fazenda, antes da criação de tantas exceções. Ao Estadão, o secretário extraordinário da reforma, Bernard Appy, admite que os tratamentos diferenciados puxam a alíquota padrão do IVA para cima, mas destaca que a reforma reduzirá a sonegação — e que isso freia a alta do novo imposto. “São dois fatores concomitantes. Vamos fazer os cálculos com base neles”, afirma.
O combate à sonegação, segundo o secretário, se dará de diversas maneiras no novo sistema. As principais são a simplificação da cobrança de impostos (mesmo com as exceções criadas na Câmara, a nova tributação será muito mais simples do que a atual) e o maior grau de automatização — ambos reduzindo o espaço para litígios na Justiça.
Alíquota é ‘chute’
Para o tributarista Luiz Bichara, é impossível estimar qual será o porcentual da alíquota: “Sinceramente? Está todo mundo chutando”, afirma.
A avaliação é corroborada pela advogada Maria Carolina Gontijo, conhecida nas redes sociais como Duquesa de Tax. Com 67 mil seguidores no Twitter, ela posta regularmente vídeos respondendo a perguntas sobre impostos. No mais recente, explica que a reforma prevê a manutenção da carga tributária total, ou seja, que ninguém pague mais imposto. E questiona, já respondendo aos internautas: “Mas qual é a alíquota (do IVA) e por que ninguém fala? Porque ninguém sabe.”
Segundo ela, mesmo hoje, ninguém sabe ao certo o quanto é pago de imposto no consumo, já que o sistema é extremamente complexo. Isso só será calculado e regulamentado por meio de lei complementar, após a aprovação da reforma.
Na prática, a nova alíquota será a soma de três sub-alíquotas: federal, estadual e municipal. Nos 25% estimados pelo governo inicialmente, fala-se em 9% para a União, 14% para os Estados e 2% para os municípios. “Mas a própria União já enviou ao Congresso um projeto de lei dizendo que precisa de 12%. Só aí, já estamos em 28%”, alerta Bichara.
Fontes ligadas ao governadores estimavam, antes da votação na Câmara, uma alíquota mínima de 34%. Agora, com as novas exceções, “piorou um bocado”, diz um dos interlocutores.
Futebol e polo terão alíquota reduzida
Pelo texto aprovado pelos deputados, nove grupos de serviços e mercadorias terão alíquota reduzida, que será 40% da padrão (veja a lista abaixo). Dentre eles estão serviços de educação e saúde, transporte coletivo, produtos e insumos agropecuários, alimentos e atividades desportivas (como futebol, por exemplo).
A proposta também cria cinco regimes tributários específicos, que incluem combustíveis, serviços financeiros, imóveis, hotelaria, parques de diversão e restaurantes. E, no apagar das luzes, os deputados ainda ampliaram a imunidade tributária das igrejas, numa emenda que foi apelidada de cavalo de Troia, como mostrou o Estadão.
Bianca Lima/Estadão Conteúdo