O Museu é a Rua é um espetáculo que aciona três expressões da cultura: arte, educação e patrimônio, este como expressão ligada à memória, que aponta tecnologias e saberes afro-indígenas brasileiros como ferramentas afetivas e efetivas para decolonialidade. Neste caminho, a montagem produzida pelo grupo A Pombagem – que encerra neste sábado (24), às 14h, seu desfile cívico artístico pelo tecido urbano soteropolitano – resgata vida e obra do poeta, jornalista e advogado preto Luiz Gama e traz uma homenagem em vídeo exposição ao multiartista/pombo Ramon dos Santos, chamado carinhosamente de Perdido, vítima em 2020 das violências das ruas soteropolitanas.
A apresentação, gravada no Largo do Tanque, em praça pública que leva o nome deste guerreiro com grande importância para o povo preto e a sua libertação, será exibida na fanpage do projeto (https://www.facebook.com/omuseuearua/). “Com sabença profunda irei cantando/ Altos feitos da gente luminosa/ Que a trapaça movendo portentosa/ A mente assombra, e pasma à natureza!”. É com versos como este do poema “Lá Vai Verso!”, denúncias jornalísticas e ações advocatícias que Luiz Gama torna-se representativo para a periferia negra e para a história da intelectualidade brasileira.
Apresentado em formato de sarau periférico, com condução dramatúrgica do poeta de rua Fabrício Brito, em O Museu é a Rua o local da apresentação vira uma galeria de arte em que o monumento é a obra que dispara o discurso. Interpretado pelo pombo Jansen Nascimento, Luiz Gama tem sua vida e obra retratada a partir de uma leitura afrodiaspórica, periférica, social, poética e crítica dos integrantes do grupo A Pombagem, que trazem ainda seus versos e trovas burlescas, em poesias como “Bodarrada”, “Lá Vai Verso!” e “Quem sou eu?”.
(…)
O que sou e como penso,
Aqui vai com todo o senso,
Posto que já veja irados
Muitos lorpas enfunados,
Vomitando maldições
Contra as minhas reflexões.
(…)
Porém eu, que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.
Se negro sou, ou sou bode,
Pouca importa. O que isto pode?
Nesta quarta e última edição do projeto O Museu é a Rua, além de homenagear o poeta Luis Gama, o grupo A Pombagem homenageia através de um vídeo que expõe fotografias e trabalhos desenvolvidos pelo artista de rua Ramon dos Santos, chamado carinhosamente pelos pombos de Perdido. Espancado até a morte na Estrada Velha do Aeroporto em 2020, Ramon – também conhecido como índio, era um artista de rua, artesão, artista plástico, pernalta, palhaço e brincante da cultura popular.
Integrante e patrimônio artístico-histórico do grupo de arte popular A Pombagem, negro, periférico e multiartista, Ramon mantinha em si a energia da criança que sonhava em fazer teatro, apesar de todas as dificuldades. Com muita persistência e luta, atuou, dançou, tocou, cantou e vestiu perna-de-pau, além de ser um ótimo artista plástico, era ele quem confeccionava e construía boa parte dos cenários do grupo A Pombagem.
O projeto – que já passou pelos bairros de Fazenda Grande do Retiro, Liberdade e Lapinha – conta com uma exposição de fotografias que retratam o nosso patrimônio cultural e tem realizado rodas de conversas ao vivo transmitidas a partir das 19 horas, pelo Instagram do grupo A Pombagem (@apombagem). Neste sábado, 24 de abril, o bate papo será com o artista Toni Edson, da Associação Cultural Joana Gajuru, de Maceió – Alagoas, e tem mediação da pomba Meri Araújo, chamada pelo coletivo de Rainha.
Em O Museu é a Rua, o espetáculo se transforma em exposição e o público em visitante. Com poética ativista, o espetáculo traz uma visão crítica que ora valoriza e ora problematiza a memória exposta. Através da educação patrimonial, este espetáculo levante busca combater as tecnologias que estruturam as relações sociais e as tecnologias de manutenção do poder.
O projeto é contemplado pelo Prêmio Jaime Sodré de Patrimônio Cultural, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, com recursos oriundos da Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo, Governo Federal.
Foto-Hércules-Bressy