Assim que anunciou no Instagram de seu estúdio de ciclismo indoor que 38 bicicletas ergométricas estavam liberadas para locação, a empresária Priscilla Almeida, 39, viu todas serem rapidamente reservadas.
“Eu anunciei à noite e, na tarde do dia seguinte, já não tinha mais nada. Mas meu telefone continua tocando e não paro de receber pedidos por WhatsApp”, conta a sócia e fundadora da Ride State, academia no bairro da Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, que está fechada desde o dia 18 de março por causa da pandemia de coronavírus.
Não só os alunos se interessaram, mas também pessoas que nunca experimentaram os treinos oferecidos pelo estúdio. Para dar conta da alta demanda, Priscilla chegou a sublocar 14 equipamentos de colegas. “Mas foi pouco, queria ter conseguido mais.”
O aluguel mensal de cada bicicleta própria rende R$ 699 à Ride State. O mesmo preço é cobrado pelos equipamentos sublocados, mas, nesse caso, o lucro cai.
A receita gerada pelos alugueis cobre a folha de pagamento, já que a empresa não optou pela redução de jornadas e salários nem pela interrupção temporária dos contratos.
“Nosso faturamento em março teria ficado em 50% se não tivéssemos feito nada”, afirma Priscilla. Por ano, a empresa, fundada em 2016, fatura cerca de R$ 1,4 milhão. “Por causa do aluguel das bikes e do incentivo do Gympass, faturamos cerca de 85% do esperado.”
O Gympass é um aplicativo de assinatura de mensalidades ou de venda de diárias que permite ao usuário frequentar diferentes academias. Estas, em vez de receberem dos clientes, recebem do aplicativo. “O Gympass antecipou o pagamento referente a março e ainda aportou uma quantia correspondente a 50% da média histórica no mês”, explica a empresária.
Desde o fechamento das portas, apenas 2 dos 14 funcionários estão na ativa, trabalhando à distância. Os demais estão em casa e vão repor as horas não trabalhadas quando a academia voltar a funcionar.
A empresária também aderiu aos treinos online pagos e até ampliou o número de modalidades esportivas disponíveis. Além de ciclismo, funcional e dança, passou a oferecer ioga, alongamento e luta.
Os professores que ministram as aulas recebem créditos no banco de horas. Os treinos, ao vivo ou gravados, custam cerca de R$ 11 e são transmitidos por uma plataforma de internet.
Antes do novo coronavírus, a plataforma era usada para a venda de aulas pelo sistema pay-per-use, que dispensa matrícula e mensalidade. Servia, ainda, para o agendamento de horários. O processo continua o mesmo, mas, em vez de comparecer ao estúdio, agora o aluno se posiciona em frente ao computador ou à TV na hora marcada. O conteúdo não permanece disponível depois.
Para oferecer o serviço, Priscilla investiu R$ 3.000 em tecnologia e equipamentos típicos de estúdios de gravação, como luzes. “Quem quiser se destacar precisa ter qualidade de imagem e de transmissão.”
Os treinos online iniciaram em 3 de abril e sua venda ainda está lenta, segundo a empresária. “Poucos estão optando por pacotes, a maioria tem comprado uma aula de cada vez.”
Em Cuiabá (MT), o casal Juliana Piaia Pael, 44, e Emerson Pael, 47, dono da academia Proenergy Fitness Center, também recorreu à locação de equipamentos depois que a prefeitura decretou o fechamento de comércios e serviços, em 23 de março.
Com isso, 23 bicicletas ergométricas e 30 kits com cinco acessórios de ginástica, como step, caneleira e colchonete, foram parar nas casas de quem já era aluno, mas principalmente de novos clientes. “Achei isso bom, porque é mais gente que passa a conhecer a Proenergy e pode virar aluno depois”, afirma Emerson.
A escolha, no primeiro momento, recaiu sobre contratos de dez dias, mas agora eles já adotaram planos de 15 e 30 dias, respondendo ao enorme interesse do público. A diária das bicicletas custa R$ 20 ou R$ 25, dependendo do modelo. Já o kit sai por R$ 15.
Quem faz o controle financeiro do negócio, em funcionamento há nove anos, é Juliana. Não à toa, ela foi a primeira a defender a locação tão logo a ideia surgiu. “Teremos uma entrada de R$ 18 mil por mês dessa forma”, diz.
Em abril, também cairão no caixa da empresa cerca de R$ 45 mil em planos mensais, trimestrais, semestrais e anuais vendidos antes da pandemia. Como as transações foram por cartão de crédito, o pagamento está assegurado. “Ainda bem que sempre ofereci planos longos. Quem trabalha só com mensalidade está perdido”, avalia a empresária, que fatura R$ 1 milhão ao ano.
Para garantir que as contas continuem no azul pelos próximos dois meses, Juliana vem adotando todas as medidas emergenciais autorizadas pelo governo. A única coisa que evitou foi prorrogar o pagamento de impostos e contribuições para o FGTS e o INSS, para não acumular depois.
Estagiários e dois empregados em fase de experiência foram dispensados, enquanto os demais entraram em férias coletivas. Encerrado esse período, a empresária interrompeu provisoriamente o contrato dos sete funcionários restantes. Nem ela nem o marido estão recebendo o pró-labore (remuneração de cada sócio dentro do negócio).
Assim, o custo mensal foi reduzido a R$ 40 mil, ajudado pelo consumo zero de energia.
A situação atual fez o casal começar a pensar em um novo modelo de negócio, para ser eventualmente implantado após o término da pandemia.
“Locar equipamentos para personal trainners e alunos pode ser um novo nicho”, diz Emerson. E Juliana completa: “Talvez a gente possa abrir nossas aulas para os alunos se exercitarem em casa, acompanhando pela internet”.
Folhapress