As manifestações em defesa do governo Jair Bolsonaro (sem partido) convocadas para 7 de Setembro foram impulsionadas no Twitter por perfis com alta probabilidade de serem automatizados, os bots.
Dois relatórios produzidos pelo Pegabot, projeto desenvolvido pelo ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio), indicam o uso intensivo dessa ferramenta para impulsionar esse tema, o que vai contra as regras da rede social. Os dados também revelam que o número de bots publicando hashtags em apoio às manifestações cresceu 14% à medida que a data dos protestos se aproximava.
O primeiro relatório do Pegabot identificou 2.295 contas com alta probabilidade de serem automatizadas entre os dias 12 e 20 de agosto. O levantamento seguinte mostrou que esse número cresceu para 2.621 bots entre 22 e 30 de agosto.
De acordo com o relatório mais recente, esses perfis automatizados defenderam as manifestações do dia 7 publicando 81 mil posts sobre esse tema, o que representa 23% de todo o conteúdo analisado pelo Pegabot nesse período –aproximadamente 1 a cada 4 postagens. A equipe identificou ainda que, em 78,3% dos casos, o tuíte era, na realidade, um RT, ou seja, o compartilhamento de algum post feito por outro usuário na plataforma.
Os bots são utilizados como estratégia para disseminar uma informação —seja ela falsa ou verdadeira— de forma artificial pelas redes sociais. No último relatório, os dados colhidos pela equipe do ITS Rio mostram que a atuação desses perfis aumentou ao longo dos últimos dias, chegando ao seu ápice em 30 de agosto, data final da análise.
Os pesquisadores também identificaram vários perfis não automatizados, de usuários reais, que estavam, de fato, postando sobre o assunto. Por esse motivo, a conclusão é que os bots foram empregados para impulsionar o debate.
“A existência de contas automatizadas não significa que não exista um movimento orgânico de apoio a essa hashtag. Mas as contas automatizadas, pelo movimento coordenado de postar repetidamente milhares de mensagens, fazem com que a rede seja mergulhada nesse tema, incentivando o movimento orgânico”, explica Thayane Guimarães, pesquisadora em Democracia e Tecnologia do ITS Rio.
“Os bots dão a fagulha e mantêm a energia para a roda girar.”
Em agosto, o cantor sertanejo Sérgio Reis anunciou que estava organizando uma manifestação no início de setembro em favor do presidente Bolsonaro.
Esse ato também teria como objetivo derrubar os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e exigir a utilização do voto impresso nas próximas eleições presidenciais. Após o comunicado do cantor, que acabou sendo alvo de mandado de busca e apreensão em inquérito que investiga atos antidemocráticos, vários perfis no Twitter começaram a divulgar o evento.
PUBLICAÇÕES DE BOTS
Ao produzir os relatórios, a equipe do Pegabot também identificou contas com alta probabilidade de serem automatizadas disseminando conteúdos falsos.
Um perfil com 99% de probabilidade de ser bot publicou um vídeo que mostra policiais comemorando e cantando juntos. A legenda da gravação afirma que os agentes estariam se preparando para as manifestações do 7 de Setembro. Contudo, isso é falso. A cena foi tirada do seu contexto original para simular uma demonstração de apoio aos protestos.
Na realidade, o registro foi produzido durante a formatura de novos soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro —não tendo qualquer relação com as manifestações do 7 de Setembro.
Outro vídeo muito semelhante —que mostra um grupo de policiais cantando a mesma música, iniciada pela frase “escuta a terra tremer”— foi desmentido recentemente pela Lupa. O registro também era de uma formatura de soldados do Rio, mas circulou com o logotipo da PM de São Paulo e a frase “7/9 eu vou pra Paulista”.
Além de propagar conteúdos falsos, os bots também foram programados para atacar o STF ou os seus ministros. “O STF interferiu 123 vezes no executivo! ??”, publicou um perfil, que, além de mencionar uma hashtag em apoio à manifestação, também utilizou o termo #RenunciaAlexandreDeMoraes.
O ministro Alexandre de Moraes foi mencionado em outros momentos. Um perfil com alta probabilidade de ser bot tuitou o seguinte: “Se o Moraes quer encontrar com o PR Bolsonaro, deveria primeiramente soltar o deputado Daniel Silveira e o PR nacional do PTB Roberto Jefferson; tb deveria voltar atrás na desmonetização dos canais bolsonaristas! assim…evitaria a panela de pressão explodir!??”.
METODOLOGIA
Os relatórios do Pegabot analisaram mais de 508 mil posts publicados no Twitter que mencionaram ao menos uma das seguintes hashtags: #Dia07VaiSerGigante, #Dia7VaiSerGigante, #Dia07VaiSerMaior e #Dia7VaiSerMaior.
Foram verificados 29 mil perfis no primeiro levantamento e 48,5 mil, no segundo. A ferramenta do ITS Rio permite verificar a probabilidade de uma conta ser automatizada ou não. O Pegabot analisa os dados de cada perfil público disponível nas APIs do Twitter (forma como programas trocam informações entre si), como o nome de usuário, a descrição e o número de postagens realizadas.
Essas informações servem como base para que o Pegabot classifique as contas usando quatro critérios —temporal, usuário, rede e sentimento. Juntos, esses elementos indicam a probabilidade de comportamento automatizado de uma conta, dentro de uma pontuação de 0 a 100.
Quanto mais alto o valor, maior a chance de o perfil ser automatizado. Os dados levantados pelo ITS Rio referem-se a usuários que pontuaram com valor de, no mínimo, 70% de probabilidade de automatização na análise total do Pegabot.
Em nota, o Twitter disse que “não teve acesso ao levantamento e tampouco teve tempo de investigar o assunto de forma apropriada”, e, portanto, não iria comentar. “Ainda assim, nosso time está analisando as conversas em torno das hashtags e, caso encontremos alguma conta em violação às regras, tomaremos as medidas cabíveis”.
Nathália Afonso/Folhapress