O projeto da Cia Biruta de Teatro prevê a formação de jovens surdos e ouvintes na arte da leitura dramatizada
Democratizar o teatro e possibilitar o acesso da população a essa arte é uma das missões encaradas pela Cia Biruta de Teatro ao longo de mais de 15 anos de existência. Além do trabalho, que já desenvolve com a formação teatral na periferia de Petrolina, no sertão de Pernambuco, uma das maneiras encontradas pelo grupo para tornar isso possível é através da inclusão de pessoas surdas, não apenas na plateia, mas nos palcos dos seus projetos.
O grupo realizará neste final de semana, nos dias 20 e 21 de abril, às 19h, no CEU das Águas, em Petrolina, a mostra pedagógica da oficina “Medusas – Ciclo de Leituras Dramatizadas”. No evento, gratuito, o público vai poder conferir as apresentações de leitura dramatizada apresentadas por participantes ouvintes e também a performance de Fernando de Souza, um jovem surdo, que encontrou na oficina, uma maneira de se aproximar da arte teatral.
Fernando teve o seu primeiro contato com a Cia Biruta assistindo a um espetáculo do grupo com interpretação em Língua Brasileira de Sinais (Libras). “Meu primeiro contato com o grupo foi como espectador e, depois, quando cheguei à oficina, achei tudo muito curioso. É difícil a gente ter cursos de teatro com acessibilidade. A gente vê muitos ouvintes participando e os surdos à parte. Sofremos muito preconceito, porque falta acessibilidade, falta interpretação, falta inclusão e faltam as adaptações, porque são cursos preparados para ouvintes. Então, essa é a importância desse projeto da Cia Biruta. Eles trazem acessibilidade e inclusão. Assim, surdos e ouvintes podem participar desse movimento artístico”.
Para a sua apresentação neste domingo (21), o jovem, que sonha em ser youtuber, vai unir o conhecimento que já tinha sobre visual vernacular, um recurso de criação visual estética e poética, com o aprendizado adquirido na oficina. “Quando me entregaram o texto que irei apresentar, observei e fui linkando às minhas experiências de sinalização e de incorporação textual. Fui relacionando tudo o que aprendi na oficina com minhas experiências e entendendo a necessidade dos treinos vocálicos, algo que foi adaptado, por exemplo, para que eu compreendesse. Quando eu não compreendia, o professor pedia para eu tocar nele, assim, eu sentia o movimento e a vibração dos sons, para que eu conseguisse reproduzir. Desse modo, fui catando aquelas experiências e aprendendo sobre movimentação corporal”, explica Fernando.
O processo
Em todas as aulas Fernando conta com a presença de uma intérprete de Libras para mediar o seu aprendizado. “Como intérprete de Libras, a minha função é mediar a comunicação, fazer com que o que está sendo dito nas oficinas chegue até o Fernando e fazer a mensagem do Fernando chegar aos outros participantes e aos professores. Então, eu interpreto, demonstro e, junto com os oficineiros, criamos estratégias para tornar esse aprendizado acessível” relata a intérprete de Libras, Ely Vieira, que atua junto com Rita Silva na interpretação.
Uma das oficineiras do projeto e Cofundadora da Cia Biruta, Cristiane Crispim conta um pouco da experiência do grupo na oficina. “Pra gente tem sido muito bom poder oportunizar essa acessibilidade, porque ganhamos a oportunidade de gerar mais trocas dentro da oficina, a partir dessa diversidade. Em um encontro, por exemplo, o Fernando deu uma verdadeira aula sobre o visual vernacular e sobre as aproximações e os distanciamentos desse recurso com o teatro, trazendo uma reflexão de como a gente pode enriquecer nossos processos e a nossa criatividade, a partir desse encontro de culturas”.
De acordo com Cristiane Crispim, a iniciativa traz também grandes desafios. “É uma experiência desafiadora. A voz costuma ser vista como o grande foco da leitura dramatizada e, ao trabalhar isso, nós criamos as condições para incluir Fernando nesse processo. O que temos feito é pensar essas equivalências, entre corpo e voz. No caso dele, como esse corpo se comunica por si, com uma língua de outra modalidade, diferente da língua oral, através das imagens e sensações que ele pode provocar, junto com a sinalização”, pontua Cristiane.
O projeto conta com incentivo da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco (Fundarpe), por meio do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura Geral 2020-2021), e apoio da Prefeitura de Petrolina.
Novidade
As pessoas surdas que quiserem seguir o exemplo de Fernando ou Guilherme Silva, que foi aluno do Núcleo Biruta de Teatro (NBT), em 2023, e experimentar o fazer teatral, podem se inscrever para a temporada 2024 do NBT. As inscrições seguem abertas até o dia 22 de abril, através do link: https://forms.gle/CZ6zgXGPyyVT3RSa7.