Agro já adere a Lula e quem não vier ficará para trás, diz Geller, cotado para ministro

Um dos principais aliados do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para o agronegócio, o deputado federal Neri Geller (PP-MT) disse que a ala mais moderada do setor já cedeu e começou a procurar interlocução com o novo governo.

“Tem que conversar. A eleição passou. Se você representa o setor e não está satisfeito com algo, com o custeio, com a taxa de juros a 14%, o que é um absurdo, você tem que sentar na mesa e reivindicar”, afirmou o deputado em entrevista à Folha.

Apesar de reconhecer que uma parte do agro ainda segue ligada ao bolsonarismo, Geller afirma ter sido procurado por associações do setor e que “quem não vier vai ficar para trás”.

Vice-presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) e ministro da Agricultura no governo Dilma Rousseff (PT), Geller integrou o grupo responsável por reduzir a resistência do agronegócio ao petista durante a campanha eleitoral de 2022.

“Lula foi um grande parceiro, pegou o setor pelo braço e viajou o mundo inteiro, abrindo o mercado para produtos brasileiros”, argumenta Geller, que também é cotado para o Ministério da Agricultura.

eller também defendeu a versão mais recente do projeto de lei sobre agrotóxicos que tramita no Congresso.

“Ele [o relatório do projeto] traz na sua essência a modernização da legislação, mais rigor nos exames toxicológicos e, ao regulamentar os biotecnológicos, vai ajudar na redução do custo de produção, mas principalmente na questão ambiental, pois vamos ter controle biológico”, declarou.

O parlamentar teve o mandato cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em agosto após o Ministério Público Eleitoral apontar indícios de “triangulação de contas bancárias”, intermediada pelo filho de Geller, para captar doações de empresas e financiar a campanha do pai. Ele acredita que conseguirá derrubar a condenação e afirma que a reversão de sua situação é fundamental para que assuma um posto de destaque no próximo governo.

O setor do agronegócio foi majoritariamente a favor da reeleição de Bolsonaro. Qual a agenda do governo eleito Lula para se aproximar do setor? Eu acho que a primeira coisa é restabelecer a verdade. Sair do campo ideológico e vir para a prática. Lula foi presidente durante oito anos e nós conseguimos avançar em pautas importantes, renegociou as dívidas quando o setor estava praticamente quebrado, reestruturou todo o crédito agrícola, incentivou o investimento com juros subsidiados. Lula foi um grande parceiro, pegou o setor pelo braço e viajou o mundo inteiro, abrindo o mercado para produtos brasileiros. Eu conversei com várias lideranças. Muitas delas me ligaram. Muitas delas que estavam com Bolsonaro estão começando a recuar. Quando a gente sentar na mesa e mostrar que o que Lula e o governo do PT fizeram pela agricultura é infinitamente maior do que o presidente Bolsonaro…

Na campanha, Lula deu declarações polêmicas, como dizer que há uma parte fascista no agronegócio. Isso atrapalha a aproximação com o setor? Existiram, sim, alguns extremistas radicais que dificultaram o diálogo. E existem até hoje. Mas isso está começando a ser minoria. Os mais moderados já estão cedendo e estão começando a conversar, como a Aprosoja [Associação Brasileira dos Produtores de Soja], Abrapa [produtores de algodão], a ABPA [de proteína animal], OCB [de cooperativas]. Estamos conversando com eles. Então esse setor vai vir para dentro. E quem não vier vai ficar para trás.

O que significa ficar para trás? Muita gente já está vindo. As portas vão ficar abertas [para o restante], mas o tempo vai andando. Eles poderiam apresentar políticas na esfera de governo, apresentar a propostas para o setor. Tem que conversar, a eleição passou. Se você representa o setor e não está satisfeito com algo, com o custeio, com a taxa de juros a 14%, o que é um absurdo, você tem que sentar na mesa e reivindicar. Tem que sentar na mesa e defender o setor independentemente de quem seja o governo.

Mas tem uma parte ainda que é radical, inclusive alguns empresários estão financiando esses atos antidemocráticos. Como o senhor enxerga esse apoio a essas manifestações? É preciso que o Judiciário atue contra. Esses extremistas, que não respeitam a lei, precisam ser punidos.

O senhor cita entidades que estão se aproximando, mas a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] foi declaradamente a favor de Bolsonaro, e o João Martins [presidente da CNA] fez ataques a Lula. Há espaço para aproximação com a CNA? Não é toda a CNA que pensa assim. Há vice-presidentes que estão alinhados conosco. É mais fácil trazermos outras pessoas e, com os mais turrões, esperamos a poeira baixar.

Quais as principais propostas que o governo eleito tem para o setor? Avançar a nossa produção com foco na sustentabilidade. É incentivar o carbono positivo, que é extremamente importante para o meio ambiente para instituir uma política de crédito de carbono. Esse é um debate que a gente vai ter que fazer no próximo ano, nos próximos Planos Safra, inclusive para a gente remunerar isso, para ser um ativo econômico para o setor. Também queremos baixar as taxas de juros.

Quais outras prioridades que o senhor defende? No Congresso, tem a pauta do autocontrole [autoriza a contratação de empresas privadas para realizar a fiscalização sanitária da atividade agropecuária], o licenciamento ambiental e a lei de defensivo agrícolas, do jeito que está o relatório [final do projeto], que vai regulamentar a biotecnologia, que vai ajudar o meio ambiente e vai aumentar o rigor do exames toxicológicos.

Esse projeto ficou conhecido como PL [projeto de lei] do Veneno. Nós chamamos de PL do alimento mais seguro. Ele traz na sua essência a modernização da legislação, mais rigor nos exames toxicológicos e, ao regulamentar os biotecnológicos, vai ajudar na redução do custo de produção, mas principalmente na questão ambiental, pois vamos ter controle biológico. É quase que uma lavoura orgânica. E também traz a liberação de produtos genéricos, o que reduz o custo. Temos na fila hoje mais de 2.000 genéricos que não são liberados por burocracia. Isso vai movimentar a indústria brasileira.

Se o Congresso aprovar esse projeto com apoio do governo Lula, isso pode manchar a imagem do Brasil no mercado internacional? Estamos falando da versão que está no relatório. Se nós fizermos uma narrativa correta e olhar tecnicamente o relatório, ele é positivo do ponto de vista da imagem para fora [exterior], porque nós estamos modernizando, nós estamos ajudando o meio ambiente, e tendo mais rigor nos exames toxicológicos.

O meio ambiente, aparentemente, vai ser tema central do governo e perpassar várias áreas. O senhor já conversou com pessoas do meio ambiente da transição? A gente começou agora. Não tenha dúvida que vamos sentar com a [ex-ministra] Izabella Teixeira, com a própria [ex-ministra] Marina Silva —quando ela entrou na campanha do Lula, nós estávamos já com Lula.

Então o governo Lula vai ter que desconstruir a imagem de que o agronegócio é inimigo do meio ambiente? Claro que sim. E é isso que nós queremos fazer. Quem cometer crime ambiental, cadeia. Agora, quem trabalhar dentro da legalidade, por que não produzir?

Como será a relação com o MST, que parte do agronegócio acusa até de ser terrorista? Tem como mudar essa visão? Eu acho que qualquer governo tem que falar com todos os movimentos sociais, no governo do presidente Lula não teve invasão, não teve conflito agrário, a não ser eventualmente um aqui e outro ali. Não tem perigo, o MST é movimento social como existem outros. Quem trabalha fora da lei tem que ser punido, como o grande e médio produtor, se fizer desmatamento ilegal e cometer crime, tem que punido. Quem invadir terras produtivas o Lula não vai deixar isso acontecer.

O presidente diz que as invasões de terra só caíram drasticamente no atual governo. Pega os dados. Tudo fake [falso].

O Ministério da Agricultura deve ser dividido do Desenvolvimento Agrário? Qual sua posição? Eu acho que se pode criar o [Ministério do] Desenvolvimento Agrário para ter política mais específica, inclusive com relação aos programas sociais, como o programa de aquisição de alimentos. Mas dentro do conceito do governo não posso falar isso agora porque é discussão que está acontecendo na transição.

O deputado Pedro Lupion (PP-PR) é cotado para assumir a Frente Parlamentar da Agropecuária e ele é muito ligado ao presidente Bolsonaro. Como deve ser a relação com ele? Já estamos conversando. Sou vice-presidente da FPA hoje. Eles [membros da bancada] têm posição política e ideológica diferente do governo eleito, mas são pragmáticos. A nossa FPA é pragmática. Eles vão ajudar nas pautas de interesse do setor. E, nas pautas que são de interesse do governo, aos poucos vão se alinhando. Estamos fazendo interlocução para nos próximos oito ou dez dias a diretoria da FPA sentar com [o vice-presidente eleito, Geraldo] Alckmin para ajudar na transição. Já conversei com Alckmin, conversei com eles, obviamente que é um processo lento, não é de uma hora para a outra.

Como o senhor avalia as reações do mercado às declarações do ex-presidente Lula? Há um exagero? Acho que vai se acomodar. O que o mercado precisa entender é que tudo que investe no social volta para a economia, ajuda por si só a movimentar a economia.

Bolsonaro prometeu, em 2018, perdoar as dívidas do Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), mas não o fez. Isso deve ser uma pauta no governo Lula? Isso pode ser discutido. Mas a promessa foi do Bolsonaro. Aliás, essa é uma de tantas promessas que ele [Bolsonaro] não cumpriu.

O senhor teme que a revogação de decretos de armas do governo Bolsonaro possa impactar na relação com o governo Lula? O Lula já falou que é a favor do porte [de arma] dentro da propriedade. Mas uma pessoa comprar oito, dez armas de grosso calibre, acho que tem que ser revisto mesmo. Eu defendo o porte de arma dentro da propriedade, mas muito rigor fora da propriedade.

O senhor teve o mandato cassado pelo TSE, que diz que houve uso de triangulações de contas bancárias para captar doações de pessoas jurídicas para financiar a campanha. O senhor recorreu da decisão e é citado como possível candidato a assumir o Ministério da Agricultura de Lula. Esse impasse deve prejudicar seu nome na escolha? Eu não tenho uma vírgula para esconder. Os valores que recebi foram de soja e milho que eu vendi. É uma coisa sem pé nem cabeça. Meu filho que toca os negócios, eu emancipei ele aos 17 anos de idade. Eu tenho convicção que nos próximos dias eu serei absolvido. Eu entrei com recurso [embargos de declaração] e fui despachar com os ministros. Não tenho dúvidas que preciso resolver isso [para disputar vaga no ministério de Lula].

RAIO-X

Neri Geller, 54

Deputado federal, agricultor e empresário. Nasceu em Selbach (RS) e se mudou para Mato Grosso. Foi eleito deputado federal pela primeira vez em 2007, pelo PSDB. Foi ministro da Agricultura de Dilma Rousseff (PT). É um dos principais interlocutores de Lula com o agronegócio.

Thiago Resende, Julia Chaib e Matheus Teixeira/Folhapress