Argentina ganha da França nos pênaltis e é tricampeã mundial

O que pode ter passado pela cabeça de Lionel Andrés Messi Cuccittini, 35? Com a bola debaixo do braço, ele esperava os franceses cessarem a reclamação com o árbitro polonês Szymon Marciniak para colocá-la na marca do pênalti.

Pode ter pensado na importância daquele momento. Era, afinal, a final da Copa do Mundo do Qatar, no estádio de Lusail neste domingo (18), contra a então dona do troféu, a França. Talvez no confronto com Mbappé, seu companheiro de Paris Saint-Germain e candidato a sucedê-lo no trono de melhor do planeta.

Foi uma decisão que a Argentina, com futebol champanhe, derrotaria o adversário europeu nos pênaltis após um 3 a 3 incrível no tempo normal. Tornou-se o primeiro país sul-americano a ganhar o torneio desde o Brasil de 2002.

Por um décimo de segundo, Messi deve ter percebido que, em seu último jogo de Mundial, tinha a chance de se aproximar do seu maior sonho. Aquele desenterrado em vídeo gravado quando era criança nas ruas de Rosário, sua cidade natal. Ele dizia almejar defender a seleção argentina e ser campeão do mundo.

Para pensar em qualquer coisa, talvez tenha bloqueado em sua mente o som dos milhares de argentinos dentro do estádio e que foram mais uma vez maioria. Os mesmos que cantavam sem parar e, que aos dez minutos, gritaram “Diego” para lembrar Diego Maradona, morto em 2020.

O Mundial de 2022 foi o primeiro depois de seu falecimento. E foi conquistado, tal qual ele havia feito em 1986, por um camisa 10 da alviceleste, o jogador que ninguém mais pode colocar dúvida ser seu legítimo herdeiro: Lionel Messi.

Em um breve instante de egoísmo, pode ter pensado que converter aquele pênalti o faria ser artilheiro da Copa do Mundo (sete gols ao lado de Mbappé) e eleito o craque da competição. Isso puxaria outra imagem, a dele mesmo a subir lentamente as escadarias do Maracanã em 2014, após a sua seleção ser derrotada pela Alemanha na decisão.

O atacante foi eleito o melhor do torneio e, para receber o prêmio, teve de passar a poucos metros da taça de campeão do mundo sem poder tocá-lo.

Como a mente coleciona imagens que se relacionam, a lembrança das lágrimas que derramou naquela tarde no Rio de Janeiro o fariam pensar em outros choros. Como a das derrotas nas decisões na Copa América de 2015 e 2016,. Depois desta última, chegou a dizer que não atuaria mais pela equipe. Voltou atrás pouco depois.

Mas lágrimas em Lusail quem derramou mesmo foi Ángel Di María. O meia-atacante, surpresa na escalação e que parece sempre se lesionar em torneios importantes, desabou no choro ao fazer o segundo gol da Argentina aos 36. Completou para a rede um contra-ataque que passou pelo passe sem olhar de Messi, foi para De Paul e MacAllister antes de chegar no camisa 11.

A vantagem de dois gols, a maior em uma final de Copa no primeiro tempo desde o Brasil e França de 1998, foi demais para o técnico Didier Deschamps. Antes do intervalo, ele fez duas mudanças ofensivas. Colocou em campo Thuram e Muani. Ao ver a placa da alteração, Olivier Giroud, que sairia, parecia não acreditar.

Em seu último jogo em Mundiais, no maior tudo ou nada da sua carreira, a lembrança de Messi pode ter ido longe. Talvez em 2004, quando a AFA (Associação de Futebol Argentino) armou um amistoso às pressas do sub-20 contra o Paraguai apenas para que ele jogasse e, assim, anulasse a possibilidade de defender a Espanha, onde morava desde os 13 anos.

A correria foi tão grande que ninguém sabia sequer como encontrá-lo. Quando o funcionário da Associação achou seu pai, Jorge, disse que o filho, Leonardo, seria convocado. Os dirigentes não sabiam sequer o primeiro nome de Messi. Acharam que, como apelido era Leo, ele não poderia ser Lionel.

De frente para Lloris, o goleiro da mesma França que acabou com seu sonho nas oitavas de final em 2018, Messi, se prestou atenção, teve a chance de ouvir mais uma vez no Qatar a massa a gritar seu nome com os braços estendidos em movimentos para cima e para baixo, como quem adora um totem sagrado.

Estava tão concentrado que nenhum companheiro se aproximou. Nem Rodrigo De Paul, que teve uma das grandes atuações individuais de um jogador em final de Copa do Mundo.

Uma veneração que cresceu com o tempo. Lionel poderia ter pensado que, no passado, foi acusado de não cantar o hino, não se importar com a seleção, jogar bem apenas pelo Barcelona, não se empenhava pelo time como deveria.

Ou que estava prestes a apagar a decepção dos torcedores argentinos, “os melhores do mundo”, como definiu o técnico Lionel Scaloni.

Já com a bola no chão e ao ouvir o apito do árbitro polonês, Lionel Messi teve a chance de pensar que os traumas da seleção em 1990 e 2014, quando caiu na final, e seu fantasma pessoal em Mundiais, estava prestes acabar. Era algo que poderia deixar nervoso qualquer um. Mas ele mesmo já falou que medo mesmo, só sentiu quando era criança, pelo Newell’s Old Boys, e teve bater pênalti no dérbi contra o Rosario Central.

Na decisão de Copa do Mundo e contra a França, ele cobrou como se o futebol, para ele, fosse a coisa mais fácil do mundo. E é.

Pode ter passado pela sua cabeça que o jogo estava decidido. Como não? Mas Mbappé estava em campo, empatou duas vezes e pareceria que estragaria a coroação do argentino com o empate em 2 a 2 e a prorrogação.

Messi com certeza imaginou a injustiça de tudo aquilo e temeu a decepção em seu adeus. Mas serviu apenas para que ele, um dos maiores craques da história, fizesse um gol de centroavante, ao empurrar a bola pra além da linha após rebote de Lloris.

Lionel Messi esperou 16 anos e quatro Copas pelo momento da sua consagração final. Quando o polonês apitou pela última vez, ele teve certeza de que valeu a pena.

Alex Sabino, Luciano Trindade e Victoria Damasceno / Folhapress

Foto: REUTERS/Hannah Mckay/Direitos Reservados