Por Tiago Queiróz*
O estádio Manoel Barradas enquanto realizador de sonhos e transformador de realidades. Esse é o objeto de análise do projeto “Barradão, Antropologia e Sociologia”. A iniciativa é fruto do trabalho de um grupo de estudo oriundo da turma de MBA em Gestão Esportiva da Faculdade 2 de Julho . A ideia surgiu do administrador de empresas Luis Carlos Garcia. Rubro-negro de quatro costados, como se diz no popular, Luis é desde criança frequentador assíduo das arquibancadas do Manoel Barradas, paixão e hábito herdados do seu pai.
“A ideia surgiu de questionamentos e de tentar entender essa questão do sentimento pelo clube. Essa questão do Barradão é muito forte para mim, desde cedo…. Ainda no início da década de 90, caminhando pelo estádio e seu entorno, já começava a perceber as primeiras mudanças, um grande choque de realidade. Nessa época as questões sociais e ambientais eram ainda mais precárias. Era algo que impactava bastante. Então, ao longo do tempo pude ver uma melhora. Do clube Vitória, do Barradão e dos próprios moradores. É um case mundial de sucesso. Talvez único. Onde o Barradão é uma alavanca social que transformou o Vitória e a vida das pessoas que moram no seu entorno”, explica Luis.
“É muito importante as pessoas saberem disso. Eu pude perceber ao longo dos anos, conversando com a própria torcida, que muita gente não conhece a história do estádio Manoel Barradas. É importante que a torcida conheça e que possa sentir o Barradão, a ferramenta que o Vitória possui, como realmente algo emblemático e que serve para nos alimentarmos de sentimentos mais forte pelo nosso clube, pela nossa cidade e pelo nosso bairro. Então, o projeto é esse. Vamos conversar com pessoas, procurar histórias para ver se a gente consegue registrar e documentar toda essa história. As pessoas, torcedores do Vitória ou não, precisam saber como é importante um clube de futebol na mudança de vida de milhares de pessoas”, completa.
O também administrador de empresas e coordenador do MBA em Gestão Esportiva da 2 de Julho, Wilson Manoel, explica que “o projeto entende que ao longo desse últimos quarenta anos a inciativa do Vitória e da população de Canabrava, do entorno de então “lixão”, foram significativas demais para toda cidade de Salvador, não só para aquela região”.
“Do ponto de vista social, de crescimento e de sustentação econômica, pois várias famílias viveram e ainda vivem da economia formal e informal, geradas a partir do Barradão. Do ponto de vista esportivo, também: o Vitória era conhecido como “Vitória da Bahia” e depois do Barradão passou a ser respeitado na CBF e demais públicos de interesse do futebol brasileiro”, ressalta Wilson.
“Há um crescimento do clube e do entorno social, através do Barradão. As avenidas bem asfaltadas e alargadas, toda pavimentação do entorno…As histórias belíssimas e culturais advindas desse ascender e reacender da população que somente foi possível através da existência do Barradão. A contribuição que o nosso projeto pode dar é exatamente reunir, através da coleta de material, e publicar. Colocar essa história à disposição de todos”, finaliza.
História – Conselheiro do Vitória por 37 anos e membro do Conselho Fiscal do clube por 24, o administrador de empresas, Carlos Amaral, 63 anos, é o que podemos chamar de testemunha ocular da história.
“Minha história no Vitória começou em 1964 quando fui levado por meu pai à velha Fonte Nova para assistir a uma final de campeonato baiano onde o Vitória ganhou do Bahia por 2 a 1. A partir daí comecei a frequentar cada vez mais assiduamente. Em 1971 ganhei uma cadeira cativa e não deixei mais de ir. Me envolvi então com alguns movimentos de torcida que na época era algo bem diferente do que a gente vê hoje. Era algo bem mais pacífico e tranquilo”, conta Amaral que ingressou no Conselho Deliberativo do rubro-negro baiano no ano de 1979.
Em 1979 me tornei conselheiro do clube e lá fiquei até 2016. Nos meus últimos 24 anos como conselheiro pude participar do Conselho Fiscal e viver de perto toda realidade interna do clube.
De acordo com o antigo conselheiro, suas primeiras incursões ao bairro de Canabrava foram ainda nos anos 70, quando o local era utilizado apenas como concentração. “Comecei a frequentar o Barradão no início dos anos 70. Era um local terrível: cheio de urubu, mosca… Só tínhamos acesso pela Estrada Velha do Aeroporto. Aquela área que hoje dá acesso à Canabrava, pelo São Rafael, era um imenso lixão. Um mau cheiro. Não sei como os jogadores aguentavam concentrar ali. Algumas vezes, aos sábados, estive na concentração do Vitória. Ia bater um papo com jogadores, com pessoal da imprensa… E essas foram as minhas primeiras experiencias no local”, recorda.
Amaral ressalta que as transformações na localidade começaram a se acentuar em 1985, quando o estádio fora inaugurado: “Naquela época a nossa sede tinha acabado de sair dos Barris para o Piatã Clube.. O entorno, até então, não tinha tido muita mudança em relação aos anos 70. Ainda era bem complicado… Com muito lixo, muito catador… Um ambiente nada salubre e que convidasse o torcedor a ir para lá. No entanto, quando eu vi a bola rolar naquele primeiro jogo Vitória x Santos eu confesso a você que as lagrimas desceram. A emoção foi muito grande de saber que a gente tinha o nosso estádio próprio”.
“Se vocês assistissem ao que assistimos há 30 anos atrás e forem lá hoje…. Atualmente é um bairro de periferia de Salvador, mas totalmente diferente da estrutura de outrora quando era realmente um grande deposito de lixo. O Vitória foi o nucelo de toda essa transformação. Em torno do estádio criou-se uma comunidade. Muita gente dessa comunidade acabou sendo empregada no Barradão. Gente que acabou jogando no Vitória como é caso de Alex Alves, que era catador de lixo e virou jogador do clube. Sem falar em todo aquele público que gravita em torno do estádio, desde os guardadores de carro até os vendedores de cerveja e churrasquinho e tudo que a gente vê na parte externa do Barradão”, emenda Amaral.
A importância do projeto “Barradão, Antropologia e Sociologia” é salientada por aquele que de fato vivenciou o objeto de estudo: “Esse trabalho é extremamente interessante porque faz com que a gente compreenda que o Vitória atuou muito mais do que como um clube de futebol. Aliás, um clube de futebol que nasceu aristocrático, na zona mais nobre da cidade e acabou se inserindo numa comunidade eminentemente popular como é de Canabrava e que hoje se chama Nossa Senhora da Vitória”.
O projeto “Barradão Antropologia e Sociologia” surgiu em dezembro de 2020. A iniciativa, idealizada pelo administrador de empresas Luís Garcia, conta com a participação de profissionais de diferentes áreas da sociedade civil. O projeto é supervisionado pelo coordenador do MBA em Gestão Esportiva da Faculdade 2 de Julho Wilson Emanoel. Mais informações podem ser obtidas através do Instagram do grupo: @barradaoseulegado
* Tiago Queiróz , torcedor e jornalista