Quis o destino, por intercessão divina ou não, que Alberto José Costa Borba, mais conhecido pelo nome artístico de Bel Borba, fosse o nome escolhido para dar forma a “baiana de Amaralina”. Baiano de Salvador, embora cidadão do mundo, o artista plástico, enveredou pelas esculturas ainda na década de 80. Aos 63 anos, coleciona participação em exposições por todo o mundo. “Participei de diversos salões no Brasil, na Bahia…. Tenho feitos alguns monumentos aqui na cidade. Já há uns 20 anos dedico parte do meu trabalho a experiências fora do Brasil, mas sem deixar de estar presente em minha cidade. Tive a oportunidade de fazer ano passado um monumento em Madrid em homenagem aos refugiados. Fiz também algumas intervenções em esculturas na cidade de Nova Iorque. Atualmente, me dedico a pintura, escultura, murais, mosaicos…”, diz o artista
Em entrevista ao Nordesteusou (NES), Bel Borba falou sobre o trabalho de idealização do monumento e sobre esse importante expoente da nossa cultura imortalizada em sua obra no Largo que recebe o nome de “Largo das Baianas”. “Quis que ela parecesse uma coisa divina”, disse Bel. E conseguiu.
Confira a entrevista:
Como e quem partiu o convite para a realização dessa escultura?
O convite veio da Fundação Gregório de Matos. Na verdade, isso é uma homenagem que a cidade e o prefeito estão fazendo… Eu fui apenas o artista que criou a peça parar representar a baiana à minha maneira. Tenho muito orgulho de ter sido o artista escolhido para homenagear as baianas, que além de exóticas, pitorescas e um dos símbolos da Bahia, ela goza de um carinho especial entre nós baianos. Conheço pessoas que todos os dias comem um acarajé, às cinco horas da tarde. Eu não como mais porque a idade já não me deixa tanto, mas eu gosto muito.
Como foi a concepção da escultura? De onde partiu a ideia?
Todos nós baianos, independente de crença ou religião, somos muito bem familiarizados com o ícone da baiana do acarajé. Evidentemente que quando um artista resolve representar, ele representa o que chega até ele, o que ele acaba assimilando com o tempo. A sua iconografia particular. Claro, que respeitando alguns cânones. Exemplo: agora me fizeram um pleito que ela tivesse uns colares. Eu olhei bem e percebi que realmente era uma coisa boa. O pleito inclusive partiu de uma baiana. Não vou poder atender a todos os pleitos, mas esse acho é pertinente. Os colares fazem parte da iconografia da baiana. Então, resolvi absorver.
Diziam que ela deveria ser pintada de negra…Eu acho que a identidade africana dela está nos traços do rosto que é inspirado em mascaras africanas. Sou muito bem familiarizado com a fisionomia do homem e da mulher negra, com o tipo africano… Alguns parecem entidades divinas. Acho que ela está muito bem representada como mulher negra, independente da cor. Como dizem alguns colegas, o branco e o preto não são cores, mas sim valores.
Outros pitacos: porque não botou um batom? porque não fez ela rindo? Eu quis que ela ficasse imaculadamente uniforme. Esse branco não remete à cor da pele, mais sim à pureza. Cabe ao artista saber dentre os pitacos, sugestões e críticas, o que vale a pena aproveitar.
Quem é essa baiana?
Na realidade é como dizia Carybé: “Faça o que você lembra”. É assim que eu faço as minhas representações. Eu estou representando uma baiana preparando a sua massa do acarajé. É uma etapa importante dentro do processo. Resolvi valorizar o processe que é o feitio da massa. Isso é uma escolha minha. A gente pensa numa baiana e o que você lembra é o que você representa. Eu penso, fecho os olhos, e o que mais me tocou foi o que eu coloquei.
É o que está em meu imaginário. Quando o artista faz, ainda que com o compromisso de representar, ele não pode abrir mão de como aquilo chega até ele. Isso é o que diferencia um artista do outro.
Como essa escultura soma na valorização da própria cultura do bairro?
Primeiro que é uma homenagem justíssima às baianas de acarajé, que é uma fatia expressiva e exótica, e pitoresca da nossa cultura. A baiana é indiscutivelmente uma referência muito forte em nossa cultura, na culinária, na identidade brasileira, africana, na religião… A roupa da baiana do acarajé é inspirada nas indumentarias do candomblé.
O que candomblé trouxe de inspiração na confecção dessa baiana?
Minha mãe disse que eu sou de Oxalá. Me identifico muito com o Oxalá jovem que é Oxaguiã. Mesmo não sendo um frequentador assíduo das cerimônias de candomblé, todos nós somos sensíveis e respeitadores de uma cultura tão exuberante como essa. Eu acho fantástico essas divindades e essas forças que representam sempre as forças da natureza. Isso para mim é de uma beleza fantástica.
Essa peça em especial eu quis que ela representasse a baiana de acarajé que existe em meu imaginário, evidentemente contemplando os sinais que remetem a esse personagem da nossa cultura, mas além disso também quis também que ela parecesse uma coisa divina. Essa foi a minha preocupação principal. Eu quis que algum leigo ou turista olhe e chegue a confundir a baiana com a alguma divindade. Esse é ponto mais forte do meu trabalho.
Como foi definida a posição dela? Ela poderia estar olhando para o mar….
Preferi que ela estivesse de frente quando as pessoas chegassem aqui, seja no carro, nos coletivos, de bicicleta ou caminhando. Eu achei que é por aqui que se entra em Amaralina. Um momento muito importante aqui é depois que o sol se põe e o ceu fica escuro e ela acaba contrastando. Por mais luz que tenha aqui nunca vai escurecer o blackout de luz do mar.
Como você via a situação de abandono desse que era considerado um dos mais tradicionais pontos turísticos e de venda de acarajé de Salvador?
Já vi isso aqui nos bons momentos…Quando tinha aqui aquele quiosque redondo… Sempre frequentei muito isso aqui em minha juventude. Acho que Amaralina estava merecendo uma atenção especial e diferenciada. É uma praia geograficamente muito linda. Tudo indica que vai ficar muito bom…
Existe alguma relação sua com o bairro? Você era frequentador da orla de Amaralina?
Tive um relacionamento de muitos anos com uma ex-mulher minha que morava aqui na região. Minha atual mulher também cresceu aqui…Já surfei muito aqui quando era jovem…Toda a costa me atrai. Sempre dei prioridade aos caminhos pela orla. Prefiro fazer um caminho mais longo e passar pela orla. Também morei aqui na Pituba, no Rio Vermelho… Digo com a maior tranquilidade que me sinto a vontade em qualquer setor aqui da minha cidade. Sei me dar com esse povo, sei chegar, sempre com respeito e muita intimidade.
*Matéria publicada originalmente no Nordesteusou