Carlos Amadeu: das ruas de Amaralina para os campos do mundo

Carlos Amadeu Nascimento Lemos nasceu em Salvador no dia 6 de setembro de 1965. Foi o quinto em uma família de sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres. Família essa sempre envolvida diretamente com o esporte: seu avô praticou atletismo e remo, enquanto que seus pais jogaram volleyball. Seu outro avô, Bráulio Nascimento, foi um dos fundadores do Esporte Clube Bahia.

Além do seio familiar, a paixão pelo futebol foi despertada nos acirrados “babas” disputados em Amaralina, bairro onde fora criado. “Tive a oportunidade de frequentar vários esportes e me identifiquei com o futebol. Ingressei no mundo da bola, através da influência da família e da rua onde morei, em Amaralina. Tinha muito acesso à praia e ao futebol de rua.  Jogávamos ali na Rua do Balneário. Onde antigamente funcionava o Colégio Anchieta era a casa de Ricardo Braga, filho de Aristarco Dantas. Lá tinha um campo de futebol. Tinha também a casa de Jaiminho Vilas Boas, no final de linha de Amaralina, no Largo das Baianas. Tinha também uma quadra ali entre a Visconde de Itaboraí e a Braúlio Nascimento (em referência ao avô de Carlos Amadeu), na antiga Associação dos Servidores,”, lembra o saudoso “Gordinho”, como era conhecido entre os amigos.

O talento mostrado durante as pelejas nas quadras do Colégio Teresa de Lisieux, onde estudou, chamaram à atenção de Delmar Santana, que além de professor de Educação Física era técnico do sub-17 do Bahia. “Joguei futsal na escola, no Teresa de Lisieux, onde tinha um campeonato muito forte. Dali saiu também Marcelo Chamusca, Péricles Chamusca, Nelsinho Góes… Eu, torcedor do Vitória, acabei indo para o Bahia justamente por essa influência. Eu tinha 17 anos na época”, explica. No Bahia integrou as equipes do sub-17 e sub-20. Em 1984, aos 19 anos, já figurava no banco de reservas da equipe profissional na final do campeonato baiano sob o comando de Osny Lopes. Entretanto, um desentendimento com Paulo Maracajá, então presidente do tricolor, abreviou sua primeira passagem pelo Fazendão. Amadeu acabou então profissionalizando-se no Galícia, onde ficou até 1987. Pelo azulino, foi eleito o melhor lateral-esquerdo do Baiano de 1987 e acabou convocado para a seleção baiana.

“Tive um problema com Maracajá. Na época o atleta era escravo. Era a agonia de um jovem querendo fazer o seu primeiro contrato profissional e o dirigente amarrando a coisa no seu tempo. Como eu tinha uma mentalidade mais pra frente, simplesmente não quis me sujeitar ao valor que ele queria dar. Tempo depois, Maracajá encontrou com meu pai e falou que gostaria que eu retornasse. Fui então falar com ele. Ele me disse que Evaristo iria me olhar e que se não tivesse interesse, eles me dariam meu passe. Evaristo gostou e mandou fazer meu contrato”, conta.

Em sua volta ao Esquadrão, pode-se dizer que Carlos Amadeu foi do céu ao inferno, como ele mesmo relata: “Na base do Bahia meus contemporâneos eram João Marcelo, Charles… Fiz minha formação com aquele elenco que foi campeão brasileiro e que começou a ser montado em 1986. Vivi todo aquele processo. Em 1988, voltei, fiz toda a preparação para o estadual, mas tive uma serie de lesões. Se por um lado, foi uma grande felicidade ter participado daquele grupo e ter vivenciado toda a formação daquele time, por um outro, foi também uma grande frustração por não ter conseguido jogar”.

Em outubro de 1988, após uma fratura exposta o jovem lateral tomou a decisão de parar. O sonho de jogador profissional ficava de lado. Era hora de mudar o foco. Mesmo atuando profissionalmente, jamais os livros foram deixados de lado. Os estudos eram uma preocupação que a família tinha, principalmente, sua mãe. Os conselhos maternos acabaram sendo decisivos para que o jovem Amadeu superasse o prematuro fim da sua carreira de boleiro.

“Consegui fazer bem essa transição… No início dá muita saudade, muita nostalgia…Já fazia o curso de Educação Física. Nunca parei de estudar. Então, em paralelo ao futebol mantive os estudos em dia. Logo quando me formei comecei a trabalhar na área. Montei uma escolinha de futebol no Clube Português da Bahia. Em 1989 também fui para a Alumínio Canadense, uma empresa multinacional que tinha uma filosofia de esporte dentro da indústria e fora dela. Fiquei três anos e meio nessa empresa. Uma experiencia muita positiva”, relembra.

A volta ao futebol aconteceu em 1991, quando recebeu um convite para assumir a preparação física do Vitória. “No ano seguinte virei treinador do sub-17. Trabalhei com Alex Alves, Paulo Isidoro, Vampeta, Dida… Depois veio aquela leva do Bahia, que na época deu um escândalo muito grande: Rodrigo, Flavio, Bebeto Campos, Fabio Costa… Tive uma safra de muita qualidade. Fiquei de 1991 até 1995. Saí e fiquei 4 anos trabalhando somente com Educação Física e futsal escolar. Em 2000 fui para o Bahia, onde fiquei até 2005. Saí do Bahia e fiquei mais 3 anos fora do futebol.  Em 2009 voltei para o Vitória e fiquei até 2015, quando recebi o convite para  a seleção brasileira”.

Veja outros trechos da entrevista

Seleção brasileira

“Foi motivo de muito orgulho porque as pessoas falam tão mal do processo da CBF e, de repente, uma pessoa da Bahia chega lá… Quando chegou o convite pensei em não ir… Imaginei o que poderia estar me esperando por lá. Mas nesse momento eu abri e cabeça e pensei: se chegar lá e encontrar alguma coisa que não me agrade eu não fico. 

Foi uma surpresa muito positiva. Peguei um momento muito bom, de abertura da CBF, de mais transparência… Apesar de ter estourado algumas bombas, a parte do futebol não teve nenhum envolvimento. Nunca sofri nenhum tipo de intervenção. É muito melhor de se trabalhar do que em clube. O dia a dia do clube tem muito mais interferências do que na seleção. Nunca tive que apresentar nenhuma lista de convocação minha para ninguém. Nenhuma influência de patrocinador ou empresários, como as pessoas falavam.

Nunca achei que, por ser da Bahia eu tinha que convocar mais jogadores daqui do que do Rio de Janeiro, por exemplo. Eu tenho que ser justo e dentro da justiça, eu sei que vou cometer algumas injustiças, mas tenho que minimizar.

Buscava o melhor para a seleção e para o futebol brasileiro. Chamei vários atletas do Bahia e do Vitória:  Ramires, Luan, Dimitri, João Pedro, Eron… Convoquei até jogar da Luverdense. Tive jogador de Pernambuco, do Rio Branco de Americana…”

Estrutura de base do futebol baiano

“Muito melhor que na época em que eu iniciei. Hoje, você tem no Bahia e no Vitória, excelentes estruturas tanto no que se refere a profissionais qualificados como estrutura física. Na minha época você tinha abnegados e uma estrutura amadora. Na década de 90, Bahia e Vitoria foram os grandes pioneiros na formação de base do Brasil.  Quando falo formação de base, digo uma qualificação melhor dos profissionais e uma visão de participar de competições a nível internacionais. O processo de captação era muito agressivo nesse trabalho. Daqui saíram grandes profissionais que trabalharam na base e hoje estão a serviço no Brasil e no mundo, como Péricles Chamusca, Marcelo Chamusca, dentre outros”.

Transição: Base x profissional

“A base não revela ninguém. A base forma. O trabalho do treinador e de todo o contexto que envolve a formação de atletas é de preparar essa pessoa.  De que forma a gente prepara? Com qualidade nos treinamentos e nos profissionais que o cercam seja o treinador, o preparador físico, seja a psicologia, seja a nutrição, seja a estrutura que o clube oferece, seja o tipo de formação que se trabalha com esse atleta fora do campo e com a parte educacional. Tem também a família, e hoje, os representantes (empresários). Todo esse contexto está envolvido na formação do atleta.

Quem vai revelar é o profissional.  O momento em que você tira da base e leva para o profissional… Que momento é esse? Cada um tem seu tempo.  O que recomendo é que esse atleta passe por todos os processos, por todos os torneios que base oferece e por todas as categorias.

E no caso daquele jogador extremamente talentoso, também é necessário que passe por tudo isso, mas que tenha o seu processo acelerado. Ele não pode ficar muito tempo numa categoria que não desafia ele, senão ele se acomoda.

A grande questão entre a base e o profissional, é que não tem como se reproduzir a pressão da imprensa e da torcida. Quando chega no profissional, a cobrança da imprensa e a tolerância ao resultado ela é desproporcional. Sobrevivem, em muitas das vezes, os mais fortes mentalmente. Naquele grupo de 2012 do Vitória, campeão da Copa do Brasil sub-20, tinha jogadores extremamente talentos que se perderam nesse processo. Foram quatro para seleção brasileira sub-20”.

Referencias profissionais

“Vários. Acho que fui abençoado por ter tido oportunidade de trabalhar com várias pessoas que deixaram alguma coisa de positiva. Como atleta, fui dirigido por Evaristo, Abel Braga, Delmar… Tive a possibilidade de trabalhar ao lado de Marcelo Chamusca, de Péricles Chamusca… Cada um vai deixando uma sementezinha. Tive agora recentemente a oportunidade de trabalhar ao lado de Tite, de Dunga… Teve também aqueles que não trabalhei diretamente, mas que exerceram alguma influência, tais como:  Telê Santana e Zagalo…Hoje, admiro muito, além de outros técnicos brasileiros, Guardiola que deixa um legado em termos de jogar futebol. Queria citar também, Rugles. Um cara que jogou futebol comigo e trabalhou comigo no futsal. Foi uma grande referência para mim de liderança e com quem aprendi muita coisa”.

Relação com imprensa

Minha relação com a imprensa sempre foi muito aberta, tranquila, franca e verdadeira. Entendo as críticas de forma tranquila. Cada um tem sua opinião e você tem que aprender a aceitar a opinião dos outros. O que não vou jamais admitir é falta de respeito, nem pessoal e nem profissional.

 “Costumo contar uma historinha para os meus atletas: a mídia ela precisa vender, para vender precisa contar uma história e a história é mais ou menos como um filme onde você tem o vilão e o herói. A história passa sempre por isso aí. Todo jogo é uma história para a imprensa esportiva, com seu herói e seu vilão. Em muitas das vezes o herói não pode se sentir herói e que o vilão também não se sinta vilão. Trabalho sempre dessa forma. Quando vou bem não me acho o melhor do mundo e quando eu falho também não me sinto o pior. Tenho consciência que fiz o meu melhor sempre”.

Bahia x Vitoria

Nasci Vitória. O Vitória foi a minha escolha. Como fui jogar no Bahia, acabei adotando também o Bahia em meu coração. Tenho uma família muito vinculada ao Vitória: minha mãe, meu pai e meus irmãos. Minhas irmãs são Bahia. Meu avô foi remador do Vitória, minha mãe jogou volleyball pelo Vitória e meu pai foi diretor e supervisor do clube nos anos 80. Meu irmão passou um período na base do Vitória, meu filho é treinador do sub-15 e o outro está jogando pelo sub-15. Minha relação com o Vitória é muito extensa.

Já com o Bahia, vem de meu avô, Bráulio Nascimento, que foi um dos fundadores do Bahia. Além de eu ter jogado pelo clube. Como sou baiano, defendo as cores da Bahia.

Volta ao Vitória.

É uma gratidão ao Vitória. Não voltei por questão política, mas sim pelas cores do Vitória. É um clube que sempre me abraçou e sempre me deu oportunidade. Pela minha história com o Vitória não tinha dúvidas que seria o primeiro clube a me oportunizar no profissional. O Vitória já havia me convidado três vezes. Duas vezes na série A e a terceira vez na saída de Marcelo Chamusca. Estava em debito com o Vitória.

Demissão

Do trabalho, o que eu diria, basicamente, é que foi a primeira experiencia como treinador efetivo de uma equipe profissional e acho que foi bem-sucedida, apesar de permanecer apenas 9 jogos. Mas em face à situação em que eu encontrei o Vitória, em 20º lugar e com apenas 12 pontos, a gente conseguiu um feito positivo, que foi em sete jogos conquistarmos 13 pontos. Quando eu sai, deixei o Vitória na 15ª posição e com a autoestima elevada. O fator negativo foram as duas derrotas em sequência, mas creio que não seriam o fator motivador da minha saída. O momento conturbado do clube, politico e econômico, e que faz muitas vezes a direção tomar um rumo que não é o tradicional. A gente fica triste por ter saído, mas também a gente da uma sequência em nossa vida. Agora é olhar para novos horizontes e buscar novas conquistas. Estou em contatos com algumas equipes, sobretudo, de fora do país, em busca de fazer minha recolocação no mercado.

* Carlos Amadeu possui graduação em Educação Física, pós-graduado em treinamento desportivo e técnica em futsal. MBA em Gestão Esportiva. Professor universitário. Possui “Licença Pró” na CBF (nível mais alto para formação de treinador no Brasil”.

É também membro de Academia de formação de treinadores da CBF.