O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), deu 48 horas para o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestar-se sobre o sigilo do vídeo da reunião em que o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado de demissão o então ministro da Justiça, Sergio Moro.
O ex-juiz da Lava Jato citou o encontro em depoimento prestado à Polícia Federal no inquérito que investiga a veracidade das acusações que ele fez contra o chefe do Executivo ao anunciar que deixaria o governo.
Segundo Moro, as afirmações de Bolsonaro na reunião ministerial ocorrida no último dia 22 demonstram que o presidente pretendia interferir na autonomia da PF, o que é proibido por lei.
Além do desejo de trocar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, na ocasião Bolsonaro também teria expressado o interesse em mudar o superintendente da PF no Rio de Janeiro.
Celso de Mello solicitou a manifestação da PGR, da defesa de Moro e do advogado-geral da União, José Levi, sobre a publicidade da gravação.
Nesta terça-feira (12) pela manhã, o ex-ministro e integrantes da procuradoria-geral, do governo e da PF assistiram ao vídeo “em ato único”, como determinou o ministro do Supremo.
Pessoas que assistiram à gravação relataram que, na ocasião, Bolsonaro vinculou a mudança do superintendente da PF do Rio a uma proteção de sua família.
De acordo com esses relatos, Bolsonaro usou, na reunião, o verbo “foder” ao falar do impacto de uma possível perseguição a seus familiares.
O chefe do Executivo disse ainda que, antes de chegarem a seus parentes, trocaria todos da “segurança” do Rio, o chefe da área e até o ministro —na época, o da Justiça era Sergio Moro, que deixou o governo dois dias depois da reunião ministerial.
Na interpretação de quem assistiu ao vídeo, as palavras foram um recado a Moro.
De acordo com investigadores da PF, o vídeo complica a situação de Bolsonaro e dificulta eventual arquivamento do inquérito por parte de Augusto Aras.
Na avaliação deles, não há dúvidas de que Bolsonaro busca intimidar Moro em suas palavras.
Na reunião, além das intimidações a Moro, ministros presentes teriam feito críticas tanto ao Supremo quanto ao Congresso. O comentário foi o de que o tribunal exagerou ao ter aberto, no dia 21, um inquérito para apurar a organização de protesto promovido em Brasília com bandeiras contra a democracia, do qual Bolsonaro participou.
A crítica principal, segundo assessores palacianos, foi feita pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Na mesma reunião, Bolsonaro reclamou da divulgação de uma nota oficial da PRF (Polícia Rodoviária Federal) que lamentava a morte de um integrante da corporação por coronavírus.
No dia anterior, a PRF havia divulgado uma manifestação de pesar pela morte de Marcos Roberto Tokumori, 53, ocorrida na madrugada. Ele atuava em Santa Catarina.
A nota oficial informava que a morte ocorrera devido à Covid-19. “A doença, a Covid-19, não escolhe sexo, idade, raça ou profissão”, disse a nota, assinada pelo diretor-geral da PRF, Adriano Furtado. “Contra ela, Marcos lutou bravamente.”
Segundo relatos feitos à Folha, Bolsonaro criticou na reunião de 22 de abril o tom da nota, alegando que poderia assustar as pessoas e que não levava em conta possíveis comorbidades de Tokumori.
Folha de S.Paulo