China volta a suspender frigoríficos no Brasil e acende alerta no mercado de carne

Caso mais recente foi o de uma planta da JBS, em Goiás. Sem justificativas oficiais, especulações vão de Covid-19 a quebra de protocolos de exportação

Os sinais de valorização que o boi gordo vinha apresentando nos últimos meses receberam um balde de água fria, nesta semana, após a China anunciar a suspensão da habilitação de exportação de uma unidade de produção de carne bovina da JBS em Mozarlândia, no interior de Goiás. Embora, isoladamente, a suspensão tenha pouco impacto sobre o volume total a ser exportado pelo Brasil e pela própria empresa para o seu principal cliente internacional, a notícia abalou o mercado interno, derrubando o valor da arroba nas praças atendidas pelo frigorífico.

“Quando foi feito o anúncio, os frigoríficos de maior porte em Goiás tinham suspendido as compras para ver como é que fica a situação do mercado e, com a suspensão da exportação dessa unidade para a China, a cotação do boi gordo em Goiás caiu, porque é um frigorifico grande”, observa o diretor-fundador da Scot Consultoria, Alcides Torres.

Com os abatedouros mais cautelosos, ele relata que o valor da arroba na região já está de R$ 2 a R$ 4 abaixo do praticado até então. “É um valor significativo porque todos os custos subiram e quando se fala em dois reais por arroba, um boi te, vinte arrobas o que já representa uma perda de R$ 40. Se forem mil bois, são R$ 40 mil e aí a coisa vai em escala”, destaca Scot.

A China não divulgou justificativa para a suspensão. Tampouco o governo brasileiro ou as empresa. Sem informações concretas, as especulações variam desde a detecção de Covid-19 em cargas de carne, falta de teste para a doença em funcionários ou até mesmo problemas na rotulagem, com o envio de carne de animais abatidos acima de 30 meses – o que fere os protocolos sanitários exigidos pelo país.“Mas isso é tudo especulação. Como não tem nenhuma informação, fica essa turma ao redor especulando”, pondera Torres.

A forma como se deu a suspensão da JBS de Mozarlândia, com capacidade de abater até 80 animais por hora, remonta os protocolos sanitários para controle da Covid-19 implementados pela China ainda no início da pandemia. Inicialmente, o frigorífico foi suspenso temporariamente por uma semana no último dia 12 de março.

Na semana passada, durante a Expomeat, em São Paulo (SP), o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Antônio Camardelli, afirmou que a medida não afetava os abates da empresa, mas apenas a movimentação de armazéns e estocagem, com a retomada automática dos embarques a partir do dia 19. Contudo, o governo chinês anunciou uma nova suspensão, desta vez sem data para acabar.

Desde janeiro deste ano, a China já anunciou a suspensão da habilitação de cinco frigoríficos brasileiros, sendo dois de carne bovina e três de aves. Junto com a JBS de Mozarlândia, a BRF de Lucas de Rio Verde (MT), a Bello Alimentos em Itaquiraí (MS) e a São Salvador Alimentos em Itaberaí (GO) seguem fora do mercado chinês. Em Matupá (MT), a Frialto foi suspensa por uma semana no último dia 12 de março, retomando as vendas para o mercado chinês automaticamente após esse período.

“Para essas empresas, particularmente para as multinacionais, não é tão impactante [a suspensão da China] porque elas conseguem redirecionar [a produção]. Então você não vai ver um impacto no balanço da JBS ou da BRF porque elas têm plantas habilitadas no mundo todo e redirecionam essa produção para outras unidades. Mas, no caso de empresas menores, aí sim a gente pode falar de um impacto maior”, explica o analista de mercado da Agrifatto Consultoria, Yago Travagini Ferreira.

Segundo ele, a sequência de suspensões materializou um receio que vinha rondando o mercado desde o início do ano, quando a arroba bovina voltou a subir no Brasil. “Isso, obviamente, impacta para o boi gordo, principalmente para essa região de Mozarlândia no oeste goiano e também no leste do Mato Grosso. Então deve impactar, sim, na precificação do boi – principalmente do boi que iria para a China – e não terá mais essa opção de Mozarlândia, que sofre um impacto maior”, avalia Ferreira.

Ele destaca ainda que a cadeia do boi nessas regiões sentirá esse impacto de forma mais acentuada. “Particularmente, olhando [a situação], acho que é um motivo sanitário para um problema que eles querem talvez pressionar preço. Como o preço evoluiu muito rápido, eles querem dar uma segurada nesse ímpeto de alta”, avalia o analista da Agrifatto.

Cuidado redobrado

De acordo com o presidente da Câmara de Comércio do Brasil- China (CCBC), Charles Andrew Tang, a chegada da variante ômicron na China tem levado o país a aumentar o controle em produtos de origem animal congelados que chegam aos portos chineses. “A China está simplesmente tomando um cuidado redobrado. Não está acusando que todos os frigoríficos ou todos os fornecedores de alimentos congelados venham com covid, mas agindo por precaução”, ressalta Tang.

Segundo ele, existe uma crença no país de que a variante ômicron, mais contagiosa que as demais, tenha chegado à China via alimentos congelados – o que reforça a medida adotada pelas autoridades sanitárias chinesas. “Está saindo no noticiário chines que a recente explosão de Covid é também advindo de comidas congeladas importadas, por causa disso o governo está redobrando seus esforços pra controlar isso, o que tem afetado bastante o mercado chines”, afirma o presidente da CCBC.

Segundo ele, se considerar necessário, o país deve anunciar novas suspensões. “A suspensão vai terminar quando a China começar a baixar essa recente explosão de ômicron. Enquanto a China não estiver satisfeita de que todos os protocolos dela foram seguidos e que não há perigo de contaminação, [a habilitação] vai continuar suspensa”, conclui Tang.