A alta dos preços das matérias-primas, como soja e minério de ferro, deve beneficiar o Brasil ao menos pelos próximos dois anos. Embora ainda seja cedo para cravar o tamanho desse novo ciclo, a percepção de analistas ouvidos pela reportagem é que ele será menos intenso do que o boom das commodities dos anos 2000.
Os preços das commodities pelo índice do CRB (Commodity Research Bureau) tiveram alta de quase 70% em um ano. No mesmo período, enquanto as commodities metálicas triplicaram de preço no mercado internacional, com destaque para o minério de ferro (+150%), as agrícolas já vinham de uma valorização mais longa, com destaque para a soja.
Cerca de dois terços da valorização do CRB foram puxados pela China. O desempenho dos metais é explicado pela retomada mais forte e antecipada do país em relação aos outros. Os chineses demandaram mais metais para investimentos em infraestrutura e construção.
Na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o ciclo atual de commodities ainda deve continuar pelos próximos dois anos, já que há problemas de oferta em alguns segmentos, como soja, e demanda forte por carnes.
“Nos produtos metálicos, também há perspectiva de manutenção da demanda, impulsionada pelo plano de recuperação da economia americana do governo Joe Biden e pela recuperação da China, após a pandemia”, diz Vale.
Para o professor do Insper Alexandre Chaia, o momento atual não pode ser chamado de superciclo de commodities: “O momento não é o mesmo daquele do início dos anos 2000 e a China também não é mais a mesma. Ela teve um boom de crescimento que não deve se repetir no momento atual.”
Ele também diz acreditar em uma manutenção dos preços das matérias-primas pelos próximos dois anos. “A gente não sabe, no entanto, como vai ser a eleição que ocorrerá na metade do mandato de Biden, nos EUA. Na saída da pandemia, o mundo passa por um grau de incertezas grande demais para conseguirmos definir se haverá uma sustentação desse ciclo de commodities”, diz.
Fundador da Ohmresearch, Roberto Attuch concorda que o ciclo atual de commodities não será tão expressivo quanto o encerrado na década passada. “Em 2007 e 2008, o petróleo bateu em US$ 150 o barril e não vai chegar lá de novo, com a transição energética para uma economia mais verde. Os novos ciclos darão destaque para a energia limpa.”
Gilberto Cardoso, analista da Ohmresearch e especialista em commodities, complementa que o próximo boom não será puxado por petróleo, mas por matérias-primas ligadas à eletrificação, como cobre e terras raras. “Quando a gente muda as perspectivas energéticas, a oferta e a demanda por esses materiais também muda completamente.”
Cardoso lembra que um ponto positivo para o Brasil é a projeção de que a classe média asiática aumente 75% nos próximos dez anos, segundo estimativa do Fórum Econômico Mundial. Esse novo grupo vai ter hábitos de consumo que podem aquecer a demanda por commodities agrícolas.
Do ponto de vista do consumidor, um reflexo da alta dos produtos básicos que foi motivo de preocupação durante boa parte da pandemia deve perder força este ano: a inflação dos alimentos.
O economista da LCA Consultores Fábio Romão, lembra que o índice de preços agropecuários por atacado, o IPA-M-Agropecuário, da Fundação Getulio Vargas, subiu 49,5% no ano passado, o que fez com que os preços da alimentação em domicílio no varejo subissem 18,1%, pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
“Em 2021, não devemos ter uma desvalorização cambial tão significativa como a do ano passado. Assim, estamos projetando uma alta de 15,6% para o IPA-M-Agropecuário, que deve chegar ao consumidor com uma alta de 5,2% da alimentação no domicílio.”
Parte dos analistas aponta, no entanto, que o aumento de preços de alimentos é um fenômeno mundial. E países que são grandes exportadores, como Brasil e Estados Unidos, podem enfrentar aumentos mais persistentes, caso as importações chinesas se mantenham fortes.
Com o avanço nos preços de grãos, açúcar e carnes, além de ser beneficiada pelo real desvalorizado, a renda no campo deve aumentar 40% este ano, ou R$ 278 bilhões, segundo estimativas da MB Agro, atingindo R$ 965 bilhões. A projeção otimista se dá, sobretudo, pelo desempenho dos grãos, que devem beneficiar os produtores com um aumento de 57,7% da renda.
As expectativas também são positivas para a renda na pecuária, que pode ter um desempenho quase 32% melhor este ano. No caso do cultivo de café, laranja e cana-de-açúcar, a alta esperada é de 3,3%.
O cenário é positivo para o produtor e isso se reflete na economia regional. Mesmo com a pandemia do novo coronavírus e seus impactos na atividade econômica, os estados do Norte e do Centro-Oeste tiveram resultados positivo.
Enquanto as demais regiões tiveram queda, o Índice de Atividade Econômica Regional do Norte cresceu 0,4% em 2020, segundo dados do Banco Central. No caso do Centro-Oeste, a alta foi de 0,2%, e a região foi ajudada pela safra recorde de grãos e as cotações das commodities.
Produtor de soja em Sorriso (MT), Sadi Beledelli, 60, é um exemplo disso. Ele aproveitou a safra de 2020 para trocar os equipamentos que já usava há oito anos por máquinas novas. Comprou um trator e uma plantadeira com recursos próprios.
O agricultor pondera, no entanto, que se por um lado a renda no campo aumentou, os custos do dia a dia na fazenda também subiram, principalmente os de insumos e maquinários importados.
“Os valores das máquinas estão fora da realidade”, afirma Beledelli. Com a maior procura de produtores por novas máquinas, ele relata ter percebido um aumento de ao menos 30% nos preços dos equipamentos.
O presidente do sindicato rural de Toledo (PR), Nelson Paludo, afirma que as lojas da região não têm mais máquinas novas para vender aos produtores. Ele teme que os agricultores fiquem em uma situação difícil, caso o ciclo de preços seja mais curto do que se imagina. “A soja está nas alturas e os agricultores estão financiando equipamentos, mas será difícil de recuperar o investimento feito, caso os preços caiam.”
Segundo Vale, é visível que, enquanto partes da indústria e do setor de serviços ainda sofrem com a incerteza dos desdobramentos da crise sanitária, a agropecuária e a mineração formam a parte da economia brasileira que funciona bem.
“Vivemos em uma espécie de economia bipolar: as commodities tendem a continuar com bom desempenho e o setor pode atrair investimentos, mas as incertezas e falta de reformas estruturais para o país boicotam as chances de crescimento”, diz.
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