Com restrições, Anvisa concede aval para a importação das vacinas Sputnik V e Covaxin

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu nesta sexta-feira (4) aprovar, de forma condicional e com restrições, novos pedidos de aval à importação de doses das vacinas contra a Covid Covaxin, da Índia, e Sputnik V, da Rússia.

A votação ocorreu por quatro votos a um nos dois casos. A medida —que abre espaço para a utilização dessas vacinas— ficará sujeita, porém, ao cumprimento de condições específicas.

Entre elas, está realização de estudos extras de efetividade, entrega de novos dados pelos fornecedores, aprovação de lotes pelo INCQS (instituto que atua no controle de qualidade de produtos de saúde) antes da distribuição e restrição de uso a alguns públicos e a determinados centros de saúde.

A Anvisa diz ainda que o uso de ambas as vacinas pode ser suspenso em caso de novas avaliações da agência ou da OMS (Organização Mundial de Saúde).

A posição segue recomendação da área técnica da agência, que analisou dados apresentados nos pedidos para os dois imunizantes —desenvolvidos pelas empresas Bharat Biotech (no caso da Covaxin) e Instituto Gamaleya (Sputnik V).

Essa é a segunda vez que a agência se reúne para avaliar um possível aval excepcional à importação dessas vacinas.

Em março, a Anvisa negou um pedido de importação da Covaxin feito pelo Ministério da Saúde. Entre os motivos, estava a falta de dados mínimos exigidos para análise e de certificado de boas práticas de fabricação.

Parecer negativo também foi dado no fim de abril a pedidos feitos por dez estados para importar a Sputnik V. Na ocasião, porém, além da falta de dados, a agência apontou falhas técnicas em estudos e na produção da vacina que podem trazer riscos à segurança e qualidade do imunizante.

A avaliação, assim, foi alterada em parte nesta sexta (4), a partir do parecer de técnicos da agência.

Segundo o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, a recomendação de condições à aprovação ocorreu como alternativa diante de incertezas que ainda existem nos dados.

“Não estamos atestando qualidade, segurança e eficácia dessas vacinas. Existem pendências técnicas que precisam ser resolvidas”, afirmou.

“Contudo, a lei [14.124/2021, que abre espaço para importação excepcional] existe e foi pensada no contexto da pandemia, por isso há recomendação de que esse uso seja controlado.”

Ele e outros técnicos da agência apresentaram dados e análise sobre os pedidos.

No caso da Sputnik V, as solicitações foram feitas por seis estados: Bahia, Maranhão, Sergipe, Ceará, Pernambuco e Piauí. Ao contrário do pedido anterior, porém, governadores enviaram dessa vez mais documentos, como uma cópia do relatório técnico emitido pela autoridade russa ao aprovar o registro condicional.

Mendes diz que o relatório trouxe novos dados, mas ainda não respondeu a todas as dúvidas que foram levantadas na última análise.

A principal delas era em relação à possível presença, segundo dados apresentados em março pelo instituto russo, de adenovírus replicante na vacina, o que indicaria riscos à segurança do imunizante.

No desenvolvimento dessa vacina, o adenovírus (um vírus de resfriado comum) é modificado para apresentar parte do material genético do coronavírus Sars-CoV-2 e “desligado”, ou seja, ele não pode ser capaz de se replicar. Ao entrar em contato com o coronavírus, o corpo produz anticorpos e responde à presença do patógeno.

Segundo o Instituto Gamaleya, a Sputnik V é feita sem que haja essa presença de partículas virais replicantes. Já a agência diz ter recebido, na primeira análise, dados do próprio fabricante que apontavam o problema.

De acordo com Mendes, nos novos documentos, a especificação sobre a presença de adenovírus foi alterada.

O relatório técnico russo afirma que é aceitável a presença no organismo em humanos de 33 a mil partículas de adenovírus replicante competente (RCA, na sigla em inglês) por dose. Mendes, porém, diz que os parâmetros para essa determinação não ficaram claros no relatório.

As incertezas ocorreram em outros pontos de análise. O relatório aponta que a vacina tem eficácia de 91,6% para casos sintomáticos e 100% para casos graves. Também diz que a vacina apresenta bom perfil de segurança.

Ao mesmo tempo, porém, também deixa pontos pendentes, aponta o gerente.

O documento não apresenta, por exemplo, informações sobre a frequência de reações adversas relatadas, informa. Também faltam informações sobre o desenho do estudo e avaliação dos resultados de eficácia e segurança. E embora afirme que o produto não contém impurezas, o relatório não traz informações sobre como ocorre seu controle.

A ausência de alguns dados também foi apontada pela equipe técnica em relação à vacina indiana Covaxin.

O novo pedido de importação dessa outra vacina foi feito pelo Ministério da Saúde na última terça (25). O objetivo era obter aval para distribuição de 20 milhões de doses.

Mendes, porém, frisou que ainda há pontos de incerteza, como o fato de que o estudo clínico de fase 3 —que confirma dados de segurança e verifica a eficácia—ainda não teve todos os dados apresentados, e não há informações completas da estabilidade da vacina.

Segundo os dados, a Covaxin teve a sua eficácia estimada com base em uma análise preliminar de 78% para casos leves e moderados de Covid-19 e de 100% contra casos graves. Os participantes, no entanto, foram avaliados por apenas 45 dias, tempo inferior ao preconizado pela OMS, de pelo menos dois meses.

“A Anvisa não teve acesso aos relatórios completos dos estudos clínicos conduzidos. O tipo e frequência de reações adversas, por exemplo, não foram apresentados, com exceção de alguns dados limitados”, disse o gerente.

Por outro lado, foram apresentados dados que permitiram comprovar boas práticas de fabricação, o que era um ponto pendente na análise.

Diante da situação, a área técnica recomendou que fossem adotadas condições e restrições para aprovação para as duas vacinas. No caso da Sputnik, a proposta foi de que a vacina seja distribuída e utilizada em condições controladas “com condução de estudo de efetividade”.

Outra é que os lotes que venham para uso no Brasil sejam aprovados pelo INCQS, por meio de análise em laboratório que demonstre ausência de adenovírus replicante.

Já para a Covaxin, a área técnica agência sugeriu que haja sejam apresentados dados clínicos extras de segurança e imunogenicidade. A aprovação do INCQS também seria necessária, mas para verificar outros critérios, como potência e qualidade.

Outras condições valeriam para ambos os imunizantes. É o caso de restrições na oferta a alguns grupos. Entre outros grupos, as vacinas não poderiam ser usadas por gestantes, lactantes, mulheres que desejam engravidar nos próximos 12 meses, pessoas com doenças graves ou não controladas ou aquelas que tenham histórico de reações ou hipersensibilidade a componentes da vacina.

Os interessados na importação também devem fornecer os rótulos e bulas em português da vacina e são responsáveis por emitir notificações à Anvisa sobre quaisquer eventos adversos verificados com seu uso.

Estados e Ministério da Saúde também devem informar que as vacinas “não possuem avaliação da Anvisa quanto aos critérios de qualidade, eficácia e segurança”.

Após apresentação da área técnica, a votação foi alvo de longo debate, que durou mais de seis horas.

Relator das duas propostas, o diretor Alex Campos frisou o risco de nova onda da Covid e a necessidade de acelerar a vacinação no país para votar a favor da importação ‘condicional’. Ele reconheceu que há lacunas em dados, mas defendeu que os condicionantes permitam o uso das vacinas com proteção da população.

O diretor, porém, sugeriu critérios adicionais em relação à quantidade de doses. Com isso, governadores só poderiam importar e distribuir doses equivalente a 1% da população de cada estado no caso da Sputnik V, o que dá um total de 928 mil doses.

O mesmo valeria para a Covaxin, mas em relação à população nacional —o que traria 4 milhões de doses, segundo a agência, considerando duas aplicações. A proposta foi seguida por quatro dos cinco diretores.

Já a diretora Cristiane Jourdan defendeu, em análise, a não aprovação. “Ainda que sejam estabelecidos condicionantes, penso que as incertezas superam quaisquer medidas que tenham intuito de mitigar riscos”, disse.

Meiruze Freitas, por sua vez, defendeu que outras vacinas aprovadas no mundo também foram alvo de condições e que a medida permite acesso a vacinas.

Natália Cancian/Ana Bottallo/Folhapress