Alta da inflação, baixa dos reservatórios de hidrelétricas, real desvalorizado, desemprego resistente. Se o cenário econômico do Brasil neste segundo semestre já seria desafiador para qualquer governante, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) conseguiu deixá-lo ainda mais incerto.
Desde seus discursos com ameaças golpistas, no dia 7 de setembro, aumentou o temor entre os analistas de que a recuperação possa ser mais fraca do que se imaginava e com risco de uma nova recessão. O recuo do presidente nesta quinta-feira (9), em carta na qual diz que não teve intenção de agredir Poderes, trouxe alívio momentâneo ao mercado, que passou para uma posição de maior desconfiança na sexta. Entre economistas, o ceticismo quanto às promessas feitas por Bolsonaro também é expressivo.
“Até quando vamos ter de acreditar nesses recuos? Ele já passou do ponto e depois recuou várias vezes”, diz o professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro.
Oreiro diz que pode haver uma desaceleração do crescimento neste ano, que já era esperada devido à alta da inflação, e uma nova recessão em 2022. E afirma que tensão política colocou trouxe novo ingrediente no cenário econômico, já conturbado.
“Crise política sempre gera aumento da percepção da incerteza e afeta contratações de trabalhadores e investimento”, diz. “Tudo que Bolsonaro não poderia ter feito era agitar as águas institucionais, mas também mostra que ele não tem preocupação com o Brasil e nem projeto para o país.”
“Os sinais de que a economia brasileira sente o impacto da crise institucional são claros. O humor do mercado é apenas uma parte do abalo causado pela piora do ambiente político-institucional”, resume o ex-ministro da Fazenda e atual secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles
Ele diz que, se o governo persistir em novas crises políticas, vai sair ainda mais caro para o país, e isso já aparece nas perspectivas para o ano que vem. “As projeções de crescimento para 2022 vêm sendo reduzidas a cada semana. Basta ver o Boletim Focus, do Banco Central, que esta semana projeta crescimento pela primeira vez abaixo de 2%”.
Os analistas econômicos ouvidos pelo Focus revisaram nesta semana as perspectivas para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022 para 1,93% —há um mês, a previsão era de 2,05% e de 2,5% em janeiro.
O Citi Brasil ajustou as projeções para o PIB do ano que vem de 1,8% para 1,5%; o Itaú já havia ajustado para 1,5%; a MB Associados também havia reduzido suas projeções, para 1,4%, e não descarta novos cortes.
“É unânime entre os analistas que o crescimento deve ficar abaixo de 2%. Já vemos a possibilidade de ficar até abaixo de 1%”, resume o economista da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros.
Uma fonte crescente de preocupação entre as famílias brasileiras é a inflação. Nesta quinta-feira, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que a inflação pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) atingiu 0,87% em agosto, puxada pela gasolina. A taxa é a maior para o mês desde 2000, quando o indicador alcançou 1,31%.
O índice chegou perto de dois dígitos no acumulado de 12 meses, alcançando a marca de 9,68% —bem longe do teto da meta, de 5,25%.
A alta de preços é ainda mais cruel com as famílias de menor renda e também pesa sobre elas o maior percentual de desemprego.
Um estudo divulgado pela FGV Social aponta que a taxa de desemprego da metade mais pobre dos brasileiros subiu quase dez pontos durante a pandemia, de 26,55% para 35,98%.
O fim do ano já seria fraco por conta da inflação, dos juros, da crise hídrica e das incertezas fiscais ligadas ao Orçamento. As últimas ações do presidente jogaram ainda mais incerteza neste cenário, avalia Mendonça de Barros.
“A confluência de crises e a situação econômica difícil trazem uma piora nas perspectivas, caminhando-se para haver no fim deste ano e no começo do ano que vem uma pequena recessão”, diz.
Com a crise armada pelo presidente nos últimos dias, caminhoneiros chegaram a bloquear estradas em diversos estados ao longo dia.
No fim da tarde desta quinta-feira (9), Bolsonaro divulgou uma nota em que recuava após as ameaças golpistas e dizia não ter tido a intenção de ameaçar outros Poderes.
O mercado financeiro reagiu quase que instantaneamente à declaração do presidente, com o dólar terminando o dia em queda de 1,84%, cotado a R$ 5,2270, e a Bolsa subindo 1,72% na quinta-feira, aos 115.360 pontos. Mas voltou a cair na sexta (10), acumulando perdas de 2,26% na semana.
Embora o mais novo giro no discurso do presidente traga alívio aos analistas, eles dizem que a chance de avanço na discussão de reformas robustas diminuiu significativamente, já que os movimentos de Bolsonro acabaram por antecipar o cenário eleitoral do ano que vem.
Os analistas lembram que a crise institucional também torna a questão orçamentária mais incerta, dado que o governo tentava negociar o não pagamento da totalidade dos precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça) no ano que vem.
Mendonça de Barros avalia que o recuo do presidente certamente alivia a tensão no curto prazo, mas a imensa maioria sabe que isso é temporário. “Ele já fez isso antes e depois radicalizou novamente. A carta não necessariamente abre caminho, por exemplo, para a negociação dos precatórios.”
Ele completa que a incerteza se mantém na economia e que decisões importantes de investidores serão postergadas para mais adiante. “A inflação mais uma vez foi além do que o mercado esperava, o que reforça a percepção de desaceleração.”
“Começa a entrar no radar um crescimento bem menor para o ano que vem, próximo de zero. Os juros devem subir bem mais que o esperado”, diz o economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas.
Ele também diz que a questão fiscal deve ser um problema de difícil solução para o governo em 2022, mesmo que a questão dos precatórios seja resolvida.
“O teto vai crescer, mas a despesa fora do teto vai ser menor. O acirramento das questões políticas deve ser maior no ano que vem e a crise de energia é grave. O único vetor positivo seria a reabertura de alguns setores após a pandemia.”
O movimento do presidente tira um pouco da pressão, mas os problemas e desafios econômicos continuam iguais, afirmaTinoco, assessor especial do governo paulista. “Não significa que o ambiente político ficou mais estável, ele continua tensionado e podemos ver novos avanços e recuos.”
Além disso, as incertezas vão fazer com que os prêmios de risco subam ainda mais, o que afetaria o crédito, prejudicando empréstimos e investimentos.
“Concretamente, os prêmios de risco, tanto no dólar quanto na curva de juros, já subiram”, diz o consultor e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman.
“O primeiro põe mais lenha na fogueira inflacionária; o segundo deprime atividade. Talvez, por si só, isso não jogue o país em uma recessão, mas já colabora para a desaceleração.”
Schwartsman complementa que, caso haja uma nova guinada e a crise provocada pelo presidente se agrave, levando à fuga de capitais, o risco recessivo aumentará. “Não é o cenário que vejo hoje, mas é uma possibilidade bastante concreta.”
Folhapress