[Exclusivo] Entrevista com pré-candidata do PT à Prefeitura de Salvador, Denice Santiago

Precisamos mudar a forma como a PM nos vê, mas também a forma como vemos a PM”, afirmou

Denice Santiago Santos do Rosário nasceu em Salvador no dia 17 de abril de 1972. De origem humilde é a terceira numa família de cinco filhos. Seu pai trabalhava como bombeador na Petrobrás e sua mãe como dona de casa. Estudou em escola pública. Formada em psicologia teve como tema de mestrado a discriminação racial na atividade policial militar no estado da Bahia. “Branco correndo é atleta; preto correndo é ladrão”, foi o título do seu trabalho. É também  Mestre em Desenvolvimento Territorial e Gestao Social  ambos pela Universidade Federal da Bahia, pós graduada em gestão em direitos humanos pela Universidade do Estado da Bahia, graduada em psicologia pela Faculdade da Cidade, graduada em Segurança Pública pela Academia de Policia Militar/UNEB. Atualmente, é doutoranda pelo Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Mulher, Gênero e Feminismo.

Em 1990, a conselho do pai, prestou concurso para a Polícia Militar, o primeiro no estado após 156 anos da corporação. Em 2006, objetivando que as policiais baianas fossem vistas e tratadas da mesma maneira que seus colegas, fundou, dentro da PM-BA, o Centro Maria Felipa. Entretanto, foi a criação da Ronda Maria da Penha, em 8 de março de 2015, o seu grande marco na PM-BA. Sob o seu comando, a operação de combate à violência contra a mulher, atendeu quase que 4.275 mulheres que denunciaram as agressões sofridas no ambiente doméstico.

O seu trabalho à frente da Ronda chamou à atenção do mundo político, em especial do governador Rui Costa, considerados por muito o grande responsável pela sua entrada na política.

Mulher, negra e candomblecista. É mãe de João, 18 anos, e de certa forma também das mais cerca de 5 mil mulheres que encontraram através do seu trabalho uma nova possibilidade de vida. “Eu sou de áries com ascendente em escorpião. O astrólogo disse que nem o diabo pode. O ariano pode até não estar certo, mas nunca está errado. Sou filha de Iansã, ekedi de templo. É fogo, mas na maioria das vezes eu sou boazinha”, costuma brincar Denice.

Em entrevista ao Bahia Sem Fronteiras, a agora pré-candidata do PT à Prefeitura de Salvador falou é claro sobre as eleições, os rumores de uma suposta resistência que vem enfrentando dentro do próprio partido

Bahia Sem Fronteiras – Gostaria que a senhora falasse sobre todo o processo de amadurecimento da sua pré-candidatura. Quando surgiu essa vontade? Quais fatores que foram levados em conta para essa decisão?

Denice Santiago – Eu fui criada para pensar no próximo. Para ajudar. Assim eu cresci vendo passar por minha casa diversas pessoas que foram criadas por meus pais, outras estudaram após eles dividirem nossa renda como ajuda para outras pessoas. Nós aprendemos a fazer isso!

A polícia militar veio como mais uma oportunidade de fazer o que meus pais me ensinaram, e, nesta corporação que amo, eu pude fazer isto desde o meu ingresso até potencializar através da Ronda Maria da Penha. Quando eu recebi o convite do governador Rui Costa, eu vi ali uma oportunidade única de poder ajudar ainda mais as pessoas. Vi também a oportunidade de honrar e inspirar as pessoas negras desta cidade. A carreira política não me era tão latente, eu entendia que minha trajetória me levaria ao Comando da PM, mas ser Prefeita da cidade que eu nasci, é muito melhor! Dialoguei com minha família, consultei meu sagrado e segui. Ser pré-candidata do PT para prefeitura de salvador passou a ser um projeto: e eu realizo meus projetos.

Foto : Manu Dias/GOVBA

De que forma o apoio de grandes caciques do partido, como Rui Costa e Jaques Wagner, pesaram na sua decisão?

Esta oportunidade surgiu através do consenso do Governador Rui Costa e do Senador Jaques Wagner, mas ela foi o coroamento do meu trabalho, dos meus estudos, da minha carreira e da forma de me posicionar. Claro que ter estes dois políticos experientes e bem sucedidos te avaliando como apta a ser a cara do PT na majoritária municipal atiça a nossa vaidade, porém mais que isso: foi e é a oportunidade de colocarmos neste lugar, através do maior partido de esquerda da América Latina, uma mulher negra. Isto sim pesou na minha decisão.

Existem algumas resistências ao nome da senhora dentro do PT. A que senhora atribui isso? O fato de ser mulher e negra pesa de alguma forma?

Não percebo esta resistência dentro do PT. Tenho apoio do partido e um carinho muito grande de meus companheiros e companheiras, fato este exposto no resultado da votação do encontro municipal. Sempre falo que todos e todas precisam me conhecer. Quando não conhecemos as pessoas, infelizmente, a cultura nos leva a projetar características, defeitos ou virtudes nas pessoas por vários aspectos, isto, por vezes, gera pré-conceitos. Entendo. Também por isso, e por saber que o PT é o partido que repreende e luta contra todo e qualquer preconceito, acredito ser importante me conhecer, a meu trabalho, a minha história, meus posicionamentos pessoais e profissionais, enfim: saber de mim.

O fato de ser mulher e negra nunca seriam impactantes ao partido, vejo que sua maioria celebra este fato e reconhece a importância de uma pré-candidatura com estas características. É hora de celebração, unidade e coesão, e sei que este será nosso destino. O PT é o partido da justiça e da luta pelos direitos humanos, jamais sua militância macularia isso.

De que forma o seu trabalho à frente da Ronda pode contribuir numa possível gestão da senhora à frente da Prefeitura de Salvador?

Eu fui treinada para comandar. O processo de formação da Academia de Polícia Militar nos faz gestores por excelência, uma vez que ali se formam os futuros comandantes da Corporação, para além disso fiz um mestrado em Gestão com ênfase na gestão social o que me trouxe importantes saberes nesta caminha. Na Ronda, com um efetivo de pouco mais de 20 policiais e duas viaturas minha gestão aliada a cada membro do meu efetivo  transformou aquela na unidade de referência nacional no enfrentamento a violência contra mulher; levou a atuarmos como referência internacional fornecendo consultoria a Colômbia e Reino Unido e a ganhar dois prêmios nacionais e a mim a ganhar a uma premiação no Senado Federal, o Diploma Bertha Lutz sendo a única Policial Militar do pais a recebe-lo bem como única a ganhar a maior premiação feminina da América Latina, o Premio Claudia na categoria políticas públicas. Tudo isto, afora a gestão participativa diferenciada na Corporação nos consagrou como esta política pública de sucesso sendo incorporada ao plano de governo estadual.

Minha formação, estas experiencia exitosas aliado ao modo PT de governar me dão credenciais únicas e importantíssimas para ser gestora da cidade de Salvador.

Foto: Divulgação/Polícia Militar

O seu trabalho como policial é apontado pelos críticos com um dos empecilhos para sua candidatura. Muitos apontam os excessos cometido pela PM como um entrave ao seu nome, sobretudo na periferia. Como você vê isso?

Sojounert Truth, no movimento pro-sufrágio feminino nos EUA, em um discurso questiona se as mulheres negras não seriam mulheres quando não as incluem na legislação que garantiria o voto feminino,  no discurso ela usa a frase “e não sou eu uma mulher?” e estabelece uma rica comparação neste caminho.

Refletindo aqui, peço licença a Sojounert e pergunto: e não sou eu uma trabalhadora?

O meu trabalho (e enfatizo esta palavra aqui) levou à PM muito das pautas relacionada ao que está na agenda de debates do PT. Em meu trabalho em um curso interno, discuto a pratica do racismo na atividade policial militar e reforço esta discussão no mestrado, insiro na estrutura organizacional da corporação o debate sobre o feminino através do Centro Maria Felipa – único núcleo de gênero em instituições policiais militares no país – e a Ronda Maria da Penha que vem salvando tantas vidas praticando uma polícia militar que acolhe, protege ampara. A PM é uma instituição belíssima e que atua salvando vidas diariamente, que precisa da comunidade na mesma proporção que o inverso é verdadeiro. O que precisamos é estabelecer uma segurança de direitos e esta é uma construção que vai fazer entender que a segurança pública é consequência não causa destes males.

Quando as pessoas conhecerem a mim e a meu trabalho, saberão que é importante ter uma trabalhadora policial militar em suas fileiras, pois estes trabalhadores e trabalhadoras também precisam de nós.

Na última sexta-feira, um jovem de 21 anos acabou morto, aqui no Nordeste de Amaralina, durante a ação da PM. Como a senhora avalia o trabalho da polícia nos chamados bairros populares?

A morte violenta de quem quer que seja não pode ser encarada como normal. A vida é nossa bem mais precioso e deve ser defendida sempre. Não estava na ação então seria leviano falar sobre qualquer coisa relacionada a ela. Cada atuação profissional requer uma gama de ações e reflexos e não se pode elucubrar sobre elas em nenhuma circunstância. Considero isto para todas as profissões: um médico, um advogado, um metalúrgico etc., cuja atuação profissional causa duvida de ter sido correta, não pode ser avaliado antes de ser minuciosamente julgado. Isto é direito, e nós precisamos respeitar os processos senão não seriamos nos.

A PMBA ou qualquer outra não é um “Alien”: ela veio desta sociedade que jurou proteger, mas que também tem relações conflituosas. O importante aqui é entender que precisamos melhorar em todas as direções esta relação. Transformar a cidade e seu processo educacional, de emprego e renda, de assistência social, de infraestrutura urbana no tocante a limpeza, conservação iluminação, fatores que desencadeiam problemas sérios de violência e, logo, fazem desembocar os sofrimentos e total falta de cuidados nestes itens na segurança pública. Precisamos mudar a forma como a PM nos vê, mas também a forma como vemos a PM.

Como vem sendo costurado as articulações sobre possíveis apoios ao seu nome? Quem está à frente dessas articulações?

Aprendi que vivemos um dia de cada vez. Que a cada dia vai se estabelecendo as questões e as necessidades. Fui escolhida ontem através de um legitimo encontro do Diretório Municipal conforme diretriz do Diretório Nacional. Eu serei a Prefeita de Salvador com todos e todas do PT! e, claro, estaremos juntos a frente de todo o processo até la.

Mas nada, absolutamente nada, disso agora é mais importante do que a união de todos pra um problema muito maior que é vencer essa pandemia e suas sequelas, principalmente para o povo pobre da periferia, que sempre foi o mais afetado por todas as mazelas. Estou entrando na política para cuidar de gente e pra me juntar nessa luta. Juntos e juntas, vamos superar e reconstruir Salvador depois que isso passar.

O que significa para a senhora (uma mulher, negra e de origem popular) concorrer à Prefeitura de Salvador?

É um marco histórico. Sou a primeira pré-candidata do PT à prefeitura de Salvador na história e isto significa – já – a cada homem e mulher negro desta cidade a inspiração para entender que todos nós podemos! Vamos vencer a disputa pela cidade de Salvador, mas bem mais, vamos vencer o racismo, subjugo, a misoginia, as discriminações, a violências institucionais, tudo isto com respeito, determinação, coragem, técnica e amor.

Foto: Pablo saborifo/Revista Claudia