Cada pessoa que conviveu com Irmã Dulce traz um relato que aponta sempre em direção a um exemplo de fé e de amor ao próximo. Desde a década de 1980 as pessoas já a chamavam de santa, como é possível ver em um cartaz segurado por uma das participantes da campanha de arrecadação de tijolos para a construção do Hospital Santo Antônio, em 1983. O cartaz tinha a seguinte frase: “Irmã Dulce, uma santa na terra”.
Mesmo antes, em 1945, quando Irmã Dulce tinha 31 anos e 11 de consagração à religião, Jorge Amado também publicara a profecia na primeira edição de seu livro Bahia de Todos os Santos: “O povo baiano já a canonizou, o vaticano irá canonizá-la algum dia, a Santa Dulce da Bahia”.
O trecho foi citado pelo jornalista Valber Carvalho na biografia “Além da Fé – A vida de Irmã Dulce”, lançada em 2020, resultado de um extenso trabalho de pesquisa do autor, que realizou mais de 500 entrevistas e estudou 13 mil documentos para escrever a obra de 624 páginas.
“As pessoas me perguntam se o meu livro é de autoajuda, eu digo que é um livro de alter ajuda, porque te ensina a ajudar pessoas. A missão dela era fazer com que você se interessasse em ajudar as pessoas. Cada pessoa com quem conversei para escrever a biografia, carvoeiro, financistas, administradores, médicos, funcionários, familiares, pessoas da mídia, entre vários outros, tinha reflexo de Irmã Dulce, como se elas fossem espelhos cheios de pedacinhos. Estudando a vida de Irmã Dulce, eu posso afirmar que melhorei como pessoa”, conta Válber.
Procissão – Amigos de Irmã Dulce, o casal Maria José Barreto, de 79 anos, conhecida como Lia, e Evandro Barreto, 75, trazem na memória momentos que viveram com a santa.
Dona da Escola Santa Rita, no bairro de Roma, Lia conta que Irmã Dulce vinha à escola pedir alimento para ajudar aos pobres. “Ela começou a fazer o trabalho social pertinho de lá. Ela colocava as pessoas sentadas no passeio e na hora da sopa, do alimento, do medicamento, ela ficava desesperada e saía pedindo pelas portas. E eu comecei a ajudar quando ela parava aqui com a kombi”, diz.
Ela conta que Irmã Dulce a chamava de Rita, devido ao nome da escola. “Um belo dia ela me disse: ‘Rita, arranja uma coisa para me ajudar a construir pelo menos um barracão para colocar aquele pessoal. Está todo mundo tomando chuva e o inverno vai ser rigoroso’”. O barracão seria construído no galinheiro do Convento Santo Antônio, onde ela abrigava uma média de 70 pessoas, após muito pedir à madre superiora, e que posteriormente tornou-se o Hospital Santo Antônio.
“Aí me veio a ideia de pegar as crianças da escola e levar material de construção para Irmã Dulce, com a ajuda dos pais, para chamar a atenção do público. Então, fizemos uma procissão e cada menino ficou com um bloco na cabeça, inclusive minha filha Liana, com 6 anos de idade. Depois da procissão, começaram a chegar alguns caminhões de bloco. Repercutiu na TV, as pessoas e donos de empresas começaram a doar e ela conseguiu construir o prédio no galinheiro, onde hoje está erguido o Hospital “, relembra Lia.
Com lágrimas nos olhos, Evandro também se lembra de uma cena que presenciou na feira. “Antigamente tinha aquele pessoal chamado de fiscal e se pegasse a pessoa com uma mercadoria sem nota, tirava o imposto e mandava a pessoa pagar, com a penalidade de apreensão da mercadoria, caso não pagasse. E eu me lembro de Irmã Dulce saindo com uma prancha carregada de mercadoria. Na hora que foi atravessando a rua para colocar a mercadoria na kombi, o fiscal chegou e queria cobrar o imposto”, conta.
“Irmã Dulce disse que tinha sido doação e o fiscal respondeu que não tinha isso de doação, tinha que pagar. Daí então formou-se uma corrente contra ele. Ele estava com um talãozinho na mão para apreender a mercadoria. Na hora que ele olhou, estava cercado e já tinha pessoas proferindo palavras contra ele. Então, ele pegou a pasta, colocou o talão dentro e foi embora”, finaliza.
Lia conta que tem muita fé em Irmã Dulce e sempre faz pedidos a ela e costuma ser atendida. No pátio da escola, há uma foto grande de Irmã Dulce, tirada por um fotógrafo que era amigo em comum dela e de Irmã Dulce, e ela frequentemente reúne os alunos para contar um pouco da vida da santa para as crianças.
Milagres – Devota de Santa Dulce, a profissional de Relações Públicas Gilneide Costa, 39, conta que já teve algumas graças alcançadas pela fé na santa, como a chegada do seu filho José Miguel. Casada há oito anos, ela já tinha feito vários exames, ainda não havia diagnóstico preciso com indicação de fertilização ou intervenção cirúrgica, mas existia a dificuldade de engravidar.
“Eu já estava me aproximando dos 40, então a preocupação aumentava. Foi uma graça que eu pedi e alcancei. Se fosse menina seria Maria Dulce para homenagear Nossa Senhora e Santa Dulce, mas veio um menino e eu digo sempre que é como se Santa Dulce estivesse segurando o meu filho”, diz ela, fazendo uma referência ao cuidado que a freira sempre teve pelas crianças.
Outra confirmação da presença de Irmã Dulce que ela teve foi quando soube que estava curada do diagnóstico que recebeu de gastrite crônica com H.Pylori, após muito pedir a Santa Dulce. “Eu já pedi a Irmã Dulce quando comecei o tratamento, em 2020, porque para mim foi um susto, pois eu me preocupo muito com a minha saúde. Ao repetir a endoscopia em 2021, tive a confirmação de que fui curada”, conta.
Sobrinha de Irmã Dulce, Marta Lopes Pontes Caldas, 68, também conta dois casos de milagre na família. “Um sobrinho meu foi vítima de um acidente de carro, provocado por terceiros, e ficou com traumatismo craniano. Os médicos não davam muita esperança de melhora, Irmã Dulce ainda era viva. Minha tia Dulcinha, irmã dela, sugeriu que levasse uma touca que ela usava para dormir, colocou nele e ele ficou sem sequela nenhuma”, lembra.
Marta se recorda da relação que tinha com a tia. “Uma vez ela me disse que todos os dias rezava por todos os sobrinhos, nominalmente. Ela tinha 11 sobrinhos diretos. Uma coisa interessante é que ela sempre fazia bilhetinhos para os sobrinhos com conselhos: vá à missa; estudou?; tomou o xarope? Eu tenho os bilhetinhos guardados e a superintendente, Maria Rita, também tem os dela guardados até hoje”, diz.
Marta agradece à Prefeitura de Salvador pela parceria. “Tem proporcionando essa festa que está dando visibilidade muito grande à instituição e a gente só tem que agradecer. A festa tem sido uma coisa maravilhosa, pois está trazendo atrações religiosas, lúdicas, de música, missas e quermesses. Algumas pessoas passam, veem, se informam e depois retornam. O movimento cresceu no memorial, no café, na loja e só tem retorno, porque a instituição vive muito da doação de Pessoas Físicas. Essas doações são muito importantes e a Prefeitura acertou em cheio com essa festa”.
Festa – Em parceria com as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), a Prefeitura de Salvador está promovendo uma programação festiva dedicada à religiosa neste mês de agosto. A trezena teve início no dia 1º e segue até o próximo domingo (13), quando é celebrado o Dia de Santa Dulce, pois foi a data em que ela se tornou noviça no Convento de Nossa Senhora do Carmo, em Sergipe, há 90 anos.
No sábado (12) e no domingo (13), das 9h às 19h, o balcão de serviços jurídicos na Praça Irmã Dulce, no Largo de Roma, fará encaminhamento para emissão de documentos, operação limpa-nome e demais serviços. Também haverá espaço para atividades físicas e de bem-estar com aulões de dança e ginástica até domingo, das 13h30 às 14h30.
O local também recebe no sábado (12) a apresentação da Orquestra de Câmara de Salvador e Coral Ecumênico da Bahia. Ambas as apresentações ocorrerão às 19h30.
No domingo (13), ponto alto da festa, ocorre o show do padre Antônio Maria, às 15h; Missa Campal presidida pelo arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Dom Sérgio da Rocha, às 16h; Procissão Luminosa (com saída e chegada no Largo de Roma), às 18h; e encerramento com o show de Waldonys, às 19h30.
Foto: Otávio Santos / Texto: Priscila Machado / Secom PMS