Em tempos de pandemia, com espaços culturais fechados, festas populares e particulares canceladas, adiadas ou suspensas, artistas e agentes culturais da capital baiana vivem momentos de incertezas e dificuldades. Criada como uma forma de minimizar os danos, socorrendo o setor com uma ajuda mínima enquanto aguardam o retorno das atividades, a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc (Nº 14.017/2020), sancionada em junho pelo Governo Federal, viabiliza o envio de repasses federais, garantindo renda emergencial destinada a operadores da cultura e à manutenção dos espaços culturais durante a pandemia da Covid-19.
A lei permitiu um repasse em torno de R$18,7 milhões para a capital baiana, que foram gerenciados através da Fundação Gregório de Mattos (FGM). Desse total, cerca de R$9,5 milhões foram destinados aos subsídios mensais para a manutenção de micro e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações comunitárias que tiveram as atividades interrompidas por causa do isolamento social, enquanto R$9,1 milhões foram distribuídos para premiações de propostas artísticas e culturais.
Os critérios prioritários envolvem projetos em áreas de maior vulnerabilidade social e atividades para pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Ana do Carmo, diretora e roteirista da Saturnema Filmes, produtora de cinema e audiovisual “independente e negra de Salvador” – como gosta de frisar –, atua na criação de curtas metragens. Por meio da Fundação Gregório de Mattos (FGM), ela foi premiada pelo projeto Películas Negras LAB.
“É um curso voltado para a formação de roteiristas negros, com foco especial em pessoas trans, indígenas e mulheres, de forma a dar visibilidade e fortalecer nosso cinema. A premiação foi um divisor de águas em nossas vidas”, celebra.
A equipe técnica do curso é formada por nove profissionais, todos negros, três professores para realizar mentoria, além de masterclasses ministradas por quatro profissionais renomados do cinema nacional. Para Ana, dessa forma, também se consegue gerar renda e fazer o dinheiro circular.
“É muito importante esse apoio financeiro para colocar em prática projetos em que acreditamos muito e que tem potencial para promover mudanças de fato no cenário baiano e nordestino. Ficamos felizes em saber que muitos outros projetos importantes foram premiados por esta iniciativa. São todos artistas capazes de colocar em prática várias iniciativas que vão mudar a vida de vários artistas independentes da cena local”, reforça a cineasta.
Alívio – A produtora cultural e publicitária Janaina Costa desenvolve atividades artísticas na cidade de Salvador há aproximadamente 16 anos. Ela confessa que jamais imaginou um dia vivenciar um baque tão abrupto na cultura local como o que foi provocado pela pandemia do coronavírus.
“Acredito que a Lei Aldir Blanc trouxe um alívio para artistas, produtores e comunidades”, diz, referindo-se de forma geral, mas sem esquecer do Terreiro Tumbenci, localizado no antigo quilombo Cabula, no bairro de Tancredo Neves. A instituição religiosa atende centenas de pessoas que buscam por cura espiritual e troca de conhecimento ancestral, gerando, segundo Janaína, conhecimento, afago emocional e suporte para os mais necessitados, com a distribuição de cestas básicas, doação de folhas sagradas e roupas.
“Contar com o subsídio desta ação necessária da Prefeitura para colocar em dia as contas básicas, reparos dentro do Terreiro e oferecer à nossa comunidade, como contrapartida social, um momento de conversa e toque sagrado, já que os Terreiros encontram-se com suas atividades suspensas, foi de um valor imenso. Espero que as ferramentas digitais e apoios financeiros como este cheguem ao nosso alcance em outras oportunidades, gerando a continuidade do nosso trabalho”, agradece.
O presidente da FGM, Fernando Guerreiro, afirma que, desde que foi percebida a gravidade da pandemia, foi estabelecido um diálogo com a comunidade artística, com a participação do Conselho Municipal de Políticas Culturais (CMPC). A intenção foi prestar o apoio que fosse possível naquele momento.
“A partir de um diagnóstico inicial, partimos para a distribuição de cestas básicas, apoio institucional, zerando pautas, partindo para a aprovação da Lei Aldir Blanc, pois não era, àquele momento, possível arcar com recursos municipais. A lei foi, então, o grande elemento de sustentação para a classe artística”, conta Guerreiro.
Na prática – A lei foi montada em cima de três incisos: o primeiro deu suporte aos artistas, pessoa física, com um auxílio de quatro ou cinco parcelas de R$600, que ficaram a cargo dos estados. Aos municípios coube o Inciso II, com três parcelas de R$5 mil ou três de R$10 mil para empresas, espaços e agentes culturais em grupos, formando então um apoio coletivo.
“Neste quesito, aprovamos 362 apoios, fazendo rodar a cadeia produtiva no município. O 3º Inciso diz respeito ao apoio a projetos culturais através de editais: linguagens artísticas, audiovisual e patrimônio, totalizando 138 projetos contemplados com valores que vão de R$50 mil a R$100 mil”, recorda Guerreiro.
A seleção dos projetos foi feita através de três editais: Prêmio Anselmo Serrat de Linguagens Artísticas, Prêmio Conceição Senna de Audiovisual e Prêmio Jaime Sodré de Patrimônio Cultural. Com a iniciativa foram impactados, em média, 5 mil agentes culturais, entre artistas e técnicos. Além disso, está em fase de planejamento, mesmo com a chegada da vacina, da continuidade do apoio à classe cultural.
A discussão, com participação do Fórum de Gestores Culturais, gira em torno da criação da Lei Aldir Blanc 2, tentando também garantir a permanência do valor que seria devolvido, além de voltar a rodar todos os editais da FGM que estavam suspensos, e cogitando novos formatos de apoio, dando prioridade a projetos on-line ou repasse direto aos artistas. Todas as propostas ainda estão em fase de estudo.