Criador de um movimento que pegou “meio sem querer”, segundo suas próprias palavras, o economista Eduardo Moreira, 44, defende a união dos diferentes matizes democráticos em torno do objetivo comum de se opor ao governo e aos ideais preconizados por Jair Bolsonaro (sem partido).
“Acho que é uma percepção errada das pessoas de que o Brasil vai dar certo quando o Ciro [Gomes] e o Lula derem um abraço. Quando [Flávio] Dino e [Luciano] Huck se juntarem numa chapa. Isso não vai acontecer. Ciro e Lula vão continuar discutindo, o Huck e o Dino também. Mas a gente quer discutir dentro das regras democráticas”, afirma o coordenador do Somos 70%.
Inspirado na soma do péssimo, ruim e regular dado a Bolsonaro nas pesquisas do Datafolha, o movimento adota uma linha mais flexível que os demais e diz estar aberto a todos aqueles que sejam contra o governo, incluindo gente que dele participou efetivamente, como o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
“Estava vendo outro dia que o Lobão, a Joice Hasselmann, essas pessoas estão dizendo que são parte dos 70%. Como que eu vou dizer que não? Se é contra o governo, está na estatística. Não é um clube.”
Moreira se diz progressista, alinhado ao MST e afirma que o ex-presidente Lula —que criticou o elitismo desses movimentos— foi tratado com muita violência nos últimos anos, tendo sido alvo de uma condenação injusta.
“Acho que quando o presidente Lula fala que a população mais pobre deveria se ver retratada nesses movimentos ele tem, sim, uma parcela de razão. (…) Adoraria ver o presidente Lula se juntando a esses movimentos, mas compreendo e respeito a atitude dele.”
Moreira afirma ter feito campanha para Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno de 2018 e para Fernando Haddad (PT) no segundo.
Como tem sido a relação entre os grupos? Os três movimentos são muito recentes. Acho que as pessoas deveriam entender que os movimentos não nascem como uma empresa, com “business plan”, projeto de longo prazo. Acho que nascem de forma diferente, vão se compreendendo, entendendo a força que representam.
Os movimentos estão crescendo, trazendo pessoas para a sua causa, para o seu formato, e agora começaram a conversar. Acho isso muito importante não no sentido de consolidar os movimentos em um só, não acredito que isso vá acontecer nem deva existir.
São movimentos complementares. O Juntos tem importantes formadores de opinião. O Basta! tem importantíssimas pessoas do mundo jurídico. E o Somos 70%, desde o começo, quer representar os 70%. Todas as peças. Não tem rosto de ninguém famoso. A ideia é retratar o povo, que forma os 70%, e não a elite, que forma 1%. Uma parte da elite forma os 70%. E fazer com que essas pessoas sejam vistas, ouvidas.
Uma coisa curiosa é que você vê em crises, e agora na pandemia, na Europa, na Ásia, nos Estados Unidos, vários líderes repetem a frase “I see you, I hear you”. E no Brasil? Quem está escutando as pessoas mais pobres? Não temos dado voz às pessoas na fila dos R$ 600, aos 30 mil mortos. A ideia é que as pessoas possam se ver e se entender como maioria.
Acho que o Bolsonaro foi muito esperto quando resolveu colar na imagem do cara simples, que come sanduíche, sai do palácio e ouve as pessoas. Isso fez com que o governo, com essa cara meio forçada popular e com suas milícias digitais e seus milhões de robôs, aparentasse ser a maioria, quando não era.
As pesquisas já mostravam que não era maioria em relação a isolamento social, preservação da Amazônia, popularidade. O que o Somos 70% faz é trazer de volta a sensação, principalmente ao cidadão comum, de que é maioria. E aí ele não precisa ter medo de ter sua voz.
O sr. disse que pretende que o grupo chegue nas pessoas que não fazem parte da elite, diferenciando-se dos outros grupos. O sr. acha que já é possível ver isso? Acho que não. A gente tem uma falsa percepção. Parei para encher o tanque do meu carro e perguntei: ‘Você sabe o que é o Somos 70%?’. Ela respondeu: ‘Não, moço, não ouvi ainda, não’. Eu já imaginava. A gente hoje se fecha em bolhas que são tão pequenas e, ao mesmo tempo, na nossa cabeça, tão representativas do mundo que tem lá fora.
Os algoritmos das redes sociais, o WhatsApp, viram o nosso “Show de Truman” [filme em que o personagem principal pensa habitar um mundo normal, mas vive em um reality show]. E a gente acha que o mundo é isso. Mas não é.
Hoje, olhando algumas pesquisas que mostram a popularidade da hashtag Somos 70%, na internet, nos últimos dias, deu para ver que o ritmo de crescimento é impressionante. Cada vez mais o número de pessoas, espalhadas pelo Brasil, de vários estratos sociais, ficam sabendo da hashtag. As pessoas ouvem, mas e aí? Onde vai chegar? O que quer dizer? Isso vai se construindo.
No último dia 1º, fiz um post e minha vida virou essa maluquice. Não planejei. O que aconteceu? O movimento já estava aí. Quando a pessoa é inteligente, ela percebe que abriu a vela para um vento muito forte, e ela tenta olhar para o vento para ir direcionando a vela, e não tenta mudar a direção do vento com a vela dela. O que a gente está fazendo aqui é olhar para que lado está o vento que pegamos meio sem querer. Sem tentar moldar os 70%.
Onde vocês querem chegar com o movimento? Qual é o objetivo final? Acredito que os 70% gostariam de poder estar dando as cartas, falar sobre meio ambiente. Os 70% gostariam de poder estar falando em paz, brigando democraticamente.
Dentro dos 70% você tem correntes ideológicas, pessoas que pensam diferente, que vão brigar e não vão fazer as pazes.
Acho que é uma percepção errada das pessoas de que o Brasil vai dar certo quando o Ciro e o Lula derem um abraço. Quando Dino e Huck se juntarem numa chapa. Isso não vai acontecer. Ciro e Lula vão continuar discutindo, o Huck e o Dino também. Mas a gente quer discutir dentro das regras democráticas, sim. Esses 90% vão poder se impor na discussão, democraticamente, porque são os 70% que acreditam até na briga, dentro do jogo democrático.
O Eduardo tem suas crenças pessoais. As pessoas sabem que eu sou mais de esquerda, progressista, muito próximo ao MST. Mas eu sou 0,001%. Eu sei que sou parte da turma que quer poder brigar democraticamente. Da turma que quer falar sem ser ameaçado.
Hoje cedo uma pessoa entrou na minha live e falou “morte a esses comunistas”. Morte. Como é que pode? Esses são os 30%.
Os outros grupos já estão querendo definir se são a favor do impeachment. Ainda é cedo para isso ou vocês também querem? O Eduardo Moreira é a favor do impeachment. Só que se você for olhar a população brasileira hoje, as pesquisas dizem que 50% são a favor. Então não são 70% a favor do impeachment.
As pautas que falei: rejeição à aproximação com centrão, Datafolha diz que é 67%. A favor do estado incentivar a cultura, Datafolha mostra que são 67% também. Que são contra as frases do Bolsonaro de armar a população, 72%. Que acham o governo péssimo, ruim e regular, 67% segundo o Datafolha.
Então veja que tudo isso é quando você pode se sentir como parte da maioria. Se você é a favor do impeachment, você não é maioria hoje no país.
Como formador, me exponho como a favor do impeachment, mas não vou fazer com que o movimento Somos 70% adote uma bandeira do Eduardo, senão estaria usando o 70% para algo que não é dividido por 70% da população.
Folhapress