O segredo de Alex Alves, que escondeu a grave doença que o levou à morte

Um atacante habilidoso, que arrancava com velocidade e comemorava seus gols com movimentos de capoeira. A descontração em campo era combinada com uma preocupação estética: no início dos anos 2000, era um “metrossexual”. O termo, anacrônico em 2023, era usado para homens vaidosos, que cuidavam da própria aparência – o mundo tinha David Beckham; o Brasil, Alex Alves.

Mas Alex Alves também era introspectivo, gostava de escrever e da leitura. E tinha uma ligação extremamente forte com a sua única filha, Alexandra. Inicialmente, foi com ela que o ex-jogador de Vitória, Palmeiras, Cruzeiro e Hertha Berlim dividiu um segredo: estava doente.

Alex passou anos convivendo com um mal que comprometia o funcionamento da medula óssea. Escondeu o diagnóstico o quanto pôde, e de quase todos. Morreu em 14 de novembro de 2012, aos 37 anos, em um hospital de Jaú, interior de São Paulo. Alexandra, que vivia com a mãe em Belo Horizonte, tinha acabado de completar 13 anos.

DE SALVADOR A BERLIM

Alex Alves tinha 12 anos quando foi descoberto por Paulo Carneiro, então presidente do Vitória. “Ele sempre teve qualidade, era rápido, forte e de muita personalidade”. Sob a gestão de Carneiro, as categorias de base do clube foram estruturadas. “Tínhamos alguns jogadores que seriam importantes, como o Dida, o Vampeta e o Paulo Isidoro.”

O ex-volante Vampeta foi um dos melhores amigos de Alex. “Nos conhecemos com 14 anos, em 1988. Formamos a base do Vitória, do infantil até o profissional”. Foi essa base que levou o time baiano ao vice-campeonato brasileiro em 1993, contra o Palmeiras. Alex Alves e o meia Paulo Isidoro, destaques da equipe, foram negociados com a equipe paulista na sequência.

Em São Paulo, Alex foi campeão brasileiro em 1994. Mas, sem muito espaço, acabou emprestado para Juventude e Portuguesa — foi titular da Lusa na campanha do vice nacional, em 1996, e chamou a atenção do Cruzeiro.

Transferido para o time mineiro em 1998, Alex teve bons momentos, dentro e fora de campo. Foi em Minas que conheceu Nadya França, modelo que havia ficado famosa como namorada de Ronaldo Fenômeno. Passaram a viver juntos e tiveram Alexandra, em outubro de 1999.

No Cruzeiro, viveu sua melhor fase. Foi campeão mineiro, da Recopa Sul-Americana e vice-campeão brasileiro. As boas atuações com a camisa celeste chamaram a atenção de clubes europeus. Alex fechou com o Hertha Berlim, e a família se mudou para a Alemanha — Alexandra tinha apenas três meses.

NO RETORNO AO BRASIL, A SEPARAÇÃO E OS PROBLEMAS FINANCEIROS

Alex estreou no Hertha em fevereiro de 2000, mas seu período no clube foi de altos e baixos. Fora de campo, teve problemas — acabou autuado duas vezes por dirigir em alta velocidade, sem carteira de motorista. A imprensa chegou a elegê-lo como uma das piores contratações da história do futebol alemão.

Alex fez 35 gols em 108 partidas. Sua passagem é lembrada, especialmente, pelo gol na vitória por 4 a 2 sobre o Colônia, na temporada 2000/01 da Bundesliga. O rival tinha acabado de fazer 2 a 0 e, no reinício da partida, Alex arriscou um chute do meio do campo. A bola viajou mais de 50 metros e encobriu o goleiro. Ficou marcado como “o gol do século”.

Faltando seis meses para o fim do contrato de quatro anos, Alex resolveu voltar ao Brasil. Fechou com o Atlético-MG. Nadya afirma não ter concordado com a decisão. “Eu não achei certo sair da Alemanha, porque lá fora se vivia muito bem. No Brasil, os clubes estavam falidos.” A divergência entre os dois teria sido o motivo da separação. “Ele chegava em casa muito nervoso por causa da falta de pagamento. E eu falava: ‘está vendo? A gente não poderia ter ido embora’.”

Ainda em 2004, Alex deixou o Atlético-MG e foi para o Vasco — no Rio, a falta de pagamento se repetiu. O atacante ainda voltou para o Vitória, em 2005, novamente por meio do presidente Paulo Carneiro. “Ele jogou comigo a Série B de 2005. Quis botar ele em forma para jogar em alto nível. Mas ele não tinha a cabeça, estava separado da mulher. A família fez ele voltar ao Brasil. Foi o maior erro da vida dele.”

Carneiro afirma que tentou ajudar a organizar a vida financeira do pupilo. “Ele me chamava de pai. Quando voltou para o Vitória, fui resolver problemas com cartão de crédito e liguei para o sogro, que estava com todo o dinheiro dele. Comprei um carro, porque nem carro ele tinha mais.”

Alex Alves deixou o Vitória em 2006, e ainda jogou no Boavista (2007/08), Fortaleza (2008), no grego Kavala (2008/09) e no União Rondonópolis, em 2010. Em seus últimos clubes, o jogador já estava doente, mas manteve o diagnóstico em segredo de quase todos.

ALEXANDRA, UMA DAS POUCAS A SABER DA DOENÇA

Alex Alves tinha uma doença de nome complicado —hemoglobinúria paroxística noturna— e de efeito devastador no organismo. Essa condição lesiona a medula óssea e compromete a fabricação de sangue, além de causar eventos como dores abdominais e quadros de trombose.

O atacante teria descoberto a doença em 2007, quando tentava voltar ao futebol europeu. A partir daí, a situação financeira se agravou. Além do calote dos times, Alex Alves sempre teve altos gastos: sustentava a família de origem e tinha uma filha para criar. Para manter essa estrutura, era preciso continuar jogando. Uma das poucas pessoas a saber que ele estava doente, ainda que sem grandes detalhes, era a filha Alexandra.

Alex Alves e Nadya se separaram quando Alexandra tinha seis anos — ela ficou morando em Belo Horizonte com a mãe, enquanto o pai manteve sua base em Salvador. “Eu era muito apegada ao ele, era algo natural. A gente falava que o nosso amor era um amor sublime. Foi uma relação de muita amizade, companheirismo? Éramos confidentes. Ele era meu melhor amigo.”

Alexandra conta que, após a separação, a relação entre os pais não foi amistosa. Por isso, eram mais frequentes as idas dela a Salvador do que as visitas dele em Belo Horizonte. E foi em uma dessas viagens à Bahia que ela, mesmo criança, percebeu que o pai não estava bem.

“Eu tinha uns 9, 10 anos, e ele começou a ter problemas nos rins, teve que fazer uma cirurgia. Eu ia muito para Salvador visitá-lo e lembro direitinho dele trocando curativos, a minha tia Cleide cuidando dele. Ele sempre foi discreto, porque era uma pessoa muito vaidosa. Mas eu fui percebendo que ele estava cada vez mais fraco, a coloração da pele foi mudando, e ele me contou que estava doente. Ele estava mais fraco, com menos dinheiro, aquilo tudo mexeu muito comigo”.

Em 2008, quando jogou no Fortaleza, Alex Alves desmentiu estar com leucemia. Disse que era um boato. Dois anos depois, procurou tratamento no Hospital Geral da Bahia. Com a saúde em declínio, o atacante foi buscar a cura para a sua doença a quase 2.000 km de Salvador.

EM JAÚ, O TRANSPLANTE, E A MORTE

O Hospital Amaral Carvalho, na cidade de Jaú, é referência nacional para o tratamento de câncer e transplantes de medula óssea via SUS. Foi assim que Alex Alves chegou ao interior de São Paulo, em 18 de setembro de 2012.

O médico hematologista Mair Pedro de Souza lembra da surpresa ao receber o paciente famoso. “A gente não sabia que ele viria. Ele foi atendido no ambulatório e ficou na casa de apoio para pacientes do SUS. Dormiu a primeira noite lá porque chegou pelos canais habituais do sistema público”. No dia seguinte, por privacidade, Alex já foi internado.

O transplante de medula óssea era a única alternativa para a cura de Alex Alves. A doação veio de um dos irmãos, e o procedimento foi realizado em 5 de outubro, dois dias antes do aniversário de 13 anos de Alexandra.

Em Jaú, Alex esteve acompanhado da irmã, Cleide. Passava o dia no computador, falando com fãs, inclusive da Alemanha. Internado em regime de isolamento, não podia receber visitas.

O transplante, em si, foi bem-sucedido: em 21 de outubro, a medula começou a funcionar. Mas Alex Alves evoluiu para uma grave complicação, a “doença do enxerto contra o hospedeiro”, em que o organismo começa a rejeitar as células que foram doadas. Alex Alves morreu por falência múltipla de órgãos, às 8h40 do dia 14 de novembro de 2012.

Os amigos do futebol só souberam dos problemas de saúde de Alex quando a imprensa começou a noticiar o transplante, em meados de outubro. “Eu não sabia que ele estava doente, nem o Dida, nem o Paulo Isidoro, nem o Vampeta, os melhores amigos”, conta Paulo Carneiro.

Mas o hematologista que cuidou de Alex destaca a participação ativa desses amigos durante o período de internação. “Todos eles ajudaram muito. Eles me caçaram, me acharam em Jaú e me ligaram para perguntar o que era possível fazer para ajudar. Essa solidariedade dos ex-jogadores foi muito importante para o Alex, ele se sentiu muito protegido.”

O que incomodou o médico Mair Souza e a equipe do hospital é que Nadya disse à imprensa que Alex precisaria de dinheiro para a realização do transplante. “Todo o tratamento dele foi gratuito, pelo SUS. Naquele momento, não era de grana que ele precisava — isso ele iria precisar depois. Ele precisava de uma coisa que infelizmente não teve, que era a resposta adequada ao tratamento.”

O Vitória se responsabilizou pelas cerimônias de despedida de Alex Alves em Salvador. Atendendo a um pedido do jogador, as cinzas foram lançadas ao mar.

LEMBRANÇAS

Em 2022 completaram-se dez anos da morte de Alex Alves. Alexandra é, hoje, uma mulher de 23 anos, mãe de Maitê, com quase três. Do pai, guarda a lembrança de um homem forte, que não queria demonstrar fraqueza, e que nunca perdeu sua essência.

É essa imagem que ela quer repassar à neta que Alex Alves nunca conheceu. “A Maitê é a cara dele, e eu tenho certeza que ele iria se apaixonar por ela. Quero sempre falar dele para ela, do pai que ele foi. Tenho muito orgulho da história dele, da história que ele fez. Quero ser um pouco do que ele foi.”

Folhapress