*Por Cícero Sena
A beleza da cidade de Salvador é tanta e tão singular, que somente através da poesia deveria se contar.
“Salvador Bahia Território africano Baiano sou eu É você, somos nós Uma voz um tambor África, iô, iô Salvador, meu amor A raiz de todo o bem, de tanta fé…” Saulo Fernandes.
O criador foi generoso ao conceber a linda e ancestral cidade de Salvador da Bahia. Com sua gênesis no mar, segmentada em cidade alta e baixa é circundada pela maior baía tropical do mundo no poente e pelo Atlântico no nascente, formando uma belíssima paisagem com ondas de um mar azul infinito se espraiando nas alvas praias.
Circulando pela extensa orla, na curva do Morro Ipiranga se avistará uma colina e no cume como que suspenso no céu a escultura do Cristo abençoando os navegantes que adentram a baía; um pouco adiante o Forte de Santo Antônio e o Farol da Barra, o mais antigo das Américas e memória ancestral da navegação na cidade que por mais de duzentos anos foi capital do Brasil. À esquerda no Atlântico, a Praia do Farol em uma enseada. À direita no início da baía, mais dois Luís fortins e a Praia do Porto da Barra, eleita uma das mais belas do mundo e à frente como moldura, a formosa Ilha de Itaparica. Para completar o encantamento no horizonte no encontro do céu com o mar o crepúsculo atrai reverente multidão que se emociona quando o sol se despede do dia espalhando uma dourada réstia de luz iluminando e alegrando corações. A lua cheia emergindo no oceano é outro espetáculo digno do Éden.
Salvador é pródiga em cartões postais. Além dos citados, entre tantos outros há o Pelourinho e Centro Histórico, Elevador Lacerda, Mercado Modelo, Forte de São Marcelo, Igreja do Bonfim, Ponta do Humaitá, Praia de Ondina, Rio Vermelho, Dique do Tororó, Lagoa do Abaeté, Praia e Farol de Itapuã e Litoral Norte com maravilhosas praias.
O Pelourinho nunca é cansativo afirmar é o maior e mais conservado conjunto colonial arquitetônico das Américas, tombado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Em suas ruelas vive-se a ancestralidade baiana com suas origens na Europa e sobretudo na África.
Se da Europa herdamos a colonial arquitetura espalhada em centenas de construções, conventos e lindas igrejas, foi da mãe África que herdamos as ancestrais raízes que impregnaram nossa alma cuja imemorial cultura, usos e costumes se mantém extraordinariamente ativas em nosso povo. O Pelourinho e o Centro Histórico exalam em suas ruas, becos e largos as cores, aromas, sabores e saberes da mama África.
Na cidade de Salvador coexistem de forma harmoniosas as diferentes religiões de matriz africana com as de origem europeia em autêntico ecumenismo.
Nos últimos anos as atuais administração pública municipal e estadual se empenharam em torná-la ainda mais bela, especialmente na Orla Marítima com obras de requalificação do sistema viário, moderna iluminação, ciclovias, calçadões, praças e mirantes.
Uma característica de Salvador muito admirada é a intensa luminosidade por quase todo o ano, que intensifica suas belezas naturais e tornam os dias mais radiantes, causada em parte pelo reflexo do sol nas águas que circundam nossa peninsular cidade tornando-a solar e aconchegante.
Se as belezas naturais tornaram nossa cidade um ícone mundial, no plano cultural é insuperável. As intensas e proeminentes manifestações nas festas populares, na música, na literatura, na gastronomia, na arquitetura, nas artes plásticas, no imenso acervo de obras sacras, no peculiar vocabulário a tornaram admirada mundialmente.
As festas populares são um capítulo à parte pela intensidade e devoção com que são praticadas. Algumas são internacionais como o Carnaval, Festa do Bonfim, de Iemanjá, as de Largo em um calendário que permeia todo o ano. O dia 2 de julho é uma memorável comemoração cívica em que se celebra a independência em que centenas de baianos irmanados em todas as raças e crenças, deram a vida para consolidar a Independência do Brasil.
Salvador e o Estado da Bahia pelos seus atributos é uma nação pela diversidade e riqueza cultural. Aqui nasceram gêneros musicais que revolucionaram a música Luís brasileira em diversos momentos da sua história. É um celeiro de criatividade em inovações, algumas iconoclastas como os acordes de João Gilberto, a revolucionária Tropicália com os geniais Gil, Caetano e Bethânia, o Samba de Roda, o Cinema Novo de Glauber Rocha, a ancestral sonoridade dos tambores e atabaques afros eternizados pelo Olodum, Timbalada e Ilê Aiyê, cuja percussão arrepia, emociona e nos remete a tempos imemoriais, os trios elétricos, os Novos Baianos, o Aché com seus famosos representantes que se tornaram ídolos nacionais, a literatura com Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, em um movimento contínuo de inovações admirado pelo mundo e que perdura por décadas.
Há poucas cidades no país em que o sentimento telúrico de pertencimento e de conexão com a terra seja tão acentuado como em nossa cidade. Aqui os afrodescendentes têm orgulho de suas raízes e a celebram na cultura, na gastronomia, na música em festejos religiosos e festas populares. Se o brasileiro tem a síndrome de vira lata, em Salvador não ocorre. Seus moradores são orgulhosos de suas origens e a veneram.
Se historiadores reconhecem que são as cidades antigas que melhor atendem à necessidade de uma vida estável, Salvador é um exemplo. Iain Sinclair acredita que as cidades velhas guardam os traços psíquicos das gerações que passaram por elas e cada igreja é um campo de força, um anteparo, um local elevado cuja influência sobre os eventos não é reconhecida.
Assim como os índios Tupinambás que no passado receberam na Kirimurê os navegantes portugueses, a cidade do Salvador continua nos tempos atuais recebendo carinhosamente seus visitantes como uma amorosa mãe acolhe e agasalha seus filhos.
Que os espíritos da mãe África e o Senhor do Bonfim mantenham sobre Salvador seu manto protetor para todo o sempre.
Axé.
Cícero Sena. Empresário, escritor. Membro da ALB – Academia de Letras de Porto Seguro e Bahia e ex-presidente da ABIH-BA – Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia.*