[Opinião] Coronavírus, democracia e as perspectivas do processo eleitoral

Ademário Costa*

As regras eleitorais mudaram. De 2016 para 2018 aconteceu uma mudança importante na legislação eleitoral que reduziu o tempo da propaganda eleitoral gratuita de televisão e rádio, reduziu o período da propaganda partidária – que neste mesmo período em 2016 já estava acontecendo – e também reduziu uma série de instrumentos de propagandas, como muros, camisas, carros de som, brindes, showmícios, além de reduzir o tempo de campanha eleitoral propriamente dita para 45 dias.

Ao mesmo tempo foi criado um novo instrumento que não existia antes, que é o tempo da pré-campanha. Um instrumento que nós podemos utilizar para anunciar as pré-candidaturas e propagar as ideias partidárias, desde que sem pedir voto. Em 2018 foi o primeiro momento em que tivemos a oportunidade de realizar essa pré-campanha, que é fundamental para que as pré-candidaturas possam apresentar suas ideias e dialogar com a população sobre determinadas regras. Em 2020 teremos as primeiras eleições municipais regidas por essa nova legislação eleitoral. A pandemia nos coloca em uma situação que esse instrumento da pré-campanha está comprometido, estamos irreversivelmente impedidos de fazer a pré-campanha em contato com a população.

Mesmo a utilização de instrumentos de comunicação pela internet, que é uma coisa que o PT tem feito muito, se expandido como vetor insólito de uma campanha eleitoral, adquire um caráter restritivo e antidemocrático. É fato que as desigualdades sociais impedem que a maior parte da população tenha equipamentos e banda larga de qualidade. Quem não tem um bom celular, um bom computador e uma internet veloz não conseguirá interagir da forma necessária para poder participar da democracia. Ou seja, a campanha eleitoral tal qual é descrita na legislação está impedida de se realizar em respeito às corretas medidas restritivas.

Um segundo fator é que a realização da eleição implica em um esforço grande de mobilização social. Para atravessar e superar essa crise sanitária, precisaremos de um esforço de união política, social e econômica em que todas as lideranças da sociedade brasileira precisam constituir uma ação unificada, coletiva para salvar o país. É importante que os governos estaduais, prefeituras, Congresso Nacional, o Poder Judiciário e os partidos políticos unam-se em um cenário em que não poderemos contar o presidente da República.

Essa necessidade de mobilização extrapola os governos e chega até a raiz da sociedade. Me parece que as lideranças ainda não têm ideia do tamanho do desastre que está por vir, que vai afetar muito a nossa capacidade de fazer as eleições de forma que ela possa ser de fato um instrumento da democracia. Nesse sentido, considero impossível determinar neste momento qual será a data das eleições, mas é forçoso que as lideranças políticas admitam que esta questão está em debate. Tudo está em suspenso. Não podemos afirmar ainda que ela será adiada, e para quando, mas seria no mínimo insensível afirmar que ela se realizará de qualquer maneira na data originariamente prevista.

Portanto, defendo que encontremos uma solução que passe pela preservação da equidade e da igualdade de condições para que a população possa participar do processo democrático. Uma solução que preserve todo o esforço nacional concentrado somente em salvar a vida das pessoas diante do caos que vamos viver na saúde, com consequente colapso de todos os sistemas sociais. Defendo que o Congresso Nacional no início do mês de junho decida colocar o processo eleitoral à disposição do esforço necessário para sobrevivermos à pandemia. Quero dizer também que sou contra a prorrogação de mandatos, considero a possibilidade de alternância de poder uma cláusula pétrea inscrita na constituição.

Mesmo neste cenário de incertezas, é necessário manter a preparação dos partidos para a o processo eleitoral e para a política como um todo, que deve ser compreendida de forma mais ampla. As direções partidárias e as pré-candidaturas precisam assumir o papel de lideranças sociais, demonstrando capacidade de conduzir a sociedade na direção de uma nova postura comportamental, e os governos para soluções socioeconômicas de longo prazo. Não podemos abandonar a preparação das nossas pré-candidaturas, isolamento social não significa que a política está de férias ou suspensa. O estudo da legislação eleitoral, do planejamento estratégico das redes sociais são exemplos desses temas de formação constante.

Estamos diante de um problema novo, jamais visto por nenhum ser humano vivo, e problemas novos exigem soluções novas. Toda a classe política e sociedade precisaram acertar como será o futuro desse processo eleitoral, que com certeza, nas condições atuais, não conseguirá se realizar tal qual foi imaginado quando a atual legislação foi aprovada no Congresso Nacional.

*Cientista Social é presidente em exercício do diretório municipal do PT de Salvador