[Opinião] Doria, deixe Eduardo Leite ser presidente

Por Leandro Narloch

Os tucanos vão decidir em 21 de novembro se escolhem João Doria ou Eduardo Leite como candidato do partido ao Planalto. Do ponto de vista puramente eleitoral, a escolha não parece difícil.

Doria precisa deixar de lado a fixação com a Presidência e abrir espaço para o governador gaúcho, que tem mais chances de surpreender nas urnas.

Digo isso e mordo a língua. Já escrevi por aqui algo muito parecido, com personagens trocados: “Alckmin, Aécio, deixem Doria ser presidente”.

Era março de 2017 e a direita se entusiasmava com o prefeito gestor. Diferente do tucano típico, Doria tinha orgulho de se dizer liberal e prometia abertamente privatizar o que pudesse. A política brasileira ainda se polarizava entre PT e PSDB; pouca gente levava a sério a imagem de Bolsonaro eleito presidente.

Doria acabou eleito governador e, quatro anos depois, o entusiasmo com ele deu lugar a rejeição. Segundo o Datafolha, mais paulistas confiam plenamente nas declarações de Bolsonaro que nas de Doria.

Mesmo entre os paulistas, Doria fica em quarto lugar nas pesquisas para a Presidência. Governador de um estado com quatro vezes mais eleitores, tem os mesmos 4% de intenções de voto de Eduardo Leite.

Por que uma popularidade tão baixa? É razoável afirmar que, durante a pandemia, a atuação de Doria superou a de governadores que hoje têm taxas de aprovação mais altas.

O principal motivo da rejeição é a postura do governador. Suas palavras e seu jeito de falar parecem exalar narcisismo e soberba; os eleitores enxergam nele ambição disfarçada de bom-mocismo. Justa ou não, essa imagem colou e dificilmente vai mudar.

Já Eduardo Leite não sofre tanta rejeição. Fez a reforma administrativa mais profunda do país, derrubou a necessidade de plebiscito para desestatizações, vendeu a companhia de distribuição de energia e prepara a venda da companhia estadual de saneamento.

Cultivou consistência a seus princípios sem criar tantas divisões ou ressentimentos. Pelo contrário, até Lula reclamou, na semana passada, que o PT gaúcho precisa elevar o tom e fazer uma oposição mais dura a Leite.

Eleitores com frequência se cansam dos mesmos atores e escolhem uma cara nova para desempenhar o teatro –a opereta– da política. O governador gaúcho poderia se beneficiar desse efeito novidade. Pouca gente se irritou ou cansou dele; é alguém que ainda desperta curiosidade da plateia.

Será que o fato de Eduardo Leite ter assumido a homossexualidade impediria sua vitória, considerando a homofobia de boa parte dos brasileiros? Não tenho certeza.

Ele tem conduzido bem a questão –conseguiu mantê-la como uma “nonissue”, um tema de pouco interesse ou controvérsia. Continuando assim, é possível que sua orientação sexual atraia mais eleitores do que afaste, ou que pelo menos não o prejudique.

E tem a voz –meu Deus, o que é a voz daquele homem. Enquanto a voz de Sérgio Moro tira dele milhões de votos, a de Eduardo Leite lhe garante uns 10% do eleitorado.

O leitor talvez considere isso uma frivolidade, mas pense bem. Gostamos de acreditar que os eleitores se movem pela razão; a verdade é que voz e a aparência rendem mais votos que muitas propostas e argumentos.

(O que, aliás, revela a loucura essencial da política. Relegamos o comando da saúde pública, do Exército, do sistema de ensino e da política econômica a pessoas que têm como principais atributos a aparência ou a habilidade de falar o que eleitores querem ouvir.)

Enfim: entre Doria e Leite, não sei qual dos dois seria o melhor presidente. Mas hoje Eduardo Leite é certamente o melhor candidato.

Leandro Narloch é um jornalista e escritor brasileiro