Por Waldir Santos
Quem conciliar a realidade da prática eleitoral com o conhecimento jurídico verá que as eleições de 2020 têm tudo para ser a salvação dos partidos pequenos, ou o começo dela, desde que seus dirigentes e candidatos saibam exatamente o que fazer.
Tem sido frequente a repetição da ideia de que o fim das coligações proporcionais levará os partidos pequenos à extinção. A intenção, de fato, parece ter sido essa, mas a nova regra, especialmente nas eleições de 2020, surtirá muito mais efeitos em razão de outra característica dos partidos, a qual nem sempre coincide com o fato de ser ele pequeno, pois deve ser considerada caso a caso em cada Município: ter ou não ter vereador em seus quadros.
Quando era possível coligar nas eleições proporcionais, o cenário mais comum era aquele em que os vereadores, normalmente integrantes dos partidos maiores, somente conseguiam atingir o quociente eleitoral com a “ajuda involuntária” dos numerosos candidatos dos partidos pequenos. Os votos dos nanicos, muitas vezes, quando somados, eram suficientes para eleger um ou até mais vereadores, mas acabavam servindo para manter nas câmaras os bem orientados de sempre.
Os dirigentes municipais dos partidos pequenos muitas vezes devem obediência a um líder político local (normalmente o prefeito ou os ex-prefeitos), ou têm dependência econômica em relação a eles. E assim, facilmente, a pedido do chefão, acabam fazendo a vontade dos vereadores desesperados pela reeleição. Mas isso pode mudar. É que antes, era suficiente “convencer” o presidente, normalmente de uma comissão provisória, o que era fácil, mesmo nos casos em que ele não tivesse sido colocado lá pelo chefe político. E assim, ainda que conhecessem as regras e se posicionassem contra, os candidatos com votação modesta, mas que tinham chance de ganhar a eleição, eram levados para a forca. Era isso ou desistir da candidatura. Agora é diferente, pois será necessário “convencer” muita gente a seguir o caminho do suicídio político e se filiar a um partido onde as chances para os candidatos pequenos e médios beiram a zero. E isso custa muito caro. Com mais acesso às informações, só cairá na armadilha quem não tem votos. E ninguém trocará a chance de eleição pela promessa incerta de um cargo de assessor.
Vejamos um exemplo muito simples, mas esclarecedor: Se um município tem 11 vereadores e o quociente eleitoral de mil votos, e o partido “A” tem um candidato com 900 votos e 14 candidatos com 90 votos cada, totalizará 2.160 mas elegerá apenas um vereador. O partido “B”, com 15 candidatos de cem votos cada, totalizará 1.500 votos e elegerá todos os outros dez vereadores. Onde está a vantagem em ir para partidos com candidatos grandes? Se houvesse grandes no partido “B”, eles nem precisariam fazer campanha para ocupar as vagas oriundas da votação obtida pelos candidatos pequenos. Parece estar errada a conta em que uma chapa com mais votos elege menos, e bem menos, vereadores do que a chapa que teve mais votos. Isso, no entanto, decorre de outra regra nova. A chamada “regra dos dez por cento”, que será explicada a seguir.
O fenômeno mais interessante dessas eleições será a ausência de alguns dos grandes compradores de voto nas eleições municipais, pois essa mercadoria, que é sempre adquirida, desta vez não bastará, pois não haverá pequenos em número suficiente para completar os votos. Quem investe muito dinheiro certamente não correrá o risco de perder a eleição, e por isso mesmo ninguém comporá chapa em partido onde só tiver candidato grande. E os poucos pequenos que poderão ser convencidos a fazer o papel de escada para as raposas provavelmente serão os que não cumprirão um requisito criado recentemente, que consiste em obter votos equivalentes a pelo menos 10% do quociente eleitoral. Nesse cenário, haverá uma maior facilidade para os partidos pequenos elegerem vários vereadores, bastando que tenham muitos candidatos e que alguns atinjam o requisito.
É muito comum vermos na imprensa a referência à expressão “puxadores de voto”. Trata-se de um fenômeno praticamente inexistente nas eleições municipais, e raro nas eleições gerais. Para se ter uma ideia, quem muito pesquisar nos registros das eleições de Salvador irá encontrá-los somente na década de 1980 (Eliana Kertész e Rosa Medrado). É uma grande raridade termos um vereador com votos suficientes para si (no caso de Salvador, atualmente, quase 30 mil). O que dizer então da possibilidade de ainda sobrar voto para puxar outro?
Quem elege candidato grande (que em média, quando muito, chega à metade do quociente eleitoral) sempre são os candidatos pequenos. E o motivo do eventual enfraquecimento dos partidos pequenos em 2020 só poderá ser o despreparo dos seus dirigentes, que, em lugar de formar chapas atraentes, com numerosos candidatos pequenos e as portas fechadas para os grandes, permitirá que os seus filiados e votos migrem para os partidos grandes, mantendo a tradição que o fim das coligações poderia evitar. Aqueles que optarem por migrar para um partido sem candidato à reeleição multiplicarão suas chances. A redução do prazo de filiação para seis meses, que é outra novidade interessante, facilitará muito isso.
Mais do que os dirigentes, quem tem o poder nas mãos são os candidatos, e mais ainda os candidatos pequenos, pois é deles a maior parte dos votos. Sim, é verdade. Basta para somar os votos dos vereadores eleitos em seu município e comparar com os votos dados aos demais candidatos. Em Salvador, por exemplo, em 2016 os 43 vereadores foram escolhidos por 21,25% do eleitorado. Em Luís Eduardo Magalhães (BA) os 15 vereadores alcançaram ao todo 18,19% dos votos possíveis. Nota-se que em média 80% do eleitorado não votaram em quem ganhou.
Como se vê, os mais atentos fugirão dos partidos que tiverem vereadores entre os filiados, ou candidatos com grande votação anterior (ex-deputados ou secretários, por exemplo), mesmo que estes inicialmente escondam a intenção de se candidatar. É evidente que os novos candidatos irão servir apenas para completar os votos para a reeleição dos antigos. E é da rebelião dos pequenos que surgirá a sonhada renovação na política. E, para quem não sabe, quem elege deputado são os vereadores, especialmente quando é o dinheiro que determina a vitória. Por isso, para mudar o País é necessário mudar o perfil dos vereadores.
É chegada a hora, portanto, de os partidos pequenos bem administrados crescerem, pois tudo o que foi dito aqui se aplica a municípios com poucos mil ou com alguns milhões de eleitores. É hora de muita gente rica se aposentar da política.
Como sinal de desinformação propositadamente causada por quem está no poder, muitos partidos desistem de lançar candidatos a vereador por acreditarem que é necessário ter candidato a prefeito para registrar a chapa.
Os cidadãos devem estar atentos para as “opiniões” e “informações” dadas por quem está no poder, ou trabalha para quem está no poder. Evidentemente tais pessoas querem que os pequenos, que sequer têm voz ou são consultados, continuem pequenos, para que sejam úteis, ou desapareçam.
*Waldir Santos é Advogado da União, ex-Procurador do Estado e Presidente da Comissão de Combate a Corrupção (OAB-BA).