Por Eduardo Rodrigues *
O Governo Bolsonaro foi denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que atue no combate à crise da pandemia da Covid-19 observando as recomendações de comunidades científicas representadas em um órgão internacional. Essa é a segunda vez que o governo brasileiro é representado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em outros documentos emanados pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) foram pedidas providências ainda à Organização das Nações Unidas e à Organização Mundial da Saúde diante do atual quadro do Brasil.
A denúncia mais recente e que inicia este texto, na CIDH, foi protocolada pelo PDT – Partido Democrático Trabalhista, do ex-presidenciável Ciro Gomes, e apontou violação dos Direitos Humanos por parte do Executivo Federal. Na peça apresentada ao órgão internacional o partido responsabiliza diretamente Jair Bolsonaro pela escalada dos números de infectados e mortos em função do novo coronavírus. “São diversos e recorrentes os atos do Presidente da República que violam e põem em risco a saúde da população brasileira e das nações amigas. Os atos atentatórios induzem a prática de aglomeração contrariando medida preventiva à propagação da Covid-19”, afirma o documento.
Assinalando postura criminosa do chefe do Executivo Federal, o PDT apresentou como provas as próprias ações de Bolsonaro desde o início da pandemia no Brasil. As acusações vão de participação em manifestações e promoção de aglomeração – contrariando órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) – a iniciativas oficiais, como pronunciamentos estimulando o fim do isolamento social. Por fim, a ação requereu que “a República Federativa do Brasil seja condenada na reparação aos familiares dos mortos em virtude da falta de cuidados médicos pelas violações de direitos humanos, incluindo uma compensação pelos danos materiais e morais causados”.
No início do mês de maio de 2020, o governo Jair Bolsonaro havia sido denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos após o Planalto receber o tenente-coronel da reserva, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, de 85 anos. O militar reformado é ex-oficial do Centro de Informações do Exército e ex-integrante do Serviço Nacional de Informações, sendo um dos agentes de repressão da ditadura militar que atuaram no combate à Guerrilha do Araguaia, no sudoeste paraense, nos anos 1970. A denúncia se baseou no descumprimento de uma sentença que condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado e morte de dezenas de pessoas durante o período da ditadura, diante da difusão de informações falsas sobre o ocorrido nas operações.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos se baseia no Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em setembro de 1992 e julgam prioritariamente Estados não pessoas. A Comissão integra o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos. As pessoas, grupos ou entidades que não sejam países reconhecidos (Estado), não têm capacidade de impetrar casos junto à Corte, mas podem recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O gerenciamento dessa pandemia no Brasil também rendeu a Jair Bolsonaro uma ação no Tribunal Penal Internacional (TPI). Diferente da CIDH, o TPI julga indivíduos. A denúncia solicita que o tribunal instaure procedimento jurídico para investigar a conduta do presidente que, como é desenvolvido na ação, é o responsável por expor a vida de cidadãos brasileiros com ações concretas que estimulam o contágio e a proliferação do vírus Covid-19. A inércia da Procuradoria Geral da República, que detém a competência para oferecer denúncias criminais contra o presidente da república e hoje é ocupada pelo baiano Augusto Aras, redundou no exaurimento das possibilidades de ação nos tribunais nacionais o que é requisito para este tipo de ação internacional.
A promoção desta ação aponta que o presidente Bolsonaro viola o artigo 7º, alínea k, do Estatuto de Roma, que entende por crime contra a humanidade o ato cometido no quadro de um ataque generalizado contra a população civil que cause, intencionalmente, grande sofrimento, ou afete gravemente a integridade ou a saúde física ou mental dessas pessoas. O Estatuto de Roma define penas, sendo as mais graves prisão e prisão perpétua.
O TPI é uma corte permanente e independente que processa e julga indivíduos que cometem violações dos direitos humanos, como genocídios e crimes de guerra, ou apresentam ameaças contra a paz e a segurança internacionais. Atua desde 2002 em Haia, na Holanda, quando o Estatuto de Roma, que regula suas competências e diretrizes, foi ratificado. Atualmente, 122 estados são signatários do Estatuto, inclusive o Brasil.
O Tribunal Penal Internacional é a primeira corte internacional de julgamento de indivíduos desde o Tribunal de Nuremberg, que foi criado para julgar os nazistas pelos crimes contra a humanidade na II Guerra Mundial. Casos como o do ex-ditador líbio, Muammar Kadafi, e do ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, foram julgados pelo TPI. Antes de se tornar permanente, teve função de tribunal ad hoc no julgamento de Slobodan Milosevic, da Antiga Iugoslávia, por atos genocidas contra a população de Kosovo.
Já é a segunda vez em que o presidente Bolsonaro é alvo de representação no Tribunal Penal Internacional. A primeira foi em novembro de 2019, quando denunciado por incentivar, fortalecer e intensificar um processo de genocídio das etnias indígenas no país.
*Eduardo Rodrigues
Advogado e professor
Fundação Leonel Brizola
Membro Comissão Nacional Agronegócio OAB