O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello divulgou na noite desta sexta-feira (16) uma nota à Folha na qual afirma que, no período à frente da pasta, não negociou aquisição de vacinas com empresários.
“Enquanto estive como ministro da Saúde, em momento algum negociei aquisição de vacinas com empresários, fato que já foi reiteradamente informado na CPI da Pandemia e em outras instâncias judicantes”, escreveu o general da ativa.
Encaminhada à Folha como “Notificação Extrajudicial”, com pedido de direito de resposta, a nota foi publicada na sequência a toda a imprensa pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), da Presidência da República. A Folha negará o direito de resposta.
A secretaria do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou ainda que o mesmo procedimento seria adotado em relação à CNN Brasil e ao jornal O Globo.
Reportagem da Folha nesta sexta-feira revelou que, em um encontro fora da agenda, Pazuello prometeu a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac que foram formalmente oferecidas ao governo federal por quase o triplo do preço negociado pelo Instituto Butantan.
Apesar de Pazuello ter dito no vídeo que havia assinado um memorando de entendimento para a compra, a negociação não prosperou.
A negociação em 11 de março teve o desfecho registrado em um vídeo em que o general do Exército aparece ao lado de quatro pessoas que representariam a World Brands, uma empresa de Santa Catarina que lida com comércio exterior. O ex-ministro não nega os fatos narrados na reportagem. O vídeo foi obtido pela Folha e também está com a CPI da Covid.
Segundo Pazuello, na “Nota de Esclarecimento a ser Veiculada pela Folha de São Paulo”, a reunião com representantes da empresa “World Brands Distribuidora S/A (representante comercial da empresa chinesa Sinovac Biotech Ltd. no Brasil) ocorreu após um pedido formal endereçado ao Ministério da Saúde”.
De acordo com o ex-ministro, ele determinou que a Secretaria-Executiva, então sob comando do coronel da reserva Elcio Franco, fizesse “pré-sondagem acerca da proposta a ser ofertada pela World Brands Distribuidora S.A. (Sinovac Biotech Ltd.)”.
“Ante a importância da temática, uma equipe do Ministério da Saúde os atendeu e este então ministro de Estado —que detém o papel institucional de representar o Ministério da Saúde— foi até a sala unicamente para cumprimentar os representantes da empresa, após o término da reunião”.
Pazuello afirmou que a assessoria de comunicação da pasta foi quem sugeriu a realização da gravação, para tornar público o encontro, em respeito aos princípios previstos no artigo 37 da Constituição, que trata das regras gerais para atuação na administração pública.
“Após a gravação, os empresários se despediram e, ato contínuo, fui informado de que a proposta era completamente inidônea e não fidedigna. Imediatamente, determinei que não fosse elaborado o citado memorando de entendimentos —MoU—, assim como que não fosse divulgado o vídeo realizado”, escreveu o ex-ministro.
A reportagem da Folha procurou o ex-ministro Pazuello por mensagem de celular em 13 de julho. O general recebeu vídeo da reunião e um pedido de manifestação, mas não respondeu antes da publicação da reportagem.
O ex-secretario-executivo da pasta foi acionado da mesma forma. A reportagem também pediu manifestação do Ministério da Saúde e da Casa Civil. Nenhum deles respondeu.
“Merece destaque o fato de que todas as contratações de vacinas contra Covid-19 pelo Ministério da Saúde foram precedidas de MoU ou carta de intenções e que todos eles foram não vinculantes, ou seja, sem exigência futura de celebração de contrato nem obrigação de pagamento”, afirmou.
Pazuello escreveu ainda que não foram localizados no Ministério da Saúde nenhum memorando de entendimento, carta de intenções ou processo de aquisição de vacinas ofertadas pela World Brands.
“Reitera-se que nunca houve resistência do Ministério da Saúde quanto à negociação de quaisquer vacinas, desde que houvesse o mínimo de plausibilidade fática e juridicidade da proposta”, finalizou.
À Folha o ex-ministro enviou também a correspondência enviada pela World Brands à pasta, com data de 10 de março. O encontro ocorreu no dia seguinte.
“É com prazer que informamos ao Ministério da Saúde que nossa empresa está habilitada a representar a empresa chinesa Sinovac Biotech Ltd. (Beijing Kexing Bioproducts) no Brasil e possui a capacidade de ofertar ao Ministério da Saúde a venda de 15 milhões de imunizações (30 milhões de doses) da vacina Coronavac”, disse a empresa.
A World Brands afirmou que entregaria as doses em 75 dias contados da assinatura do contrato e pagamento inicial, com remessas semanais de 3 milhões de doses.
“O preço pretendido por cada dose é de 28 (vinte e oito) dólares americanos, convertidos em reais na data de seu pagamento e neste preço está incluído o transporte das vacinas por via aérea em container refrigerado até o aeroporto de Guarulhos, São Paulo (GRU)”, afirmou a empresa.
De acordo com o documento, a condição de pagamento era de sinal de 50% do valor total da encomenda e a outra metade nas datas de embarque. O documento é assinado por Sérgio R. M. Gonçalves.
O vídeo foi gravado no gabinete de Elcio Franco. Nela, Pazuello relatou o que seria o resumo do encontro.
“Já saímos daqui hoje com o memorando de entendimento já assinado e com o compromisso do ministério de celebrar, no mais curto prazo, o contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível para atender a nossa população”, disse o então ministro, segundo quem a compra seria feita diretamente com o governo chinês.
A Folha também obteve a proposta da World Brands. Com o depósito de metade do valor total da compra, seriam R$ 4,65 bilhões, considerando-se a cotação do dólar à época.
Naquela data, 11 de março, o governo brasileiro já havia anunciado fazia dois meses a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac via Instituto Butatan, pelo preço de US$ 10 a dose. A demissão de Pazuello seria tornada pública por Bolsonaro quatro dias depois, em 15 de março.
Além da discrepância no preço, o encontro fora da agenda contradiz o que Pazuello afirmou em depoimento à CPI, em 19 de maio. Aos senadores o general disse que não liderou as negociações com a Pfizer sob o argumento de que um ministro jamais deve receber ou negociar com uma empresa.
“Pela simples razão de que eu sou o dirigente máximo, eu sou o ‘decisor’, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o ministro. Se o ministro… Jamais deve receber uma empresa, o senhor [senador Renan Calheiros] deveria saber disso”, disse Pazuello à CPI.
No vídeo, um empresário que Pazuello identifica como “John” agradece a oportunidade do ministro recebê-lo e diz que podem ser feitas outras parcerias “com tanta porta aberta que o ministro nos propôs”.
A reunião dos empresários foi marcada com o gabinete de Elcio Franco, que recebeu o grupo. Segundo ex-assessores da pasta, Pazuello foi chamado à sala, ouviu o relato da reunião e fez o vídeo.
Três pessoas que acompanharam a reunião disseram que o vídeo foi gravado mesmo antes de Pazuello conhecer o preço da vacina.
Segundo um ex-auxiliar do então ministro, a ideia era propagandear nas redes sociais o avanço em uma negociação, no momento em que o governo era pressionado a ampliar o portfólio de vacinas.
Após a gravação, de acordo com os relatos colhidos pela Folha, parte da equipe do ministro pediu que os empresários não compartilhassem o vídeo, que foi feito por meio do aparelho celular de John.
Fonte:FolhaPress / Foto:José Dias/PR