O brasileiro passou a comer menos carne bovina nos últimos anos, o que tem preocupado pecuaristas. Contudo a reabertura do mercado chinês após o fim do embargo animou o setor, que espera bater recorde de exportações e projeta crescimento de cerca de 15% no preço da arroba neste ano.
O registro do caso atípico de vaca louca em Marabá (PA), o sexto no país desde 2010, gerou apreensão porque, além do problema em si, o setor enfrenta gargalos históricos, conforme especialistas ouvidos pela Folha.
O temor tem uma explicação clara, segundo o engenheiro agrônomo Alcides Torres, analista de mercado da Scot Consultoria.
“A China é o nosso grande parceiro comercial para tudo. Em relação à carne bovina, os chineses detêm 60% do que a gente exporta. Por isso que, quando o Brasil suspende essa exportação, o mercado desmonta”, disse.
Envios ao exterior se tornam ainda mais necessários devido à previsão do Ministério da Agricultura de redução de 3,4% no resultado financeiro neste ano na pecuária. A causa está na queda nos preços das carnes bovina e de frango —terceiro ano seguido de perda de receitas. O resultado financeiro deverá alcançar R$ 362 bilhões no setor.
A receita da carne bovina deve alcançar R$ 141,6 bilhões, 6,4% menos que em 2022, e a da carne de frango deve chegar a R$ 104,4 bilhões (-7%). Já a carne de porco deverá ter alta.
Os pecuaristas projetam que o preço da arroba (15 quilos) —atualmente oscilando entre R$ 270 e R$ 285, dependendo da praça— chegue a algum valor entre R$ 320 e R$ 340 nos próximos meses.
Segundo Torres, o mercado interno não tem força suficiente para abraçar a produção de carne bovina, principalmente num período de queda no consumo devido às dificuldades econômicas.
“O consumo de 35 quilos [ano] por habitante caiu para 25 quilos em função da pandemia, e ainda está num processo de recuperação.”
A expectativa é de que o país tenha recorde de exportações neste ano. Dados da Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) mostram que as exportações subiram 42% no ano passado em relação ao ano anterior, com receita total de US$ 13,09 bilhões.
“As exportações devem ser muito boas este ano e provavelmente o valor da arroba voltará a subir para o pecuarista. Não acredito que esse período em que a China ficou fechada vai interferir no volume total e no valor total exportado pelo Brasil”, disse o docente da USP (Universidade de São Paulo) Marcos Fava Neves, especialista em agronegócios.
Nabih Amin El Aouar, presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, disse que o ideal seria que a arroba bovina retomasse os preços praticados no início do ano passado, entre R$ 320 e R$ 340. Ele acredita e que a reabertura do mercado na Ásia contribuirá para isso.
“O preço estava entre R$ 270 e R$ 280 e, em um dia após o anúncio do fim do embargo, já melhorou para algo como R$ 285, por isso acreditamos num viés de aceleração de preço”, afirmou.
Presidente da Assocon (Associação Nacional da Pecuária Intensiva), Maurício Velloso disse que 2023 está marcado pelo “fundo do poço” do ciclo pecuário e que isso se configura numa oportunidade para investimentos.
“Se os valores de reposição e de arroba experimentam seus limites de baixa, condenando vendedores a margens negativas, ao mesmo tempo é uma formidável oportunidade de alavancagem de rebanhos, justamente pelos valores baixos de animais para reposição, sejam para cria, recria ou engorda”, disse Velloso.
“Dessa forma, o cenário de terra arrasada para uns constitui-se em ambiente de investimentos interessantes para a nova fase do ciclo pecuário que se inicia.”
O ciclo a que se refere Velloso contempla o abate significativo de fêmeas, de acordo com Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro. Com o baixo preço do bezerro no mercado, não compensa para o pecuarista manter a fêmea e ficar produzindo mais bezerros, o que resultaria em manutenção dos preços baixos por mais tempo.
“Estamos assistindo a essa inversão do ciclo, o que não é normal, mas por conta da redução do preço do bezerro. Em fevereiro, houve abate de 51,3% das fêmeas, e normalmente fica na faixa de 25% a 30%”, disse Nastari.
CRÉDITO E DESIGUALDADE
Apesar das expectativas positivas, não só com o fim do embargo, mas também com a habilitação de mais quatro plantas frigoríficas para exportar para a China, o setor tem gargalos a serem resolvidos e que despertam preocupação de pecuaristas.
Entres eles, conforme Velloso, estão a desigualdade no país, com concentração de negócios, e o patamar elevado de juros, que “seduzem o investidor a obter ganhos interessantes sem risco”.
“Talvez o maior dos desafios seja a insegurança jurídica causada pela leniência governamental com a invasão de terras e a desobediência aos marcos regulatórios”, disse.
Para o presidente da associação dos criadores de nelore, o financiamento agrícola é um dos gargalos do setor, mas o principal é a produção heterogênea espalhada no território nacional.
“De repente, você é um produtor qualificado, eu sou um mediano e o José é um péssimo, então aqui no Brasil temos o melhor pecuarista do mundo e o pior. Isso é um problema. As associações buscam trabalhar para termos uma produção homogênea.”
A ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu), por meio de comunicado, disse que o fim do embargo chinês foi importante também para a correção dos preços no setor e cobrou mecanismos que protejam comercialmente os pecuaristas brasileiros.
“No cenário econômico, quanto maior o player, maior a repercussão e a queda de preços no mercado do boi gordo”, disse a associação.
Marcelo Toledo/Folhapress