por Italo Nogueira / Folhapress
Um laudo apresentado ao juiz Marcelo Bretas pela defesa de três réus da Operação Câmbio, Desligo apontou o que considera inconsistências técnicas nos sistemas entregues por delatores que levaram à prisão de mais de 50 doleiros e operadores financeiros do país.
Bretas é o responsável pela Operação Lava Jato no Rio.
O estudo contém indícios de que o sistema de controle financeiro dos delatores Vinicius Claret e Cláudio Barboza pode ter sido adulterado após a prisão da dupla, em março de 2017, e antes de sua entrega ao Ministério Público Federal (MPF), em fevereiro de 2018.
O perito Lorenzo Parodi — contratado pela defesa dos uruguaios Francisco Muñoz Melgar e Raúl Pegazzano e do espanhol Juan Luis Bertran Bitllonch — indica ainda a possibilidade de mudança de datas de criação dos arquivos e existência de diferentes versões do mesmo sistema.
O objetivo da defesa dos doleiros é colocar em xeque a validade da principal prova de corroboração apresentada por Claret e Barboza, ex-funcionários do doleiro Dario Messer que fizeram acordo com a Procuradoria em fevereiro de 2018.
A força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, contudo, afirma que as informações entregues pelos delatores foram corroboradas por provas independentes, como extratos bancários obtidos por quebras de sigilo e cooperação internacional, entre outros.
O grupo diz ainda que o laudo possui, “além da natural parcialidade, uma série de imprecisões”. A defesa dos dois delatores disse que os arquivos já foram periciados pela Polícia Federal.
Parodi analisou os sistemas chamados Bankdrop e ST. Era com eles que Claret e Barboza gerenciavam as operações no exterior e no Brasil. De acordo com a Procuradoria, os dados internacionais descrevem transações que somam US$ 1,6 bilhão e envolvem mais de 3.000 offshores em 52 países.
Os dois foram presos no Uruguai no dia 3 de março de 2017 e lá ficaram por um ano. Eles tinham um mandado de prisão expedido por Bretas em razão das investigações sobre Sérgio Cabral.
Parte das operações do ex-governador do Rio, que está preso desde 2016 e acumula penas que somam quase 268 anos, foi feita com os doleiros. Os dois foram extraditados ao Brasil para assinar o acordo de colaboração.
Ao analisar os arquivos de log (registro de acessos) da base de dados do Bankdrop, o perito identificou diversos acessos entre 9 de março e 25 de julho de 2017.
“De acordo com os logs, foram realizadas sobretudo operações de inserção e alteração nos dados da base de dados”, afirma a perícia.
Já no ST, foram encontradas alterações na base dados até outubro de 2017.
Nesse sistema, o perito localizou ainda mensagens que sugerem a intenção de alterar a indicação da data que consta como de criação e modificação do arquivo.
“A data do sistema é menor que a data do seu computador. Por favor verifique se isto está correto ou se esqueceram de fechar o dia no sistema”, diz a mensagem no arquivo de log.
O perito afirma que o texto indica “que, de fato, havia alterações arbitrárias e manipulações das datas”.
Parodi também assinala inúmeros problemas técnicos que, a seu ver, tornam o sistema vulnerável a manipulações e, portanto, desprotegido.
Ele afirma que as cópias dos sistemas disponíveis na Justiça Federal não são idênticas entre si, tendo identificado ao menos oitos versões nos autos do processo.
“Tivemos quase um ano de prisão preventiva para dezenas de pessoas a partir de um Bankdrop que só foi para os autos tempos depois. Sabe-se que muitos dos presos fizeram delação premiada por medo de terem contra si uma prova que era narrada na denúncia como uma prova cabal. Quando essa prova veio aos autos, veio sem higidez no que diz respeito à forma e conteúdo”, diz o advogado Eric Cwajgenbaum, que defende os três réus que encomendaram o laudo.
A força-tarefa da Lava Jato afirmou, em nota, que o laudo apresentado pela defesa dos três acusados “possui, além da natural parcialidade, uma série de imprecisões”.
“A afirmação do perito particular de que haveria alterações nas datas dos arquivos após a prisão dos colaboradores é desmentida por perícia oficial da Polícia Federal que afirma: ‘cabe ressaltar que não são possíveis afirmações peremptórias sobre os tempos reais em que arquivos de computadores de uso geral teriam sido criados, modificados ou acessados, devendo ocorrer correlação com outras evidências'”, diz a nota.
O grupo afirma ainda que as informações que constam do Bankdrop e do ST “foram corroboradas por mais de uma centena de provas absolutamente independentes”.
“Cooperações jurídicas internacionais, quebras bancárias de contas no Brasil, documentos colhidos em buscas e apreensões, entre outros. Tais elementos, quando confrontados com o sistema informatizado dos cambistas, demonstram que as transações deste são absolutamente fidedignas e batem até na casa dos centavos”, acrescenta a nota da força-tarefa.
Os procuradores sustentam ainda que não há “qualquer modificação no sistema imputável ao Ministério Público”.
“Até o momento, não há qualquer indício sério de que o sistema tenha sido de qualquer maneira modificado”, afirmou a força-tarefa.
O advogado Márcio Delambert, que representa Claret e Barboza, afirma que “os sistemas já foram periciados pela Polícia Federal e, como qualquer prova, [esta] será analisada pelo juiz no momento da sentença”.